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35 anos da Copa 1978: Argentina 3-1 Holanda

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Esta série chega ao fim em um 25 de junho, mesma data da decisão que alçaria a Argentina de uma seleção de porte ainda médio a nível mundial ao mais alto patamar. A partida coroou especialmente aquele que sequer pôde tocar na taça: Mario Kempes, que saiu do jogo também como artilheiro da Copa, ao somar seis gols após os dois que marcara na final. El Matador nunca mais jogou tanto, nem sequer marcou novamente nos doze jogos seguintes pela Albiceleste, seus últimos por ela. Não precisava.

27/05: Há 35 anos, o Sportivo Italiano enfrentava a… Itália

02/06: Argentina 2-1 Hungria

06/06: Argentina 2-1 França

10/06: Kimberley: Há 35 anos, um clube argentino na Copa

10/06: Argentina 0-1 Itália

14/06: Argentina 2-0 Polônia

18/06: Argentina 0-0 Brasil

21/06: Argentina 6-0 Peru

Do jogo anterior, a única alteração foi a volta de Ardiles à titularidade, após seu lugar ter ficado com Larrosa contra o Peru em virtude de uma lesão contra o Brasil (Ossie fissurara um dedo do pé contra a França e desde então vinha jogando na base da infiltração; contra o Brasil, torcera um tornozelo). Larrosa se saíra bem, mas Menotti, que deixara o popular Juan José López de fora da Copa para ter Ardiles, se convencera após testá-lo por dez minutos no último treino. El Flaco confirmou a campo a equibe-base formada na segunda fase da Copa.

Se até a Copa diversos jogadores foram testados por Menotti, muitos particularmente do interior (como o próprio Ardiles, pinçado pelo treinador quando ainda estava no Instituto de Córdoba), o time adversário era bem coeso desde 1974, quando fora vice mundial: só dois do onze titular da Holanda não estiveram no mundial anterior, Poortvliet e Brandts. Os vices que atuaram na final contra a Alemanha Ocidental e que não embarcaram à Argentina foram apenas Wim van Hanegem, e, sobretudo, Johan Cruijff.

O técnico adversário já não era Rinus Michels e sim o austríaco Ernst Happel, que vinha fazendo sucesso na Bélgica. Cruijff ausentou-se por opção própria. Seu uniforme peculiar, com duas listras laterais ao invés das três da Adidas que o restante do elenco vestia (Cruijff era contratado da rival Puma), foi reproduzido em 1978 no dos irmãos Van de Kerkhof, os primeiros gêmeos em uma final. O cruijffiano número 14 ficara com o reservão Johan Boskamp.

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Rep, Jongbloed, Haan, Poortvliet, Neeskens e Krol; Jansen, Brandts, Willy van de Kerkhof, René van de Kerkhof e Rensenbrink

Já em habilidade, quem mais vinha substituindo Cruijff à altura era o atacante Rensenbrink, então o artilheiro do torneio, com 5 gols – um deles, o de número 1.000 das Copas. Curiosamente, marcado em jogo que a Oranje perdeu, para a Escócia; o gol da vitória, de Archie Gemmill, até tornou-se cult o bastante para aparecer em Trainspotting e a inspirar dois escoceses a se encontrarem por acaso no estádio 30 anos depois, ao pretenderem recriar o lance.

Krol, Rep, Haan, Neeskens e Jongbloed, o mais velho jogador em 1978, seguiam e possibilitavam uma revanche: a Argentina, em 1974, perdera por 1-4 em amistoso em Amsterdã e por 0-4 na Copa. Aquele encontro de virgens em títulos mundiais começou nervoso antes mesmo do início. Os argentinos entraram com 5 minutos de atraso e fizeram questão de reclamar do gesso que René van de Kerkhof usava na mão. A catimba irritou os europeus, que não se furtaram de trocar violência em campo (tal como no jogo contra o Brasil em 1974). Quem saiu sangrando foram Luque e Tarantini, este com a camisa suja de sangue próprio, após cotovelada de Neeskens, e do colega.

A primeira grande chance foi holandesa, com seu goleador: pelos 4 minutos, Haan levantou para a grande área em cobrança de falta e Rensenbrink, aparecendo de surpresa, assustou Fillol, com a bola cabeceada passando rente à trave direita. A defesa laranja não teve muito trabalho para neutralizar tentativas individuais de Olguín, Bertoni e Luque. Aos 12, quase Rensenbrink fica cara-a-cara com Fillol após longo lançamento, mas Galván chegou antes. Pouco depois, Bertoni, em nova tentativa individual, sofreu falta de Krol, amarelado. A cobrança, um petardo de Passarella defendido por Jongbloed, foi a primeira boa chance caseira.

A primeira tentativa de Kempes também foi em cobrança de falta, aos 19 minutos, mas a bola não passou muito perto. Inicialmente, quem chegou muito perto foi, novamente, Passarella, aos 24 minutos: Bertoni sofrera outra falta e, na sequência da cobrança, Olguín levantou e o capitão, de supetão, emendou de primeira, com a bola passando por cima. A resposta não tardou: Jansen levantou à área, Galván não afastou bem e Rep, perto da marca do pênalti, fuzilou Fillol, que espalmou no reflexo para cima. Neeskens, sem muito perigo, arriscou uma cabeçada pouco depois, fácil para El Pato.

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Entre Krol e Jansen, Kempes abre o placar

Galván, aos 27, fez bela jogada: um passe seu encobriu seis adversários próximos e Bertoni prosseguiu com a bola, mas, já sob pressão da já recuperada zaga holandesa, a conclusão não saiu boa. Jongbloed quase foi encoberto por uma cabeçada de Passarella aos 35, mas soube espalma-la para fora. Dois minutos depois, Ardiles recebeu de Gallego, correu entre dois laranjas e, antes de perder o equilíbrio, passou a Luque, que repassou a Kempes. El Matador, na meia-lua, fez o mesmo que Ardiles: correu entre dois (Krol e Jansen) e chutou antes de cair, mas na saída de Jongbloed para marcar 1-0.

Foi a melhor contribuição de um apagado Ardiles na partida. Pouco depois, o elegante volante recebeu amarelo, ao pisar em René van de Kerkhof. Ossie, já no segundo tempo, seria substituído por Larrosa. Antes do fim da primeira etapa, cada lado teve uma boa chance: Kempes, cobrando falta, cruzou para Passarella executar potente cabeceio à queima-roupa de Jongbloed. No contra-ataque, foi a vez de Willy van de Kerkhof lançar para a área argentina. Rensenbrink, de cabeça, repassou a bola, que Rep apareceu para emendar de carrinho para o gol. Fillol bloqueou a tempo a chance mais incrível de empate.

No segundo tempo, de um time que se perdeu em impedimentos na primeira etapa, os holandeses voltaram melhores e mais acesos. Willy van de Kerkhof esteve perto de aproveitar passe ruim de Kempes à defesa, já no 1º minuto. Aos 3, Haan, da entrada da grande área, arriscou uma de suas potentes bombas; foi assim que ele marcara belíssimo gol na Itália, na partida que colocou a Holanda na final (na mesma, ele tornou-se o primeiro a marcar a favor e contra em um mesmo jogo de Copa). Fillol conseguiu espalmar para fora. Haan, de mais longe, tentou o mesmo aos 9, com Fillol defendendo em dois tempos antes que René van de Kerkhof aproveitasse o rebote inicial.

O revide veio aos 12, com Luque ficando na cara de Jongbloed após cruzamento rasteiro de Bertoni e emendando de primeira. O goleiro desviou para escanteio. Logo depois, Rep foi substituído por Nanninga. Aos 15, já este já se mostraria a que veio, ao cabecear, sem perigo, bola levantada por Krol em cobrança de falta. Jansen, pouco depois do meio-de-campo, também tentou lançar a bola para o jogo aéreo do reserva, aos 17. Aos 21, foi a vez de Rensenbrink buscar a cabeça de Nanninga.

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Nanninga, que, como os gêmeos Van de Kerkhof, só vestia duas listras laterais, empata a oito minutos do fim

Kempes tentou de fora da área aos 23, ao ser servido por um Bertoni lançado por Olguín. Aos 26, os holandeses retomaram as tentativas para Nanninga, ainda sem sucesso. Aos 28, Galván fez falta em Neeskens perto da grande área. Fillol pegou bem a cobrança de Rensenbrink. Aos 36, a tabelinha entre Bertoni, Luque e Houseman (que entrou no lugar de um apagado Ortiz), lançados por Larrosa, foi um raro momento de perigo argentino no segundo tempo: praticamente em seguida, veio o empate.

Tarantini cobrou lateral para Houseman, que lhe devolveu. El Conejo tentou inverter ao outro lado, mas Rensenbrink interceptou. Na sequência, Haan lançou e René van de Kerkhof, pela ponta-direita, cruzou para um livre Nanninga cabecear com sucesso e se tornar o primeiro reserva a marcar em uma final de Copa. Um minuto depois, René van de Kerkhof estava novamente na ponta-direita, livrou-se de Tarantini, mas Kempes prensou seu cruzamento. Pouco depois, aos 38, a cabeça de Nanninga foi novamente acionada por Haan, mas o impedimento e Fillol abortaram a tentativa.

Aos 44, Larrosa e Houseman retomaram a parceira de Huracán e este último acabou empurrado na grande área, mas o árbitro não marcou pênalti. Já eram 45 quando veio um dos lances mais famosos do jogo: um longo lançamento desde a defesa holandesa chegou a Rensenbrink, que de primeira emendou na saída de Fillol. A bola bateu na trave direita e saiu. Destino cruel: se a bola entrasse, Rensenbrink sairia como artilheiro isolado da Copa (até então, tinha os mesmos 5 gols do peruano Cubillas e, após o primeiro gol argentino, de Kempes também) e craque do torneio.

Veio a prorrogação e os argentinos voltaram a dominar o jogo, ainda que Fillol, aos 2 minutos, quase tenha se atrapalhado ao interceptar cruzamento de Suurbier (substituto de Jansen) para Nanninga e Larrosa, aos 5, pudesse ter sido expulso após brecar Haan. Quem foi amarelado foi Poortvliet, aos 6, após calçar por trás um Kempes em disparada. Passarella chutou forte a cobrança de falta, mas a bola não pegou efeito. Aos 11, Houseman, livre, desperdiçou boa chance, insistindo na individualidade e mesmo assim, sem ângulo, demorando para chutar a gol. Mas logo a Argentina se recolocou à frente.

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Lance em que Rensenbrink, pressionado por Fillol e Olguín, quase se torna o homem da Copa aos 45 do segundo tempo

No fim do primeiro tempo-extra, Passarella cobrou desde a defesa um impedimento. A bola foi a Bertoni, que livrou-se de Suurbier e passou a Kempes, que livrou-se de dois carrinhos e chutou em cima de Jongbloed. A bola espirrou de volta ao cordobês, que empurrou-a às redes antes que outros dois laranjas afastassem-a. Quase veio o 3-1 logo: Bertoni, no início do segundo tempo, acertou o travessão de um adiantado Jongbloed, concluindo jogada iniciada por novo chutão de Passarella desde a zaga.

Os holandeses foram perdendo os nervos, ainda mais com Larrosa catimbando falta sofrida aos 4 minutos; aos 5, Willy van de Kerkhof deixou o corpo em um Bertoni a driblá-lo. A Albiceleste seguia mandando e, aos 6, Houseman, louco para mostrar serviço em uma Copa em que não foi tão bem, tentou sem ângulo pela direita em jogada individual, ao invés de passar a bola a Luque. Segundos depois, o bigodudo ganhou uma dividida e ficou cara-a-cara com Jongbloed, que desviou a escanteio. Na cobrança, Kempes tentou até gol olímpico, afastado por Willy van de Kerkhof.

Aos 8, veio a única conclusão holandesa a gol em toda a prorrogação, em afobado chute de fora da área sem perigo de Neeskens. Um minuto depois, veio o gol que confirmou o primeiro título mundial argentino: Luque sofreu a falta que lhe fez o nariz sangrar. Na cobrança, Larrosa recuou a Tarantini, que entregou a Bertoni, que repassou a Kempes. El Matador correu em direção à área, livrando-se de dois novamente, mas perdendo o domínio da bola, que, após resvalar em seu braço, ficou com Bertoni. O ponta do Independiente girou e guardou o seu.

Faltavam 5 minutos e os lances de mais destaque foram jogadores prejudicando o próprio time: Neeskens, ao retardar uma saída de Fillol, aos 12, e Houseman chutando fraco para Jongbloed após novamente tentar marcar pela ponta-direita ao invés de cruzar. Conhecido como El Loco, ele honraria a alcunha ao, no desespero pelo título, interceptar com as mãos inversão de jogo de um René van de Kerkhof ainda no campo de defesa holandês, atrasando uma saída oponente no último minuto. Ainda houve tempo para Kempes e Luque trocarem passes para a torcida gritar olé e Passarella desarmar lealmente Nanninga na grande área.

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Gols da prorrogação. O último, de Bertoni, gerou reclamação pela bola no braço de Kempes, pouco antes

Pouco depois, Sergio Gonella decretou o fim da Copa, entregue pelo presidente Videla a Passarella. A presença da ditadura não deixaria os campeões em paz, embora o clima geral no país, em época onde as notícias eram bem mais facilmente manipuladas, fosse de euforia: houve casos de prisioneiros políticos levados pelos militares aos festejos no Obelisco para que testemunhassem que “perderam”. Há os que, como Villa e Houseman, declararam-se arrependidos de terem feito parte, embora não conhecessem o que ocorria (“eu não tinha nem ideia”, disse o Loco).

“Se algum jogador devia saber de algo, tinha que ter sido eu (…). Até uns meses antes do mundial, estudava na universidade, era o que mais lia de política. Lembro que uns dias antes de começar o mundial, veio uma TV holandesa fazer entrevistas (…). De repente, a nota se transformou em muito política (…) e me fui: ‘até onde chega a campanha antiargentina’, pensava. E nada. (…) Pouco depois das Malvinas a maioria começou a saber o que se passava”, disse Ardiles, que perdeu um primo na guerra.

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O “abraço de alma” entre Tarantini e Fillol, foto premiada da El Gráfico. O garoto sem braços, torcedor do Boca, queria a camisa de Tarantini

Mesmo quem protestou contra os ditadores no mundial não o fez pelos desaparecidos: Tarantini, ao marcar contra o Peru, extravasou verbalmente contra os militares por não terem lhe liberado do serviço militar embora fosse no país o único filho de uma mãe viúva. “Videla tinha uma cara de filho da… tremenda, mas dos desaparecidos eu não sabia nada, essa é a verdade”. Kempes só não cumprimentou Videla na entrega de medalhas “não por nada em especial, e sim pelo tumulto que havia. Eu era o último da fila.”

Ardiles e Bertoni estão entre os chateados com o reconhecimento desigual em relação aos campeões de 1986, mais aplicados do que técnicos. “Muito injusto. Nunca pudemos ter uma homenagem, porque sempre salta o tema dos militares, e se diz que fomos cúmplices. Nós só queremos reivindicar o que fizemos esportivamente”, reclamou Ossie.

Bertoni foi ainda mais contundente: “Nós rompemos o c… dentro do campo jogando contra equipes duríssimas. Não merecíamos isso. Eu era futebolista. Não era militar nem montonero. Que o mundial se usou como cortina de fumaça pode ser, mais isso aconteceu sempre”.

FICHA DA PARTIDA – Argentina: Ubaldo Fillol, Jorge Olguín, Luis Galván, Daniel Passarella e Alberto Tarantini, Osvaldo Ardiles (Omar Larrosa 21/2º), Américo Gallego e Mario Kempes, Oscar Ortiz (René Houseman 30/2º), Leopoldo Luque e Daniel Bertoni. T: César Menotti. HOLANDA: Jan Jongbloed, Jan Poortvliet, Ruud Krol, Ernie Brandts e Wim Jansen (Wim Suurbier 18/2º), Johan Neeskens, Arie Haan e Willy van de Kerkhof, René van de Kerkhof, Johnny Rep (Dick Nanninga 14/2º) e Rob Rensenbrink. T: Ernst Happel. Árbitro: Sergio Gonella (ITA). Gols: Kempes (38/1º), Nanninga (37/2º), Kempes (15/1º prorrogação) e Bertoni (10/2º prorrogação)

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Passarella, Bertoni, Olguín, Tarantini, Kempes e Fillol, Gallego, Ardiles, Luque, Ortiz e Galván

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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