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Cervejeiros de 125 anos

Hoje, a mais veterana instituição do campeonato argentino ainda ativa completa cinco quartos de século. Neste especial, contaremos um pouco dessa história do Quilmes Atlético Club.

El Cervecero foi fundado no seio da comunidade britânica presente na cidade de Quilmes, onde um ano depois também foi criada a famosa cervejaria homônima que inspiraria o apelido do clube e do qual é há tempos a principal patrocinadora. Lá, na década de 80 do século XIX, já havia sido criado um certo Quilmes Polo Club. Em 27 de novembro de 1887, então, foi a vez dos anglo-quilmenhos se aventurarem com o Quilmes Rovers Athletic Club.

Ele foi um dos fundadores da associação de futebol que deu origem à atual AFA e, como tal, esteve presente em seu primeiro campeonato, o de 1893. Ao absorver em 1897 o Quilmes Cricket Club, fundado por um presbítero, adotou o nome Quilmes Athletic Club (Rovers tem conotações ligadas à pirataria). De início, o QAC foi restrito à comunidade que o originou, postura revista no início do século XX, após a criação de um concorrente, o Argentino de Quilmes, assim chamado exatamente por ser aberto e cujo uniforme de listras alvicelestes inspiraria o da seleção.

O orgulho vitoriano do pioneiro, todavia, continuava: foi nessa época que o uniforme nas cores das seleções inglesa e escocesa foi adotado. Até então, usava o igualmente inglês vermelho no lugar do branco. A era britânica do futebol argentino teve seu capítulo final há cem anos, encerrada justamente com o primeiro título argentino do Quilmes. Em 1913, já seria a vez do primeiro título de um clube latino, o Racing (outro a ter camisa baseada na do Argentino), que levantaria outros seis seguidos.

Jogadores de 1912 e Juan Brown, o “cervecero” mais presente na seleção (16 jogos entre 1912 e 1916)

A paulatina nacionalização do Quilmes (no nome, isso só ocorreu em 1952) é refletida nos seus jogadores convocados pela Argentina através dos anos. Até 1912, foram doze. O ponta-direita Edward Morgan e o lateral-direito William Leslie estiveram já no primeiro jogo da seleção, dez anos antes, em 1902. Depois, o volante J. Rodman (1905), o goleiro Ricardo Coulthurst (1906), o meia Juan Murray (1907-09), o volante Harold Lloyd (1909) e o centromédio Ciril Russ (1911-12) também jogaram.

O ano da primeira taça, naturalmente, foi o de mais estreantes cerveceros na seleção: o goleiro Carlos Pearson, o centroavante Sydney Buck (único que jogou por Argentina e Uruguai) e três já símbolos da Albiceleste – os zagueiros Jorge Brown e Juan Brown e o volante Ernesto Brown, que vinham de celebrada família do futebol argentino e do maior vencedor da época, o Alumni. O QAC, que mesmo nos anos ingleses não era de disputar títulos, foi perdendo força e colecionando anos na segunda divisão desde a primeira queda, em 1916; declínio também visível na sua presença na seleção.

Desde então, apenas seis defenderam a Argentina vindos do clube: o meia-direita Juan Arrilaga (ex-Fluminense), o ponta-direita Leonardo Sandoval (ambos entre 1928 e 1930), o meia-esquerda Vicente Zito (1933), os defensores Antonio Laginestra e Andrés Bertolotti (ambos em 1967) e o meia Jorge Gáspari (1979), nenhum de prestígio próximo ao da principal revelação da equipe, o goleiro Ubaldo Fillol. Gáspari, ainda o último, foi exatamente quem marcou o gol do título metropolitano de 1978, a segunda e última taça na elite argentina do aniversariante de hoje – e a única no profissionalismo.

Nenhum deles, porém, é tão querido quanto Omar Gómez. O clube de origem britânica tem seu maior campeão em um atacante apelidado de El Indio, vindo das categorias de base da instituição. Ele também venceu o campeonato de 1978 e tamanha reverência já o fez, em uma de suas voltas, chegar de helicóptero ao gramado.

Quilmes campeão de 1978 e Gáspari (quarto em pé), último “cervecero” na seleção

Apenas dois anos depois do título de 1978, porém, o Quilmes voltou a cair. Subiu após um ano e, outro ano mais tarde, teve uma temporada insólita: no primeiro semestre de 1982, foi vice do nacional, perdido para o Ferro Carril Oeste (outro remanescente no futebol dos clubes originalmente britânicos na Grande Buenos Aires, por sinal; muitos dos demais, como o mencionado Alumni, se fixaram no rúgbi). Mas, no segundo, ficou em penúltimo no torneio metropolitano, o mais valorizado, e novamente caiu.

A decadência, que nos anos 80 chegou a incluir ainda a terceira divisão (conquistada com Indio Gómez no ano do centenário, em 1987), fez do Quilmes um time historicamente “ioiô” entre a primeira e segunda divisões; nesta, subiu como campeão em 1949, 1961, 1975 e 1991, sendo promovido também em 1919, 1934, 1965, 1981, 2000, 2003, 2010 e neste ano. O QAC teve a sua melhor oscilação entre 2002 e 2004: na temporada 2002-03, voltou à elite e emendou tal retorno com um quinto lugar geral na temporada 2003-04, após um quarto lugar no Apertura e um sexto no Clausura.

Tal desempenho o devolveu à Libertadores, a sua segunda e última. Assim como em 1979, quando ficou em último em seu grupo, ele caiu na primeira fase. Contando com os veteranos Matías Almeyda e Nelson Vivas (criado no clube), ex-selecionáveis, acabou marcado pelo episódio Grafite-Desábato; vale ressaltar que o próprio Grafite afirmou que a mídia teria aumentado as proporções do ocorrido.

3 das 4 capas onde a El Gráfico destacou o Quilmes: no título de 1978 e na classificação à Libertadores

O clube cairia dois anos depois da Libertadores de 2005, sempre retornando. Em 2012, um ano depois de ter se rebaixado à segunda divisão novamente, coroou os redondamente festivos 125 anos completados hoje, já bem celebrados com o centenário do primeiro título, ao também desbancar os favoritos Rosario Central e Instituto de Córdoba e retornar à elite como vice do River Plate.

Todavia, os cerveceros correm risco sério de logo voltarem uma vez mais à Primera B Nacional. Estão na 17ª colocação do Apertura dentre 20 equipes e, na tabela dos promedios na temporada 2012-13 (responsável desde 1983 por definir os rebaixados), estão em último. Jogaram ontem e perderam para o Arsenal, afundando-se ainda mais.

De qualquer forma, hoje é dia de celebração em Quilmes. Para a festa principal deste 27 de novembro de 2012, o QAC convidou seu equivalente no futebol chileno, o Santiago Wanderers, mais antigo clube em atividade no futebol vizinho. O amistoso entre ambos, no Estádio Centenario Dr. José Luis Meiszner, valerá a apropriadamente denominada Copa Decanos de los Andes.

Uniforme especial dos 125 anos do Quilmes, nas cores originais do clube

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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