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75 anos do maior goleiro do Independiente: Miguel Ángel Santoro, da Copa de 1974

Miguel Ángel Santoro jogou por dez anos pela seleção, mantendo seu gol invicto em 8 das 14 partidas oficiais (ainda atuou em outros 15 jogos não-oficiais), sofrendo 11 gols, além de ir a uma Copa do Mundo. Um registro respeitável, ainda que a concorrência de altíssimo nível que a posição de goleiro da Argentina provocava na época não tenha lhe permitido firmar-se. A sorte que falou na Albiceleste, sobrou no Rojo: é que Pepé Santoro, que veste amarelo na foto acima, reinou por uma década entre os arcos do Independiente. E ganhou quatro Libertadores e o primeiro Mundial. O goleiro com mais títulos (dez, sendo o terceiro maior campeão no clube) e mais jogos (394, o quarto com mais partidas) no clube de Avellaneda faz hoje 75 anos.

Nascido na própria Avellaneda e filho de outro goleiro, Pepé era daqueles bons arqueiros que inspirava os colegas não pela energia de um líder temperamental, como um Rogério Ceni, mas pela frieza e serenidade ao fazer com segurança o seu serviço, como um Dida. Não houve demonstrativo melhor disso do que as circunstâncias do início de sua era entre as traves, em plena final de Libertadores, na primeira decisão disputada (e ganha) pelo Rey de Copas. Foi em 1964. Quando ele não era sequer o segundo goleiro do clube: o titular era o galã Osvaldo Toriani, que antes das finais sentira dores na costela. O reserva imediato era Hugo Trucchia.

Mas o técnico Manuel Giúdice resolveu indagar se o garoto, no plantel há algum tempo (estreou no 0-0 com o Argentinos Jrs em 9 de dezembro de 1962, e nos juvenis chegou a jogar até de lateral improvisado) estaria pronto. Santoro, torcedor rojo desde a infância, correspondeu ao voto de confiança: o Independiente manteve um 0-0 em Montevidéu contra o Nacional. Depois, bastou vencer os uruguaios por 1-0 em Avellaneda para o Rojo tornar-se o primeiro time argentino a ganhar a Libertadores. Na verdade, a ganhar a “Copa dos Campeões”, que ainda era o nome do torneio, como na Europa.

Tetracampeão da Libertadores, nessas imagens o goleiro comemora os troféus nas edições de 1965 (com Rubén Navarro) e 1973 (com Ricardo Pavoni): ainda é o único a vencê-la duas vezes cada em duas décadas diferentes

Três meses depois, ainda em 1964, Santoro já estreava pela Argentina. Mas não foi bem: derrota de 3-0 pra o Paraguai em Assunção. E sofreu o dramático vice no Mundial Interclubes, decidido com muito equilíbrio contra a Internazionale, que só garantiu o troféu na prorrogação do jogo-extra. Se na seleção Santoro tampouco venceria também os cinco jogos seguintes que faria por ela, conseguia recuperar-se no seu clube: em 1965, veio o bi continental, na primeira edição efetivamente nomeada como Taça Libertadores da América. O que não mudou foi o dono da taça, e Santoro, firmado como titular, foi ainda mais fundamental, dessa vez na semifinal: contra o Boca (foi o primeiro duelo de times argentinos na história do torneio), pegou um pênalti.

O bi viria contra a outra força uruguaia, o Peñarol, na época o maior campeão do torneio junto com o Santos de Pelé. Agora, ambos estavam igualados pelo Independiente – que, porém, novamente padeceu diante da Inter no Mundial. Meses depois, Santoro recebeu sua segunda chance na seleção, no 1-1 contra a União Soviética em Buenos Aires. Em 1966, o ciclo continental faria uma longa pausa: o Rojo esteve próximo de uma terceira final seguida de Libertadores, eliminado pelo River em jogo-extra do quadrangular-semifinal. Em meio a isso, Pepé saiu do banco em dois duelos não-oficiais que a seleção fez em abril no estádio do River contra o clube alemão Eintracht Frankfurt, de excursão pela Argentina, uma vitória por 4-2 e uma derrota por 3-1. Em 1º de junho, foi titular nos 2-0 sobre o Cagliari, amistoso não-oficial travado no estádio do San Lorenzo.

Antonio Roma, de um Boca bicampeão argentino seguido em 1964 e 1965, era o titularíssimo no gol da seleção. O futuro vascaíno Edgardo Andrada parecia a opção imediata à reserva, mas lesionou-se pouco antes da Copa. O veterano Amadeo Carrizo, traumatizado pelo desastre na Copa de 1958, preferia ficar de fora. Mas nem esse cenário favorável ou as façanhas continentais  bastaram para Santoro ir à Inglaterra: o reserva de Roma escolhido pelo técnico Juan Carlos Lorenzo seria justamente o reserva de Carrizo no River, o folclórico Hugo Gatti. Santoro até foi à Europa, mas uma inoportuna derrota de 1-0 da seleção para o clube Austria Viena (outro duelo não-oficial), já em 25 de junho, mostrou-se decisiva.

Na seleção durante a Taça Independência, com o uruguaio Pavoni, Pastoriza (em pé), Semenewicz e Raimondo (agachados), todos eles colegas de Independiente; e exibindo o Mundial de 1973 antes do clássico com o Racing

Santoro seguia com tudo na sua Avellaneda: ganhou, primeiramente, o campeonato nacional de 1967, seu primeiro título argentino como titular. E que título: treinado pelo brasileiro Osvaldo Brandão, o Rojo conseguiu um recorde ainda vigente de aproveitamento no profissionalismo argentino (87%), em campanha marcada por rodadas finais cheias de de clássicos (vencidos). Inclusive, a última foi contra o Racing, no primeiro encontro após o rival ter vencido o Mundial. O rival foi inicialmente homenageado com pompa pelo próprio Independiente, em tempos sadios da rivalidade, mas teve mesmo a faixa carimbada com um sonoro 4-0. Mas, na Libertadores 1968, Santoro e colegas viram um emergente Estudiantes mostrar-se mais copeiro e conseguir a única vaga ao fim da dura fase de grupos.

Pepé só voltaria à seleção em 1969, primeiramente em outra partida não-oficial – um 1-1 contra a seleção gaúcha em 25 de junho, no estádio do Racing. O futuro ídolo santista Agustín Cejas tomara a posição na seleção e assim Santoro jogou só uma partida nas eliminatórias à Copa de 1970: justamente na derrota de 1-0 para o Peru em Lima. Adiante, em plena Bombonera, o oponente se classificaria no lugar dos hermanos. Já no Independiente, Santoro seguia firme. As novas Libertadores não vieram de imediato, mas Pepé com o tempo virou um raro remanescente do bi dos anos 60 a participar também das conquistas continentais setentistas. Ganhou, primeiramente, o Torneio Metropolitano de 1970 – justamente, por sinal, em outro clássico histórico contra o Racing, em virada por 3-2 alcançada no finzinho em pleno estádio racinguista. Mas, na época, o Metro não fornecia a vaga à Libertadores; campeão e vice do Nacional é que tinham vez.

Ainda no fim de 1970, em 30 de dezembro, Santoro também esteve em triunfo de 4-3 da seleção sobre o Bayern Munique, duelo não-oficial realizado na Bombonera. Prelúdio para novo título Metropolitano com drama, em 1971, quando foi preciso contar na rodada final com uma inesperada derrota do então arrasador líder Vélez para um instável Huracán que soube virar em pleno campo velezano; no segundo semestre, o Nacional também esteve ao alcance, mas o Rojo parou para o San Lorenzo nas semifinais, na primeira decisão por pênaltis do campeonato argentino. Mas houve troco imediato – é que naquele ano definiu-se que a segunda vaga argentina na Libertadores seguinte seria decidida entre o vice do Nacional e o campeão do Metro. E deu Independiente, em revanche contra o próprio San Lorenzo. Triunfo que propiciou a mais longa dominação de algum clube em La Copa.

Festa de 20 anos da primeira Libertadores do Independiente, em 1984, reproduzindo a icônica saudação do clube: Santoro, Bernao, Guzmán, Acevedo, Santiago, Rodríguez, Mori, Zerrillo, Maldonado, Suárez, Paflik, Rolán, Mura, Ferreiro e De la Mata

A partir da edição de 1972 da Libertadores, o Independiente ganhou ali a primeira da série de quatro títulos seguidos na competição, recorde que isolou o time de Avellaneda como maior campeão do torneio. O que ressalta o domínio rojo é que só a primeira dessas quatro voltas olímpicas seguidas realizou-se em casa. Por causa da Libertadores de 1972, o clube foi a base da seleção na Taça Independência, uma Minicopa que o Brasil organizou naquele ano para os 150 anos do grito do Ipiranga. Foi a ocasião que permitiu a Santoro acumular mais jogos seguidos como titular da seleção, jogando seis vezes. No segundo semestre, veio nova decepção no Mundial, perdido dessa vez para o Ajax.

Mas em 1973 o Rojo conseguiu dois títulos continentais em um mesmo mês: em junho, o bicampeonato seguido na Libertadores (a fazer de Santoro o jogador mais vezes campeão do troféu até então, além de ser até hoje o único bicampeão em duas décadas diferentes) foi seguido pelo esquecido troféu da Copa Interamericana, em edição ainda válida pelo ano anterior; era um tira-teima entre o vencedor da Libertadores com o da Concacaf, garantido mesmo na condição desfavorável que os argentinos se sujeitaram de realizar no país adversário (Honduras) as duas partidas. Algo parecido se deu com a quarta tentativa no Mundial: novamente campeão europeu, o Ajax recusou voltar à Argentina e seu vice, a Juventus, só aceitava participar se o troféu fosse decidido em jogo único na própria Itália.

Deu certo. Enfim, Santoro e o clube ganharam também o mundo. A partida seguinte à façanha foi justamente um clássico contra o Racing no estádio rival. Santoro, já capitão, encabeçou a entrada dos Rojos, erguendo o troféu recém-conquistado antes da vitória por 3-1 sobre os alvicelestes – cuja própria torcida aplaudia, retribuindo as homenagens de 1967, gestos infelizmente inimagináveis na atualidade. O mundial seria o último dos dez títulos do Pepé pelo Rojo e não bastou para que recuperasse a titularidade na seleção, agora com Daniel Carnevali.

Em 2008, celebrando os 35 títulos do Mundial: Ferreiro, Santoro, Maglioni, Balbuena, Commisso, Galván, Bochini e Sá. E em 2014, nos 50 anos da primeira Libertadores: Guzmán, Santoro e Ferreiro atrás, Acevedo e Mura à frente

Depois daquela Taça Independência em 1972, Santoro ainda atuou em sete duelos preparatórios não-oficiais naquele 1974, em jogos contra outros clubes argentinos. E também na vexaminosa derrota de 3-1 para a seleção rosarina, em 17 de abril. Cinco dias depois, fez sua única partida oficial desde a Taça Independência, um 2-1 sobre a Romênia. E, em 26 de abril, deu-se sua involuntária despedida: um 1-1 chorado contra o clube Belgrano, que abrira o placar em Córdoba com o jovem Osvaldo Ardiles.

Dessa vez, Santoro foi enfim a uma Copa do Mundo, mas não chegou entrar em campo; Carnevali só descansaria na partida de despedida da Albiceleste, que pegaria a Alemanha Oriental na rodada final da segunda fase de grupos, altura em que já não haviam chances de ir à decisão. Revoltado com a falta de chances, Santoro recusou-se a entrar em campo e foi assim que o terceiro goleiro estreou oficialmente pela Argentina: um certo Ubaldo Fillol. Naquele mesmo 1974, Santoro, acertado com o time espanhol do Hércules, deixou também o seu clube. Calhou de sair ainda antes da campanha campeã da Libertadores de 1974 (desenrolada ao longo do segundo semestre) iniciar-se, mas pôde despedir-se em triunfo de 2-0 em pleno clássico com o Racing, em 4 de agosto. Atuou no primeiro tempo daquele dérbi e rendeu uma cena especialmente marcante a um dos torcedores mais ilustres do Independiente.

Pepé Santoro está derramado sobre um banco de talas de madeira, no vestiário do Independiente. Camisa verde. Calção vermelho. Os joelhos manchados de cal. É o intervalo de seu último jogo defendendo esse arco o qual gosta de alma. Vê-se que gosta. Tem os olhos mais tristes do mundo enquanto olha a câmera”, narraria já em 2009 o escritor Eduardo Sacheri, autor de O Segredo dos Seus Olhos e fanático pelo Rojo, sobre o olhar vazio do goleiro, ao ser indagado sobre a imagem mais forte que tinha do futebol. Santoro nunca saiu totalmente do Independiente, virando técnico de goleiros, dos juvenis e, ocasionalmente, treinador interino de time principal do Rey de Copas.

De camisa celeste (à direita) nos vestiários do Maracanã, ainda na reserva de Toriani (goleiro à esquerda) na semifinal contra o Santos em 1964. E dez anos depois, na foto lembrada por Eduardo Sacheri

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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