EspeciaisSeleção

Familiares na Seleção Argentina – Parte 7: Pais & Filhos (I)

O adolescente Vicente de la Mata como herói argentino de 1937. Ironia: só voltou à seleção seis anos depois

Depois de quatro dos seis especiais da série “Familiares” dedicados aos irmãos que atuaram pela Argentina, com casos presentes também nos outros dois, este sétimo terá novo enfoque. Cinco casos de pai e filho já ocorreram na Albiceleste, um deles já retratado no especial dedicado aos Solari. Para este, falaremos dos dois primeiros pares.

A primeira vez em que um jogador, tal qual seu pai, veio a jogar pela Argentina, só veio a dar-se nos anos 60. Trata-se dos Vicente de la Mata. O pai foi um dos maiores nomes do futebol argentino. Don Vicente mal havia completado dezenove anos e decidiu o Sul-Americano de 1937. Brasil e Argentina disputaram um jogo-extra para definir o campeão, depois que ambos empataram na liderança ao fim de um torneio em pontos corridos – igualdade esta alcançada após vitória argentina sobre os próprios brasileiros na última rodada.

Fora convocado ainda como jogador do Central Córdoba, time pequeno até em sua cidade de Rosario. No meio do torneio, sua ida ao Independiente foi acertada – com seu pai precisando representá-lo na assinatura, pois De la Mata ainda não tinha maioridade civil pelas leis argentinas da época. Na decisão, um dia depois da transferência, o jovem driblador entrou no lugar da estrela Francisco Varallo e marcou os dois gols da partida, já no segundo tempo da prorrogação. No ano seguinte, consagrou-se também no novo clube: o Rojo de Avellaneda obteve seu primeiro título profissional (e o primeiro campeonato argentino em doze anos) muito por conta de um lendário trio ofensivo formado por De la Mata com Antonio Sastre (abordado no especial anterior desta série) e Arsenio Erico.

Essa linha dianteira repetiu o feito no ano seguinte, tempos em que fora a mais goleadora do país. Se um tri seguido não veio em 1940, este ano reservou a maior goleada no clássico contra o Racing, um 7 x 0 com dois gols de El Capote, terceiro maior artilheiro da história dos diablos, com 152 gols. Apesar do sucesso no clube, sofreu na seleção com a concorrência de alto nível na época. A despeito de seu papel decisivo no título de 1937, demorou seis anos desde então para voltar a jogar pela Argentina, pela qual fez apenas treze partidas (em seis delas, vindo do banco), com seis gols.

Os dois Vicente de la Mata na seleção: o pai em 1937 e em 1945. E o filho em duas fotos de 1966, em amistosos pré-Copa

Teriam sido ainda menos jogos se ele não se dispusesse a jogar em posições que não eram exatamente as suas, para não ficar na reserva. Em seu retorno, marcou outro gol, em um 5 a 2 sobre o Paraguai em Assunção pela Copa Chevallier Boutell (equivalente entre a Albiceleste e a Albirroja da Copa Roca). Foi alternando-se entre titulares e reservas que ele integrou também os elencos argentinos vencedores dos Sul-Americanos de 1945 e 1946, edição em que De la Mata integrou um ataque demolidor com Norberto Méndez, Adolfo Pedernera, Ángel Labruna e Félix Loustau.

Mas foi nela também que ele acabou realizando, de forma melancólica, sua última partida pela Argentina: em nova decisão frente ao Brasil, foi expulso juntamente com o brasileiro Chico aos 30 minutos do primeiro tempo, por conta da briga generalizada que paralisou a partida por mais de uma hora a partir dali, depois que o lateral José Salomón quebrou a perna em lance contra Jair da Rosa Pinto. De la Mata, já sem Erico e Sastre, voltaria a ser campeão argentino com o Independiente em 1948. Com 30 anos, já não era mais aproveitado pela seleção.

O filho jogava mais recuado, como um volante. Inevitavelmente, teve de carregar comparações com o pai, pelo nome inteiramente igual e até por também ter defendido o Independiente, onde surgiu e passou a década de 60. Seu momento de maior destaque foi em 1965, na campanha que deu ao Rojo o bicampeonato na Taça Libertadores da América, inclusive marcando um dos gols das finais contra o Peñarol. Poderia ter brilhado mais se não fosse prejudicado também por lesões.

Pela seleção, por pouco não foi à Copa do Mundo de 1966. Participou das eliminatórias, sob o comando técnico de José María Minella, e integrou os pré-convocados do substituto Juan Carlos Lorenzo para o mundial, participando de amistosos preparatórios a semanas do torneio. Lorenzo, todavia, resolveu não confirmar Vicentito. A derrota de 3-0 para a Itália em Turim, o último jogo da Argentina antes da Copa (em 22 de junho), foi também a sexta e última partida do De la Mata filho pelo selecionado; ele ainda figurou em duas não-oficiais, contra o clube italiano Cagliari (2-0, em 1º de junho, no estádio do San Lorenzo) e contra um combinado de Copenhague (também 2-0, em 17 de junho).

Um novo caso de jogador filho de alguém que já havia atuado pela seleção só voltaria a ocorrer nos anos 90, por meio de Juan Sebastián Verón, revelado no mesmo Estudiantes de La Plata que seu pai, Juan Ramón Verón, impulsionara a níveis inimagináveis no final da década de 60.

Os dois Juan Verón: Ramón é o jogador à direita na foto esquerda. Na outra imagem, Sebastián no auge pela seleção, entre 2000 e 2001

Verón pai era um dos emblemas do pincha tricampeão seguido da Libertadores (então um recorde) entre 1968 e 1970 e, anteriormente, da equipe que dera ao clube seu segundo título argentino, em 1967 (sendo o primeiro campeão além dos cinco grandes no profissionalismo). Em 1970, ano em que La Bruja poderia ter disputado a Copa do Mundo caso a Argentina não tivesse surpreendentemente sido desclassificada para o Peru dentro da Bombonera, o Estudiantes era simplesmente o maior campeão da América, ao lado do Peñarol, e, juntamente do Racing, a única equipe argentina campeã intercontinental (venceu o Manchester United em 1968, com Verón marcando de cabeça em Old Trafford).

Juan Ramón era um veloz e habilidoso atleta que primava pelo jogo em equipe, mas não conseguiu repetir na seleção o que fazia na ponta-esquerda dos pincharratas. Jogou apenas quatro vezes, entre 1969 e 1971, um ano antes de ir ao futebol europeu. Era possível que tivesse lugar na Copa do Mundo de 1974, a primeira em que chamou-se quem atuava no exterior. Verón, todavia, encontrava-se no escondido futebol grego (onde defendia o Panathinaikos), fator que também já o vinha afastando do selecionado desde que deixara a a Argentina.

Um quarto de século depois, seu sobrenome voltou à Albiceleste na figura do filho Juan Sebastián. Naturalmente surgido também no Estudiantes – nasceu inclusive em dia de clássico contra o Gimnasia y Esgrima, em que seu pai, de volta ao clube em 1975, esteve em campo e marcou um gol (mais detalhes neste outro especial do Futebol Portenho)-, recebeu a primeira oportunidade na seleção em 1996, já em seu primeiro semestre no Boca Juniors. Chegara ao clube da Ribeira após ser disputado também pelo arquirrival River Plate.

Verón filho não teve muito tempo (e títulos) para deixar sua marca nos xeneizes. Em sua segunda partida na seleção principal, três meses depois do debute (no período, esteve no time medalha de prata nas Olimpíadas de Atlanta), já veio como jogador da Sampdoria. No clube genovês, iniciou a sua vitoriosa trajetória no futebol italiano, com sua versatilidade no meio-de-campo (na esquerda, na direita, pelo meio ou como armador, um craque) angariando prestígio também no Parma, na Lazio e na Internazionale. Compôs com Ayala, Simeone, Zanetti, Claudio López, Batistuta e Crespo a espinha-dorsal da Argentina nas Copas de 1998 e 2002.

Os Verón comemorando título do seu Estudiantes

No intervalo entre os mundiais, foi justamente La Brujita o principal nome da Albiceleste, que, a despeito da excelente safra do período, dizia-se sofrer de certa Veróndependencia. Paralelamente, vivia na Lazio o auge da forma, segundo o próprio. Isto acabaria voltando-se contra ele após a decepcionante queda na primeira fase do mundial da Ásia, para o qual a Argentina chegara favorita como nunca, após arrasadoras eliminatórias (o segundo colocado, o Equador, terminara doze pontos atrás).

Verón, que também era o capitão da equipe, foi apontado como um dos principais culpados pelo fracasso, embora tivesse ido ao Japão após uma fraca temporada no Manchester United decorrida em boa parte de uma lesão no tendão que o perseguiu por meses.

O forte temperamento (e um fracasso no Chelsea) também lhe prejudicou nessa época, não recebendo oportunidades no ciclo do técnico José Pekerman, ficando de fora da Copa de 2006. Verón reconstruiu sua imagem no semestre que se seguiu ao torneio. Em seu retorno ao Estudiantes (a Inter queria mantê-lo, mas ele abriu mão de parte de seus direitos junto ao Chelsea, de onde estava emprestado aos milaneses), levou nas costas o clube do coração a um emocionante título argentino.

O Boca era o líder, perdendo uma taça ganha ao sair derrotado nas duas últimas partidas quando bastava-lhe um ponto para sagrar-se campeão. No jogo-extra, os auriazuis ainda perderam de virada para o time de La Plata, campeão argentino novamente depois de 23 anos. Tal desempenho fez Alfio Basile incluí-lo na Copa América de 2007, quebrando um hiato de quatro anos sem Verón na seleção.

Sua imagem como líder de um Estudiantes reerguido após anos de decadência (ele mesmo só havia ganhado ali, antes do retorno, a Primera B Nacional que se seguiu após o rebaixamento que vivenciara com a equipe em 1994. O clube desde então vinha sendo mero figurante enquanto o Gimnasia regularmente postulava títulos), repetindo inclusive o pai ao vencer a Libertadores de 2009 (além de, fora de campo, usar do próprio dinheiro para reformular as instalações do clube e a sua influência para reaver um estádio para o time), fez com que continuasse a ser regularmente convocado também por Maradona.

Ainda que normalmente no banco e já aos 35 anos, foi chamado para a Copa de 2010 por Dieguito, com quem chegara a jogar no Boca. De fato, La Brujita é um dos privilegiados que pode dizer que esteve em campo com ele e com Messi.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

4 thoughts on “Familiares na Seleção Argentina – Parte 7: Pais & Filhos (I)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

nove − oito =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.