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80 anos da primeira taça profissional do River

Malazzo, Dañil, Sirni, Bernabé, Basílico e Santamaría; o massagista Machín, Zatelli, Lago, Cuello, Peucelle e Luna

Há oito décadas, o maior vencedor do campeonato argentino lograva a primeira de suas 33 conquistas na elite profissional do torneio, título agora relembrado pelo Futebol Portenho.

Dos cinco grandes do país, o River foi o primeiro a chegar à elite, estreando nela em 1909. Todavia, foi o que menos ganhou naquela etapa amadora (1891-1930), sendo campeão nacional nela uma única vez, em 1920. Dos demais grandes, o Boca tinha seis títulos, o Racing levantara nove, o Independiente lograra dois e o San Lorenzo, três. O River também estava atrás do “sexto grande”, o tetracampeão Huracán.

Como os anos amadores passaram por diferentes cismas em que dois órgãos diferentes realizaram seus próprios campeonatos, deixando tais clubes em ligas separadas, tornou-se comum renega-lo e contabilizar-se apenas os títulos a partir de 1931. Foi quando os times mais poderosos romperam com a então amadora associação argentina e passaram a organizar um campeonato próprio. A associação só conseguiu resistir até 1934.

Logo no primeiro ano de amadorismo profissional, o River escandalizou ao pagar 10 mil pesos a Carlos Peucelle, destaque na primeira Copa do Mundo (fizera um dos gols da final, inclusive), para que saísse do hoje extinto Sportivo Buenos Aires. Foi por causa dessa compra, e não propriamente por se situar há cerca de dez anos na zona nobre de Buenos Aires (ainda não em Núñez, mas em Palermo), que os riverplatenses passaram a ser conhecidos como Millonarios. Já dedicamos um especial a Peucelle, aqui.

Em 1931, ano em que chegou ao clube outro a ter marcado na final da Copa, o uruguaio Pablo Dorado, porém, o time só ficou em quarto, a seis pontos (em época em que a vitória valia dois) do arquirrival Boca Juniors. A resposta foi a contratação do goleador Bernabé Ferreyra junto ao vizinho Tigre. Por cinco vezes o valor usado para trazer Peucelle um ano antes, um recorde que duraria mundialmente por vinte anos.

Bernabé Ferreyra, em sua época tão admirado quanto Gardel

Ferreyra recebia ainda as regalias de um automóvel e só estar na capital federal nos fins de semana para os jogos, sendo apanhado de avião em sua santafesina Rufino natal, onde podia ficar de segunda à sexta. Mimos que não continuaria a ter se não compensasse: estreou com dois gols (3 a 1 no Chacarita) e marcaria seguidamente nas doze primeiras rodadas, motivando a criação de uma medalha para o primeiro goleiro não-vazado por ele na temporada. Deixaria o River em 1939 após 187 gols… em 185 jogos.

La Fiera foi por décadas justamente o maior artilheiro do clube; Ángel Labruna (293) e Óscar Más (219), os únicos a superarem-no, precisaram de bem mais jogos (515 e 425, respectivamente) para conseguirem. Além de Bernabé, as principais novidades do Millo para 1932 se constituíam também no polivalente meia Carlos Santamaría (que no fim da década seria bicampeão carioca no Fluminense, passando também por Flamengo e Botafogo), no carismático goleiro Sebastián Sirni e até em um brasileiro: o lateral-esquerdo Aarón Wergifker.

Wergifker, na realidade, foi tupiniquim por acidente: era filho de judeus russos que estavam emigrando à Argentina, nascendo na escala paulistana da viagem. O que não o impede de ser o único brazuca a ter defendido a seleção alviceleste, tendo realizado alguns jogos por ela entre 1934 e 1936. Já no River, ficaria por dez anos.

Com os reforços e a boa equipe-base já com Peucelle e o veterano lateral-direito da seleção Juan Carlos Iribarren, o clube sobrou no campeonato. Senão em pontos, ao menos no poderio ofensivo: 81 gols marcados, contra 43 sofridos. Mais da metade dos tentos pró foram da autoria de La Fiera Bernabé, que anotou 44 (em 34 jogos), quase o dobro dos vice-artilheiros: Hugo Lamanna, do Talleres de Remedios de Escalada, e Francisco Varallo, do Boca Juniors, que fizeram 24 cada.

Outras novidades de 1932: Santamaría, Sirni e o “brasileiro” Wergifker

Não obstante, o campeonato foi parelho até o fim, em uma disputa forte contra o Independiente do futuro maestro são-paulino Antonio Sastre. Ambos terminaram com 50 pontos após 22 vitórias, 6 derrotas e 6 empates, forçando um jogo-extra no neutro estádio do San Lorenzo.

Sirni, Roberto Basílico, Alberto Cuello, Santamaría, Manuel Dañil, Esteban Malazzo, Ricardo Zatelli, Pedro Lago, Bernabé, Peucelle e Segundo Luna foram os onze millonarios que iniciaram o tira-teima que hoje completa 80 anos. Atilio Maccarone, Luis Fazio, Fermín Lecea, Juan Ferrou, Juan Carlos Corazzo (avô de Diego Forlán), Emilo Almiñana, Roberto Porta, Sastre, Manuel Seoane, Manuel Ramos e Juan Betinotti, os oponentes.

Se o campeonato foi equilibrado entre a Banda Roja e o Rojo de Avellaneda, aquela decisão no Gasómetro foi definida antes do intervalo. Ferreyra abriu o placar aos 11 minutos, acertando no ângulo as redes no a 35 metros do gol com um de seus potentes chutes de longa distância – característica que lhe tornaria conhecido como El Mortero de Rufino. O segundo, também de fora da área, foi anotado por Peucelle aos 22 minutos.

Aos 38, os números finais foram dados por Zatelli, ao aproveitar rebote de Maccarone após outro chutaço de Ferreyra, a ser tão comentado nacionalmente quanto Carlos Gardel. Em 1945, Seis anos após parar de jogar e já com um abdômen proeminente, ainda era louvado em tangos nas rádios, com os versos “dizem os garotos/do oeste argentino/que tenho mais tiro/que o grande Bernabé”, a principal peça do primeiro título profissional do Campeón del Siglo XX.

Bernabé, um dos três a ter melhor média de gols no River que Di Stéfano, com quem aparece nesta foto do fim da década de 40

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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