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Há 20 anos, clássico cordobês decidia final do Nacional

“O torcedor do Talleres comemora três datas-chave: o 5-0 no Belgrano depois de 15 anos sem ganha-lo, o acesso à elite vencendo o Belgrano nos pênaltis e a Copa Conmebol. Das três datas me lembra sempre”. A frase é de Ricardo Gareca, que muito antes de imaginar em devolver o Peru às Copas do Mundo teve praticamente em La T seu primeiro trabalho e sucesso como treinador. A frase resume bem a importância daquele 5 de junho de 1998, a cicatrizar nos corações albiazules a ferida da véspera, em que a seleção havia caído para a Holanda no mundial da França.

Gareca já havia tido uma experiência como treinador, no San Martín de Tucumán, em 1995. O Talleres, onde chegou em 1996, foi o segundo clube da nova carreira, a iniciar renome ali pelo bairro Jardín. Como El Tigre frisara, o clube passava por um periclitante jejum no principal clássico provincial, ainda que em parte significativa daqueles quinze anos o dérbi não tenha ocorrido pela diferença de divisões entre Talleres e Belgrano.

Somente em 1991 é que os celestes estrearam propriamente na elite argentina; até então, o Pirata figurara somente nos antigos Torneios Nacionais, nos anos 70. Reencontraram o Matador, desde 1980 batendo ponto no campeonato argentino (renomeado “Metropolitano” entre 1967 e 1985). O retorno do clássico convulsionou Córdoba: teve gente radicada em Veneza a viajar por dois dias só para “comer um choripán e ver La B” e canais sem direitos que pressionaram para transmitir “por uma questão social” o encontro.

Deu Belgrano 3-0. Na volta, La B venceu La T por 2-1 em um clássico com três expulsos antes dos 22 minutos de jogo – um deles, o tallarin Catalino Rivarola, futuro gremista. A freguesia se mantinha mesmo entre idas e vindas da dupla na segunda divisão – o Belgrano caiu em 1993, voltou em 1994; o Talleres caiu em 1995 e em 1996 reencontrou o rival na Primera B. No dérbi, o Matador chegou a supersticiosamente deixar o tradicional manto albiazul de lado, usando sua “terceira cor”, o grená, na camisa. E perdeu do mesmo jeito, por 2-0 (um dos gols foi de Darío Gigena, futuro vira-casaca e depois benquisto na Ponte Preta).

A lembrança à Gareca por 1998 em mural de Córdoba e a imagem estilizada da cobrança do título

Ainda em 1996, enfim o tabu caiu. Com muitos juros.  O recém-chegado Gareca comandou um massacre de 5-0 a engordar o peru albiazul dez dias do natal, com direito a até a pênalti defendido pelo goleiro Mario Cuenca. O clube adiante chegou à final da segundona, mas a perdeu para o Huracán Corrientes. Mas a campanha rendeu a Gareca uma rápida passagem no comando do Independiente em 1997, ao passo que aquela goleada virou um ponto de inflexão: o jejum no Clásico Cordobés passou a favorecer La T. Com direito a, já naquele ano de 1998, arrancar um 2-2 com direito a gol do próprio goleiro Cuenca, de pênalti. Esse dérbi ocorreu em 24 de março, pela fase regular da segundona argentina.

Para os haters dos pontos corridos puros e simples, aquela segundona foi um colírio. Foi disputada por 32 times, separados inicialmente em duas chaves de 16 com jogos em turno e returno. Uma, com os localizados na Grande Buenos Aires: Banfield, Chacarita, Los Andes, Quilmes, Arsenal, All Boys, Estudiantes de Buenos Aires, San Miguel, Defensa y Justicia, Nueva Chicago, Sportivo Italiano, Deportivo Morón, Atlanta, Almagro e Almirante Brown. A exceção foi o Central Córdoba, da cidade de Rosario.

A outra chave conteve o restante dos times do interior argentino. E os times cordobeses se sobressaíram, com a “terceira força” Instituto liderando, revelando o zagueiro-artilheiro Julián Maidana, depois destaque no próprio Talleres e no Newell’s. Ele ainda jogaria rapidamente no Grêmio.

O Belgrano foi o segundo e o Talleres, o terceiro, seguidos por San Martín de San Juan, San Martín de Tucumán, Almirante Brown de Arrecifes, Atlético de Rafaela, Atlético Tucumán, Godoy Cruz, Aldosivi (Mar del Plata), Huracán Corrientes, Cipolletti (Río Negro), Chaco For Ever, Olimpo (Bahía Blanca), San Martín de Mendoza e Douglas Haig (Pergamino).

Inicialmente, o time cordobês que embalou foi o Instituto (a capa retrata sua vitória sobre o Talleres após bater o Belgrano na rodada anterior). Mas a dupla principal tomou as rédeas (capa com Zelaya e Artime). Melhor para o goleiro Cuenca

Os oitos melhores de cada grupo avançavam a uma segunda fase de grupos, agora “juntos e misturados”. Os líderes fariam a final pelo título e acesso direto, cujo perdedor depois integraria um mata-mata pela segunda vaga de acesso com outros clubes. Os oito piores também jogavam uma segunda fase de grupos, continuando separados, para definir os rebaixados. Ou quase isso: os líderes desses grupos seriam repescados para aquele mata-mata que decidiria a segunda vaga de acesso… na segunda fase, tudo novamente deu-se em turno e returno.

Na segunda fase de grupos, Talleres e Belgrano foram separados e ambos terminaram líderes, nos mesmos 27 pontos. Reforçada com o veterano Ramón Medina Bello no início de 1998, La T superou a concorrência sobretudo do Quilmes do veterano Gustavo Dezotti, um ponto a baixo; pesou o 5-1 no confronto direto na penúltima rodada. Já La B levou nos critérios de desempate com o All Boys do veterano Sergio Batista, tendo na cola também o Banfield (um ponto abaixo) do jovem Mauro Camoranesi. E foi por pouco: na última rodada, em casa, viveu um maluco 4-4 com o Atlético Tucumán. O herói belgranense foi o ídolo uruguaio Luis Ernesto Sosa, autor de três gols.

O veterano Sosa, já com 34 anos, havia participado ativamente do acesso do Pirata à elite em 1991 e manteve a idolatria mesmo entre idas e vindas, sendo decisivo para o Huracán Corrientes subir à elite em 1996 em final com o Talleres. Sua presença naquela decisão foi outro condimento para as duas partidas que decidiram a segunda divisão de 1997-98 – é ele o carequinha “ensanduichado” na imagem que abre a matéria. A ida foi em 1º de julho. Também ocorreu um dia depois de jogo da seleção na Copa. A Argentina havia batido a Inglaterra. As duas torcidas entraram sorridentes no estádio Olímpico de Córdoba, mas quem saiu mantendo a alegria foi somente o lado albiazul.

José Zelaya, que já havia marcado três gols naqueles 5-0, fez aos 39 minutos do segundo tempo o único daquela tarde, estendendo o novo tabu. Assim, em 5 de julho a galera do Matador teve ligeira maioria. Que manteve a animação: o ídolo Diego Garay serviu para Daniel Albornoz abrir o marcador. O Belgrano estava forçado a quebrar o tabu. Ironicamente, o Pirata conseguiria sem levar… além da condição de final, foi um clássico especial exatamente pelas reviravoltas lá e cá. Até os últimos dez minutos, o 1-0 se mantinha.

David Díaz, José Zelaya, Mario Cuenca, Andrés Cabrera, Horacio Humoller e José María Rozzi; Daniel Albornoz, Javier Villarreal, Ramón Medina Bello, Diego Garay e Fernando Clementz: o time tallarin de 5 de julho de 1998

Porém, em um bate-rebate na área tallarin, La B encontrou o empate, com autoria de Christian Garnero. Naturalmente, os celestes partiram para o abafa. Com direito a bolas na trave, raspando ou no travessão. Até converterem uma falta aos 43 minutos. Gol de quem? De Luis Sosa.

Pênaltis!

Garnero, Gustavo Lillo e Sosa iniciaram os trabalhos e todos marcaram. Após o 2-1 parcial do Belgrano, foi a vez de Fernando Clementz. Que perdeu. Mas Cuenca manteve a sobrevida albiazul, parando o chute no meio do gol de Diego Alarcón. Só que Rodrigo Astudillo também foi lá e perdeu. Mas a taça, que escapulia do Talleres, voltou a escorregar das mãos celestes: Hernán Manrique perdeu a quarta cobrança do seu time. Foi bem sucedido por David Díaz, que fez o simples e empatou em 2-2. Restavam as cobranças finais da série inicial.

Luis Fabián Artime (filho do superartilheiro Luis Artime, ex-Palmeiras e Fluminense), o Luifa, maior artilheiro belgranense na elite, não decepcionou. Mas Javier Villarreal também converteu e estavam forçadas as séries alternadas. Então Christian Binetti acerta o travessão de Cuenca. Enfim a plateia tallarin voltou a animar-se mais. E passou a torcer por um velho rival: Roberto Oeste, El Lute, era ex-jogador de La B. O nervosismo visível não foi um entrave, porém. Sua corrida termina em êxito. Talleres na elite argentina.

O Belgrano também subiria, ainda que o clube do bairro de Alberdi precisasse se sujeitar a mata-matas. Nada que tirasse a imagem de 1998 como um ano de conquista do rival. Passados vinte anos, a torcida do bairro Jardín volta a festejar aquele 5 de julho, adocicando mais uma grande temporada que o recolocou na Taça Libertadores para 2019 (ainda com Cuenca, estivera na edição 2002). Ano em que as lembranças a completarem vinte anos também foram a nível continental. Essa outra história, também vivida e recordada por Gareca, já foi contada neste outro Especial. Assim como já dedicamos este outro sobre essas e outras histórias do clássico mais realizado do futebol argentino.

O vazio do goleiro belgranense, a imensidão do êxtase tallarin. A cobrança do “Lute” Oste entra

https://twitter.com/TelonCAT/status/1014846661217193984

https://twitter.com/CulturAlbiazul/status/1014645551948759041

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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