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Familiares na Seleção Argentina – Parte 9: Tios & Sobrinhos

Os Martino. Rinaldo, à esquerda, também defendeu a seleção italiana. Gerardo é o recordista de jogos e títulos no Newell’s

Na seleção, já ocorreram quatro situações de tio e sobrinho, uma delas já retratada no especial dedicado aos Solari. A primeira deu-se com os Díaz, ainda nos primórdios do selecionado.

Zenón Díaz

Zenón Díaz é considerado o primeiro grande astro criollo do futebol nacional, embora a Argentina já tivesse convocado hispânicos anteriormente. Por sinal, ganhou espaço na zaga de uma equipe ainda carregada da influência britânica que a tinha originado, o Rosario Central, de sua cidade natal – foi, por exemplo, colega dos Hayes (abordados no terceiro especial dos irmãos). Como estes, também trabalhava na central ferroviária de onde surgiram os canallas, ali aprendendo a jogar futebol, onde inicialmente atuou como goleiro.

No que se refere a jogos oficiais, ele foi o primeiro convocado pela seleção vindo de um clube do interior argentino, atuando em partida de 1906 contra o Uruguai – uma vitória de 2 a 0 em Montevidéu.

Todavia, só voltou a defender a Argentina sete anos depois, e outros três se passaram para que jogasse por ela uma terceira vez. Foram seis jogos, todos contra os uruguaios (quatro vitórias, um empate e uma derrota), e em quatro foi capitão. À beira dos 36 anos – é ainda um dos mais veteranos a ter jogado pelo país -, Zenón Díaz disputou o primeiro Sul-Americano, em 1916. Também foi festejado no atletismo.

Octavio Díaz

Quatro anos depois, chegou à seleção seu sobrinho, o goleiro Octavio Díaz, também do Rosario Central e trabalhador da empresa ferroviária. El Oso (“O Urso”) não recebeu o apelido à toa: tinha um físico robusto que sabia aproveitar para cobrir sua meta. Depois de dois jogos em 1920, atuou seguidamente pela Albiceleste entre 1926 e 1928, incluindo participações nos Sul-Americanos de 1926 e 1927 (onde foi campeão) e nas Olimpíadas de 1928, em que defendeu um pênalti contra o Egito. Foi sua única partida nesta competição, em que o arqueiro titular foi Ángel Bossio.

Considerado um dos melhores goleiros do futebol rosarino, Díaz também foi um dos três jogadores de lá chamados para participar de celebrada excursão do Boca Juniors à Europa em 1925 (Roberto Cochrane, do Tiro Federal, e Manuel Seoane, então no El Porvenir, foram os outros. Cesáreo Onzari, do Huracán, e Luis Vaccaro, do Argentinos Juniors, também se juntaram ao grupo para a ocasião). No Velho Continente, também esteve no primeiro jogo da Argentina por lá, em amistoso contra Portugal antes dos Jogos de Amsterdã. Uma greve no futebol rosarino às vésperas da Copa de 1930 afastou sua convocação ao primeiro Mundial.

Também nos anos 20, um dos colegas de Octavio naquela viagem com o Boca fez sua única partida pela seleção. Trata-se do ponta-esquerda Dante Santiago Pertini, tricampeão argentino com o clube na época. Ele, autor de 31 gols em 63 partidas pelos xeneizes (passou também pelo arquirrival River Plate), era tio de ninguém menos que Alfredo Estéfano Di Stéfano Laulhé, um dos maiores nomes do futebol em todos os tempos.

Alfredo Di Stéfano

Alfredito, todavia, foi celebrizar-se assim no exterior, onde tornou-se um jogador completo nas ligas colombiana e espanhola, sendo o maior ídolo da história do Millonarios e do Real Madrid. Sua passagem pelo futebol argentino não deixou de ser um fenômeno (65 gols em 97 jogos, entre River Plate, Huracán e seleção), mas ali ainda era um “reles” goleador rápido (não ganhou o apelido de La Saeta Rubia, “A Flecha Loira”, por acaso) e fominha. No ano em que estourou no River, em 1947, chegou à seleção, participando do Sul-Americano do ano.

Pela Argentina, teve excelente média de um gol por partida, mas foram poucos: seis, todos (e todas) no vitorioso Sul-Americano, onde ele não foi titular em todas os jogos. Ironicamente, a única vez em que atuou na terra natal por uma seleção foi defendendo os espanhóis, em amistoso de 1960 no seu velho conhecido Monumental de Núñez (o Sul-Americano de 1947, um ano antes de Don Alfredo embarcar ao Eldorado Colombiano e de lá para a Espanha, ocorrera no Equador).

O terceiro caso de tio e sobrinho veio do futebol cordobês. O centroavante Carlos Lacasia havia sido revelado pelo surpreendente General Paz Juniors (apenas a quinta força local, atrás da dupla principal Belgrano e Talleres e da dupla secundária Instituto e Racing de Córdoba, que não deve ser confundido com o de Avellaneda) vice-campeão em 1943 da Copa de la República para o San Lorenzo, vitrine que o levaria anos depois ao Independiente. Já como jogador do Rojo, Lacasia jogou três vezes pela seleção em 1953. Sua estreia foi inclusive histórica por dois fatores: foi a primeira vitória de uma nação sul-americana sobre a Inglaterra, e ali a Argentina usou pela primeira vez cinco atacantes de um mesmo clube.

Naquele General Paz Juniors de 1943 um dos colegas de Lacasia era Alfredo Guerini e a parceira se estendeu além dos gramados, com ambos tornando-se cunhados. Em 1949, nasceu Carlos Guerini Lacasia, filho de Alfredo e sobrinho de Carlos. Também revelado no Juniors, despontou nacionalmente no Belgrano, mas já estava no Boca quando estreou pela Argentina, em 1973. Ele inclusive marcou o gol da classificação à Copa do Mundo de 1974, mas a transferência ao Málaga tirou-lhe do radar e ele foi esquecido na convocação final; era um contexto em que ir à Europa mais atrapalhava do que ajudava, o que permaneceu mesmo com El Chupete destacando-se posteriormente no Real Madrid. Ele também conseguiu ser ídolo na dupla rival Belgrano e Talleres, com mais de uma passagem por ambos.

Os sucessores dos cordobeses foram rosarinos. Rinaldo Fioramonte Martino foi um dos maiores craques do futebol argentino, calhando de jogar naquele período sem Copas na Segunda Guerra Mundial. Incrivelmente potente para a época, brilhou no San Lorenzo campeão de 1946, onde o Ciclón teve o ataque mais goleador da época (90 gols), superando até mesmo a tão afamada La Máquina do River – no embalo, o time fez uma excursão europeia que rendeu vitórias até sobre as seleções espanhola e portuguesa. Antes disso, Martino já brilhava também na seleção argentina campeã das Copas América de 1945, onde fez o gol do título encobrindo o goleiro uruguaio Roque Máspoli, e 1946. 

 

Carlos Lacasia e Carlos Guerini: estrearam pela seleção com vinte anos de diferença, em 1953 e 1973

Rinaldo Martino ainda seria campeão pela Juventus na temporada 1949-50, um título que não foi um scudetto qualquer: o time de Turim não vencia a Seria A havia quinze anos, jejum hoje impensável. Na campanha, ele chegou a ser usado uma vez pela seleção italiana, mas voltou ainda antes do fim à América, entendiado com a “falta de corrida de cavalos” e perdendo chance de disputar pela Azzurra a Copa de 1950. Brilhou no Nacional uruguaio também, antes de uma passagem fracassada como veterano no São Paulo em 1953. Gerardo Martino, por sua vez, encarou o Tricolor na final da Libertadores de 1992 como o capitão do Newell’s de Marcelo Bielsa.

Tata Martino é justamente o profissional com mais jogos e títulos pela Lepra, participando ativamente do ciclo áureo entre 1988 e 1992, quando os rubronegros ganharam três de seus cinco títulos argentinos (igualando-se em curto prazo aos do rival Rosario Central na época) e foram a duas finais de Libertadores. Mesmo antes das taças aparecerem, ele foi testado na seleção nos amistosos pré-Copa de 1986, embora não tenha ficado para a lista final. Esquecido também para a de 1990, o volante elegante ainda calhou de depois ter a concorrência de alguém ainda melhor, Fernando Redondo.

O quinto e caso de tio e sobrinho muita vez é divulgado como os dos Asad. Mas, apesar da grande diferença de idade, o setentista Julio Asad é primo do noventista Omar Asad. O quinto caso foi mesmo o dos Solari, vistos no referido segundo especial desta série – com Santiago repetindo Jorge (da década de 60) ao receber em 1999 a primeira convocação. Por fim, o ano de 2011 rendeu a estreia do velezano Juan Manuel Martínez na seleção, no 2-1 sobre Portugal em 9 de fevereiro. El Burrito é herdeiro de duas linhagens do futebol argentino: o pai, Carlos Martínez, e o tio, Joaquín Martínez, defenderam o River nos anos 70. Estes, por sua vez, são sobrinhos de outro Joaquín Martínez, reserva do timaço riverplatense dos anos 40, La Máquina.

Mas o parente que também defendeu a seleção foi um tio materno de Juan Manuel: César Augusto Laraignée, colega dos irmãos Martínez no River do início dos anos 70. El Turco acumulou onze jogos pela Argentina entre 1970 e 1971. Embora (um ótimo) zagueiro, marcou dois gols em dois jogos seguidos contra a França. Isso e a possibilidade de dupla cidadania pela ancestralidade francesa chamaram a atenção daquele país, onde seguiria longa carreira, sobretudo no Stade de Reims.

Atualização em 13-06-2017: nessa data, Alejandro Gómez estreou pela seleção principal, em 6-0 amistoso sobre Singapura, dez anos depois de ser campeão mundial com a seleção sub-20. El Papu Gómez é sobrinho materno de Hugo Villaverde, zagueiro ídolo de Colón e Independiente nos anos 70 e 80. Pela Argentina, Villaverde jogou um punhado de amistosos entre 1979 e 1980.

César Laraignée, tio materno de Juan Manuel Martínez

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

3 thoughts on “Familiares na Seleção Argentina – Parte 9: Tios & Sobrinhos

  • Caio Brandão

    Caros, uma errata: segundo o especialista Esteban Bekerman, os Asad seriam na verdade primos. De fato, há fontes que sustentam ambas as relações.

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