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110 anos do Atlético de Madrid: time “argentino”

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O atual treinador, Simeone, em sua primeira passagem pelo Atlético. Nela, participou dos últimos títulos caseiros do clube: a dobradinha Liga e Copa do Rei na temporada 1995-96

Ontem, um dos times estrangeiros mais argentinos do mundo, o Club Atlético de Madrid, completou 110 anos. Ele foi, até o ano passado, a equipe do exterior que mais havia fornecido jogadores à seleção argentina. À semelhança do que fizemos com os 110 anos do Racing (aqui), escalaremos um “onze argentino” dos colchoneros, que recebem hoje no Vicente Calderón o rival Real Madrid, na esperança plausível de vencê-lo pela primeira vez no século (o último triunfo foi em 1999), em jogo que passará na ESPN a partir das 15 horas.

Quem superou o Atleti na seleção argentina foi a Internazionale, que, com Rodrigo Palacio, passou a ter cedido 14 diferentes jogadores à Albiceleste. Porém, se forem considerados argentinos que defenderam a Espanha (ou a Itália), a liderança passa a ser compartilhada exatamente entre os rivais Real e Atlético (cada um com 16), o que só torna o jogo de hoje ainda mais interessante. Eles também se encontrarão na final da Copa do Rei, em 17 de maio, na competição onde o Atlético costuma levar vantagem sobre os blancos nas decisões. Radamel Falcao García, ex-River Plate, é a grande esperança atleticana.

Atualizações após a matéria: à altura de 2016, a Internazionale soma 16 jogadores na seleção argentina, mas foi reultrapassada pelo Atlético neste ano, com Matías Kranevitter e Augusto Fernández tornando-se em 24-03-2016 o 16º e o 17º atleticanos na Albiceleste, contra o Chile. Ángel Correa fora o 15º, em 2015, e Cristian Ansaldi, o 14º, em 2014.

O Atlético já forneceu dois goleiros convocados para os argentinos em Copas do Mundo: Germán Burgos (2002, quando o time havia acabado de voltar da segunda divisão) e Leo Franco (2006). Edgardo Madinabeytia, ex-Huracán que passou dez anos entre os anos 50 e 60, é outro bem apreciado. Mas ficamos com Ubaldo Fillol, que muito deveria estar ao lado de Burgos e Franco naquele quesito. Considerado por muitos o maior arqueiro que a Argentina já teve, Fillol já estava veterano e saído de uma passagem não muito gloriosa pelo Flamengo.

Ainda assim, enquanto estava na equipe carioca, Fillol fora titular nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1986. Após a classificação dramática vir, El Pato, já com 35 anos, fez uma boa temporada nos rojiblancos: vice-campeão da Recopa Europeia, então o segundo torneio clubístico europeu em importância. Mas Bilardo preferiu chamar o obscuro Héctor Zelada, do América do México, para o mundial a se realizar neste país.

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Fillol, Griffa e Heredia, para a defesa

A zaga estaria bem com Jorge Griffa e Ramón Heredia. Griffa, nos anos recentes, tornou-se mais conhecido como um grande descobridor de talentos para o seu ex-clube, o Newell’s Old Boys: Jorge Valdano, Roberto Sensini, Abel Balbo, Gabriel Batistuta e Mauricio Pochettino foram alguns. O Boca Juniors fortaleceu suas categorias de base justamente ao incorporá-lo em 1996. Como jogador, destacou-se marcando eficazmente Pelé na vitoriosa Copa América de 1959. Após o título, foi passar dez anos entre os rojiblancos.

Com Griffa, a equipe das margens do Rio Manzanares conseguiu três Copas do Rei, em 1960, 1961 e 1965 (as duas primeiras, sobre o rival), e o título espanhol em 1966, encerrando o inédito pentacampeonato dos homens de Bernabéu. A partir daquele ano, o Atlético seria por muito tempo o Anti-Real mais consistente, até o Barcelona ressurgir com mais força ao fim da década de 80.

A longa “supremacia” do Atlético na seleção argentina começou já nos primórdios do uso de jogadores “europeus”, no início dos anos 70. A segunda partida deste ciclo foi um 5-4 no Chile em julho de 1973, a contar com três jogadores da liga espanhola: o goleiro Daniel Carnevali (Las Palmas) e dois membros do San Lorenzo bicampeão anual no ano anterior (ver aqui), os atleticanos Heredia e Rubén Ayala, que seriam confirmados na Copa de 1974 – com eles, o Atlético foi exatamente a equipe estrangeira mais representada na Argentina no mundial.

Heredia foi um zagueiro adiantado a seu tempo: saía-se bem também no meio-campo, executava faltas e pênaltis e por vezes avançava ao ataque. El Cacho esteve no melhor momento dos colchoneros: o título na Liga dos Campeões de 1974 perdido por um triz para o Bayern Munique e a posterior conquista na Copa Intercontinental do ano, disputada pelos madrilenhos após a desistência do Bayern. Vale lembrar que o Barcelona só conseguiu a sua primeira em 2009.

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Para o meio, Maxi Rodríguez, Ibagaza e Simeone

Como volantes, o atual treinador Diego Simeone e Maxi Rodríguez. O raçudo, não raramente violento, Simeone (que também esteve na Inter e na terceira equipe estrangeira mais “argentina”, a Lazio) dispensa maiores apresentações. Chegou ao Atlético após a Copa de 1994 e ficou até 1997, participando ativamente da canto do cisne do clube: a temporada 1995-96, em que conseguiu-se o doblete com La Liga e a Copa do Rei, algo então inédito na Espanha, o que ele já enumerou entre as três glórias que mais saboreou no futebol: “o Atlético ganhou depois de 19 anos e ver a gente do Atlético zombando ao menos uma vez a do Real foi fabuloso”.

“Sempre quis voltar e sempre me quiseram trazer. Me está passando algo fenomenal, porque jogo na equipe que quero jogar”, afirmou ao retornar em 2003. A frase cairia bem também à sua chegada como treinador: com ele, um elenco de 5 vitórias, 4 empates, 7 derrotas, 11º lugar e até ameaçado de rebaixamento no espanhol de 2011-12 ganhou 10, empatou 7 e perdeu 5, terminou na 5º colocação e a dois pontos da classificação à Liga dos Campeões. E também venceu a Liga Europa, sobre a sensação bielsista Athletic de Bilbao.

Maxi, por sua vez, já vinha jogando regularmente pela seleção desde os tempos de Espanyol e manteve o ritmo quando passou ao Atlético, em 2005. Foi uma das revelações da Copa de 2006 e seguiu titularíssimo em Madrid até 2009, quando não ficou mais em conta com o técnico Quique Ramos e foi ao Liverpool. À frente dele e do Cholo Simeone, ficaria como meia ofensivo Ariel Ibagaza.

El Caño era o enganche da Argentina campeã sub-20 em 1995 e, no ano seguinte, a figura maior do título do Lanús na Copa Conmebol – os granates tornaram-se os primeiros sul-americanos campeões continentais antes de o serem nacionalmente (em 2007). Após passar por outra colônia argentina, o Real Mallorca da virada do século, Ibagaza esteve no Atlético entre 2003 e 2006. O clube ainda se reerguia da volta da segundona. Apesar do destaque que já tivera no Mallorca, foi pelo Atleti que teve sua única aparição pela Argentina, em 2004, em 2-1 amistoso no Japão.

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Os espanhóis Cano e Gárate; e o capitão Ayala, autor do gol do título da Intercontinental de 1974

Na frente, dois jogadores da Espanha e dois da Argentina. Os primeiros seriam José Eulogio Gárate e Rubén Cano. O primeiro era um filho de bascos que nasceu em Sarandí e cresceu na terra dos pais. Foi três vezes artilheiro e três vezes campeão da liga espanhola pelo Atlético e fez com o já mencionado Rubén Ayala a dupla ofensiva que venceu a Copa Intercontinental de 1974, na qual El Ratón Ayala (seria dele que o zagueiro Roberto Ayala, com quem não tem parentesco, herdaria o apelido) faria o gol do título, sobre os antigos rivais do Independiente. Os três estiveram nos títulos da Copa do Rei de 1976 e no espanhol de 1977 – o penúltimo vencido pelos colchoneros.

Cano era um ex-Atlanta cuja único jogo pela Argentina fora em amistoso não-oficial contra a seleção de Rosario, que venceu por 0-3. Foi do Atlético de 1976-82 e nele conseguiu quase meio gol por jogo na liga: 82 em 167 partidas. Seu mais recordado, contudo, foi pela Espanha: fez o da vitória sobre a forte Iugoslávia diante de 70 mil pessoas em Belgrado, classificando a Furia para a Copa 1978. No mundial realizado em sua Argentina natal, defendeu os espanhóis. O número de sul-americanos (como ainda o brasileiro Heraldo Bezerra e José Ufarte, espanhol crescido no Brasil) naqueles tempos fez com que o elenco atleticano fosse apelidado de Los Indios.

Junto deles, um outro que, como Simeone, dispensa maiores comentários: Sergio Agüero, que firmou-se no clube após “tratar a listras do Atlético como se fossem as da Argentina”, conforme declaração sua. Fez grandes duplas com Fernando Torres e Diego Forlán, venceu a Liga Europa de 2010 e solidificou-se na seleção neste período. Ficou de 2006 a 2011 e desde então vem sendo decisivo também no Manchester City.

Por fim, Juan Esnáider, um dos que estiveram tanto por Real quanto por Atlético na seleção. Juanito fez mais sucesso depois de sair do Real: no Atleti, conseguiu titularidade, marcando 16 vezes em 35 partidas na temporada 1996-97, quando esteve em Manzanares. Poderia ter ido à Copa de 1998, mas Passarella preferiu levar o veterano Abel Balbo e Marcelo Delgado para fazerem sombra a Gabriel Batistuta, Claudio López e Hernán Crespo.

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Esnáider, que esteve na Argentina tanto pelo Atlético quanto pelo Real, adversário de logo mais e vazado aqui por Agüero

O Atlético chegou a ter treinadores argentinos dos mais reconhecidos no Brasil, como Alfio Basile, César Menotti e Carlos Bianchi (também nascido em um 26 de abril), cujo passo por Madrid foi um raro fracasso na carreira. Apesar do bom comando de Simeone e de ter em Juan Carlos Lorenzo (que também foi jogador ali) o treinador vice-campeão europeu em 1974, é inegável que, sob Helenio Herrera, os atleticanos estiveram mais imponentes.

Os trabalhos mais célebres de Herrera foram no Barcelona e na grande Internazionale dos anos 60, mas antes já era vitorioso comandando os rojiblancos, bi espanhóis seguidos em 1950 e 1951, fazendo do Atlético o clube madrilenho mais campeão até meados dos anos 50. Foi em 1957, já embalado há alguns anos pelo argentino Di Stéfano, que os merengues enfim superaram os rivais.

Fora os escalados Heredia, Simeone, Rodríguez, Ibagaza, Ayala, Agüero e Esnáider, também defenderam a Argentina vindos do Atlético de Madrid os mencionados Germán Burgos, Leo Franco, Santiago Solari e também Fabricio Coloccini, Luis Islas e Eduardo Salvio. Já a Espanha, fora Gárate e Cano, usou também Mariano Pernía. A rivalidade com o Real Madrid, a logo ter mais um capítulo, é precisamente o único clássico estrangeiro que rendeu mais de um jogador na Albiceleste: Esnáider e Santiago Solari.

Outros argentinos colchoneros foram Éver Banega, Leonardo Biagini, Mario Cabrera, Ernesto Candía, José Chamot, Cristian Díaz, Daniel Díaz, Rubén Díaz, Daniel Faggiani, Luciano Galletti, Antonio Garábal, Juan Gómez, Óscar González, Osvaldo González, Emiliano Insúa, Matías Lequi, Dante Lugo, Edgardo Madinabeytía, Óscar Mena, Iselín Ovejero (como jogador e treinador, função em que venceu as Copas do Rei de 1993 e 1995), Argentino Peña Iriarte, Javier Pinola, Adalberto Rodríguez, José Valdivieso, José Luis Villarreal e Julio Zamora. Jorge D’Alessandro, José Omar Pastoriza e Lino Taioli foram outros treinadores, assim como o escalado Heredia.

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O técnico Helenio Herrera sentado entre os jogadores do Atlético campeão espanhol de 1950 – ali, ele ficou um título à frente do Real Madrid. O penúltimo em pé é o meia também argentino Ernesto Candía

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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