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Todos os argentinos da seleção peruana, adversária de amanhã nas eliminatórias

Desconsiderando-se o Brasil, o Peru é, das seleções da Conmebol, a que menos contou com jogadores argentinos. Provável reflexo de quem, sem fronteiras com os hermanos, sabia sair-se bem já nos anos 30, quando a Blanquirroja venceu uma Copa América (sem participação de Brasil e Argentina, é verdade) e jogou honrosamente uma Olimpíada. Apesar de serem treinados atualmente por Ricardo Gareca, até no que se refere a treinadores os peruanos importaram pouco da Argentina. O intercâmbio ficou mais famoso por um goleiro, justamente a posição naturalizada mais frequente.

O primeiro argentino a trabalhar na seleção peruana foi o técnico Ángel Fernández Roca, campeão nacional com o Boca em 1940 e da Copa Roca de 1939 pela Argentina. Treinou o Peru na Copa América de 1942. Em relação à edição de 1939, o retrospecto involuiu para um quinto lugar, mas ainda assim atrás só dos “quatro pesados”: o campeão Uruguai, Argentina, Brasil e Paraguai. A campanha rendeu ainda a transferência do goleiro José Soriano ao River, onde seu estilo arrojado inspiraria o juvenil Amadeo Carrizo. Soriano também viria a fomentar o sindicato dos jogadores argentinos.

Fernández Roca voltaria a comandar a Blanquirroja em 1953, quando o Peru sediou a Copa América. Era originalmente o assistente do inglês William Cook, demitido após um mal início. O argentino não evitou um novo quinto lugar, mas conseguiu a primeira vitória dos peruanos sobre o Brasil, um 1-0 naquela competição.

O Peru viveu sua melhor geração entre fins dos anos 60 e início dos 80. Conseguia cravar craques no Boca (Julio Meléndez), no Porto (Teófilo Cubillas), no Barcelona (Hugo Sotil) e no Independiente tetra seguido na Libertadores (Percy Rojas); eliminou em plena Bombonera a Argentina nas eliminatórias à Copa de 1970, onde participou dignamente, venceu novamente a Copa América e jogou em 1978 e em 1982 suas duas últimas Copas do Mundo – estando firme no páreo para a de 1986 também.

Também nesse período, o futebol local chegou pela primeira vez a uma final de Libertadores, com o Universitario (onda ainda jogava o citado Percy Rojas) em 1972, perdida para o Independiente (confira). O goleiro de La Crema era o argentino Humberto Ballesteros, ex-River e Lanús. Ballesteros foi convocado para jogar pela seleção peruana e participou de treinamentos, mas entraves à sua naturalização impediram que jogasse. Mas não foi o caso de Ramón Quiroga, ex-Rosario Central.

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O goleiro Quiroga, à esquerda: marcado pelos 6-0. Acusação automática que não parece justa

Quiroga só conseguiria títulos pelo seu Sporting Cristal já em 1979, mas estreara pelo Peru ainda em 1977. Foi o naturalizado mais longevo na Blanquirroja, defendendo-a até as fracassadas repescagens contra o Chile nas eliminatórias à Copa de 1986. Ficou negativamente marcado pelos 6-0 sofridos contra a terra natal na Copa de 1978, reforçando as suspeitas de uma derrota proposital.

A favor de Quiroga, o fato de que naquele mesmo ano de 1978, em março, os peruanos já haviam levado de 3-1 dos argentinos em plena Lima. E que, na época, a própria revista brasileira Placar observou que “a Quiroga não se pôde culpar pelo bombardeio que seu gol sofreu”. De fato, quem analisar a partida sem paixões há de concordar que sua zaga simplesmente não dava chutões, preferindo tocar a bola no próprio campo de defesa (nos 6-0, foi roubando-se a bola na saída peruana que iniciou-se a jogada do quarto gol, já suficiente para a classificação, e do sexto), além de não marcar firmemente. Detalhamos aqui.

Quiroga sempre refutou ter sido subornado: “o fato é que eu me sinto roubado. Se tantos dólares foram pagos, eu não fui incluído. Acho que tenho direito à minha parte na bolada”, declarou em Como eles roubaram o jogo, de David Yallop. Yallop insinua no livro que o Peru usou a camisa reserva, toda vermelha, para não “manchar” seu tradicional manto alvirrubro, ideia que se refuta pelo fato de as transmissões televisivas em preto e branco pesarem na época para a escolha dos uniformes.

Um outro goleiro poderia ter sido Juan Carlos Zubczuk, que nunca se firmou no Racing. Ídolo no Universitario, Zubczuk foi convocado em meio às eliminatórias à Copa de 1994. Mas, como Ballesteros, não chegou a jogar. E sim mais um goleiro, Oscar Ibáñez. Na Argentina, sua passagem mais marcante foi no Arsenal, ainda um time de divisões inferiores. No Peru, ele foi o sucessor de Zubczuk na posição e na idolatria no Universitario. Defendeu a seleção cinquenta vezes entre 1998 e 2005. Nesse período, destacou-se também no Cienciano, estando presente no único título clubístico continental dos peruanos – a Sul-Americana de 2003, sobre o River.

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Outro goleiro, Ibáñez, esteve no único título continental de um clube peruano, o do Cienciano em 2003

Ibáñez chegou a ser colega de Gustavo Tampone, volante que estreou em 2000 pela Blanquirroja, justamente contra a Argentina, em derrota por 2-1 em Lima. Revelado sem se firmar no San Lorenzo, ele já havia passado pelo trio peruano principal (Universitario, Alianza Lima e Sporting Cristal) e outros clubes incaicos. Estava no Sport Boys e jogou cinco vezes nas eliminatórias à Copa de 2002, com um gol marcado – exatamente naquela estreia contra a Albiceleste, contra quem curiosamente havia começado no banco. Jogou ainda a Copa América de 2001.

Depois de Tampone, alguns outros jogadores foram especulados, especialmente em 2009 conforme esta nossa reportagem. Mas o hermano seguinte foi mesmo um técnico: Ricardo Gareca assumiu o Peru em 2015 mesmo após um trabalho sem êxito no Palmeiras, mas credenciado por período sólido no Vélez (que desde sua saída decaiu vertiginosamente, reencontrando ameaça de rebaixamento com a qual não convivia desde os anos 70). El Tigre repetiu na Copa América de 2015 a terceira colocação lograda pelos peruanos na edição anterior, e na de 2016 conseguiu a primeira vitória peruana sobre o Brasil em trinta anos.

Nas eliminatórias, porém, os comandados de Gareca seguem patinando: é a penúltima, sete pontos atrás até da repescagem. Curiosamente, como jogador foi ele quem praticamente tirou o Peru de uma Copa do Mundo, nas eliminatórias de 1986: falamos aqui.

Encerramos aqui notas sobre os argentinos que defenderam outras seleções da Conmebol. Confira:

Bolívia, a seleção que mais naturalizou argentinos

Os argentinos que já defenderam o Chile

os argentinos que já defenderam a Colômbia

Todos os argentinos da seleção equatoriana

Os argentinos que já defenderam o Paraguai

Os argentinos que já defenderam o Uruguai

Há meio século, a seleção brasileira foi no dia da independência treinada por um argentino

Os argentinos da seleção venezuelana

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Tempone estreou contra a Argentina e logo ali saiu do banco para marcar seu único gol pelo Peru, mesmo cercado por Ortega (camisa 10), Sorín (3), Simeone (14) e Verón (11)

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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