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35 anos do 3º título nacional do Rosario Central, com Edgardo Bauza de artilheiro

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Gaitán (à esquerda), Palma (direita) celebram com Marchetti: os três autores dos gols do título

Se anteontem a pátria canalla relembrou os vinte anos da epopeia que foi o título da Copa Conmebol, hoje é novo dia de celebrações. O campeonato de 1980 não foi um título qualquer: o Rosario Central, com um elenco apelidado de La Sinfónica, deixava para trás a década mais gloriosa do clube apresentando-lhe novos ídolos eternos. E com o especial sabor de, uma vez mais, eliminar o grande rival. Foi um campeonato especial para os clubes do interior argentino, em verdadeira safra dourada. Um torneio que representou o auge de outro deles, o sumido Racing de Córdoba, o surpreendente vice-campeão daquela edição.

O Central já havia se tornado o primeiro clube do interior a ser campeão nacional, em 1971, em campanha marcada pela semifinal com o Newell’s. Em um dos clássicos rosarinos mais recordados, Aldo Poy fez de peixinho (palomita, para os argentinos) o gol da vitória, desde então reencenado diversas vezes pelo próprio Poy em confraternizações dos torcedores auriazuis ao redor do mundo – a ponto de eles pedirem insistentemente ao Guinness que reconheçam o lance como o gol mais comemorado da história. Com a mesma base campeã de 1971, o Central foi novamente campeão nacional em 1973. Aquela base, somada a Mario Kempes em 1974, também chegou às semifinais da Libertadores de 1975, após eliminar – para variar – o Newell’s em um play-off, gol de Kempes.

Aqueles tempos, porém, foram ficando para trás; os últimos remanescentes saíram em 1978 ou 1979: o lateral uruguaio Jorge González, homem que mais vezes defendeu o clube (e estrangeiro com mais jogos no campeonato argentino), foi ao Vélez. Outro lateral, Ramón Bóveda, ao Platense. O meia Carlos Aimar, ao San Lorenzo. Pior eram os irmãos Daniel e Mario Killer, que chegaram a virar a casaca – reserva da seleção campeã da Copa de 1978, Daniel Killer ainda estava no Newell’s naquele 1980. Justamente naquele biênio 1978-79 os canallas formaram a nova base campeã. Um dos integrantes poderia ser brasileiro: Mário Sérgio apareceu em 1979 vindo do Botafogo e teve capacidade reconhecida, mas não se ambientou e ainda naquele ano foi ser campeão no Internacional.

O mais longevo era o novo lateral-esquerdo, Jorge García, especialista em tiros livres e presente desde 1975. Em 1978, estreou o volante-direito José Luis Gaitán, que sabia tanto desarmar quanto driblar, sofrendo vários pênaltis na campanha. Ambos tiveram talento reconhecido por César Menotti, que os testou na seleção ainda em 1979. O atacante Félix Orte já havia estado nela ainda nos tempos de Banfield e foi outro a somar-se em 1978 aos auriazuis. Antes desses dois últimos, apareceu em 1977 um jogador que, por sua vez, foi incompreendido na seleção: Edgardo Bauza.

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Bauza, Carnevali, Craiyacich, Ghielmetti e Palma, García, Orte, Gaitán, Marchetti, Bacas e Teglia

Muito antes de se destacar como técnico que desvirginou a Libertadores para o futebol equatoriano (com a LDU em 2008) e o debochado gigante San Lorenzo (em 2014), o recém-contratado comandante são-paulino foi um zagueiraço. Mais do que isso, um zagueiro-artilheiro, tendo se aposentado como o terceiro maior defensor goleador no planeta – hoje é o quarto, superado pelo espanhol Fernando Hierro. Eis aqui a lista do último levantamento, há três anos, em site europeu.

O zagueiro Bauza é simplesmente o terceiro maior artilheiro profissional do Central, com 82 gols – Kempes, por exemplo, fez 94. E está à frente de El Matador no clássico: El Patón é o profissional centralista que mais vezes fez gol no Newell’s. O primeiro deles viera já em 1979 para dar a vitória por 1-0 em dérbi na casa adversária. Bauza só deu azar de ser contemporâneo e compatriota de um zagueiro ainda mais ágil e artilheiro: Daniel Passarella, que lhe tirou espaço na seleção. Enquanto Bauza segurava atrás, quem armava lá na frente era outra divindade canalla: Omar Palma, estreado em 1979. O técnico era um discreto ex-jogador do clube, Ángel Tulio Zof, que viria a ser o treinador centralista mais vitorioso da história.

Se o Central transpirava tradição, o outro finalista era uma abusada novidade para o país. Quarta força de Córdoba, o Racing de lá estreara no Torneio Nacional apenas em 1978. Suas pretensões eram modestas: uma vaga nos mata-matas já seria motivo mais do que suficiente para muita festa no bairro de Nueva Italia. Seu grande destaque era o ponta Luis La Araña Amuchástegui, testado na seleção entre 1981 e 1983 ainda como atleta de La Academia Cordobesa antes de ir ao River, onde teve bons momentos. Outras boas figuras eram o refinado volante Roberto Gasparini, posteriormente ídolo também no próprio Central (um dos grandes nomes do título de 1986-87); o zagueiro Osvaldo Coloccini, pai de Fabricio Coloccini; e outro defensor, Pascual Noriega.

O técnico era, curiosamente, um dos maiores ídolos do Racing “original”, o de Avellaneda: o ex-xerife Alfio Basile, em um de seus primeiros trabalhos como treinador. Até os títulos com o Boca de 2005-06, o mais perto que Basile chegou do título argentino foi naquele torneio que reuniu 28 equipes, divididos em quatro chaves de sete. Os dois primeiros colocados de cada avançariam aos mata-matas. E coube e Rosario Central e ao Racing de Córdoba estarem juntos desde o início, ambos na zona A. Junto deles, o Estudiantes, o Vélez e o Racing “original”, dentre outros.

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À direita, os artilheiros dos finalistas: o zagueiro Bauza e o ponta Amuchástegui. À esquerda, o Racing de Córdoba: Coloccini, Noriega, Del Mul, Vivanco, Oyola e Ramos; Amuchástegui, López, Ballejo, Gasparini e Aramayo

Os cordobeses começaram muito bem, com três vitórias seguidas chamando a atenção do país. Mas aí levou dois baldes de água fria seguidos: derrota de 1-0 em casa para o Chaco For Ever e um 5-1 para o Vélez. Os alvicelestes então ganharam por 3-1 do Central, com Amuchástegui marcando duas vezes, e chegaram a liderar o grupo na metade da fase inicial, derrotando por 2-1 o xará em Avellaneda. Mas a missão não foi fácil. Para ninguém: o Central, por sua vez, conseguia golear (6-1 no Atlético Tucumán, 5-1 com três de Bauza no Racing de Avellaneda) e perder pontos bobos (derrota de 1-0 em casa para o Vélez, 3-2 para o Gimnasia de Jujuy).

A zona A se mostrava a mais equilibrada e a duas rodadas do fim o futuro campeão era apenas 4º colocado no grupo: cordobeses líderes com 15 pontos, Vélez e Estudiantes com 14, Central com 13. Na penúltima rodada, os futuros finalistas se enfrentaram em Rosario. O Central se iguala na pontuação aos cordobeses, com Bauza decretando de pênalti o placar mínimo (na época, a vitória valia 2 pontos e não 3). Só que ambos foram ultrapassados pelas vitórias de Vélez e Estudiantes. Na última, o Vélez receberia o Central para um confronto direto, o Estudiantes visitaria o eliminado Gimnasia de Jujuy e os Racings fariam um duelo em Córdoba.

Bauza e Orte calaram o bairro de Liniers, eliminando o Vélez do superartilheiro Carlos Bianchi, outro cuja carreira de técnico ofusca o jogador espetacular que fora. O suspense ficou para a concorrência entre Estudiantes e cordobeses, que tinham desvantagem no saldo de gols e precisaram necessariamente vencer e torcer que os platenses no máximo empatassem. Oyola colocou o Racing de Córdoba na frente do de Avellaneda, mas logo ouviu-se notícias de que o Estudiantes abrira o marcador em Jujuy, quase ao mesmo tempo em que os visitantes de Avellaneda empatavam. Focando-se na sua parte, os cordobeses fizeram mais dois, com Baldesarri.

O desafogo veio nos últimos dez minutos: o Gimnasia empatou em Jujuy. Então Amuchástegui e Oyola fecharam a goleada de 5-1 no xará. A surpresa teria pela frente nas quartas-de-final, porém, nada menos que o Argentinos Jrs recém-vice-campeão metropolitano no embalo de Diego Maradona, artilheiro da competição. O Central pegaria o Unión de Santa Fe, em ótima fase também (vice do ano anterior). O River buscaria um tetracampeonato medindo forças com o Newell’s. E o arquirrival do Racing de Córdoba, o Instituto, também demonstrava ótima forma: liderou sua chave, que continha o River, e pegaria o Independiente. O Rojo levou a melhor, impedindo que o Nacional tivesse nas semifinais dois grandes clássicos do interior argentino e sim apenas um.

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Coloccini, Ballejo, o técnico Basile e Amuchástegui em publicidade na Coreia, onde ganharam taça em 1981, e o recordado gol de Amuchástegui nos 4-0 sobre o Independiente na semifinal

De um lado, as semis foram Newell’s e Central (que eliminou o Unión pela diferença mínima após 25 minutos finais dramáticos em Rosario: o goleiro Ricardo Ferrero foi expulso após todas as alterações e o meia Héctor Chazarreta teve que ir improvisado ao gol). Do outro, o Independiente faria um “clássico genérico” com o Racing cordobês, que se aproveitara da ausência de Maradona – em excursão com a seleção – e arrancara um 1-1 com o Argentinos Jrs em La Paternal (gol de Coloccini para os visitantes) para vencê-lo no Chateâu Carreras por 3-1 (dois de Ballejo e outro de Gasparini).

As semifinais foram em dois jogos, mas se definiriam praticamente no primeiro. O Newell’s havia eliminado o River com um categórico 6-2 e naquele mesmo ano havia vencido por 3-0 o Central em pleno Gigante de Arroyito, quebrando jejum de 15 anos sem vitórias sobre o rival na casa contrária (desde um 1-0 com gol do brasileiro João Cardoso em 1965). Mas os rubronegros tiveram o troco, perdendo pelos mesmos 3-0 naquela semi. Os gols foram de Ghielmetti, Gaitán e Víctor Marchetti. Já o Racing realizou a maior partida de sua história, uma das maiores surpresas do futebol argentino.

Amuchástegui duas vezes (um driblando duas vezes o goleiro Esteban Pogany), Ballejo e Aramayo ditaram um inapelável 4-0 no gigante Independiente. Em Avellaneda, os Rojos até conseguiram marcar cinco gols, mas Ballejo fez os três dos visitantes para segurar um 5-3 e passagem à final. Foi o mais perto que o futebol cordobês esteve de um título ainda inédito à província, igualando-se à campanha do Talleres no nacional de 1977. O Central também perdeu na volta, mas só por 1-0.

A primeira final foi no Gigante e La Sinfónica honrou o apelido, ruindo as pretensões dos deslumbrados cordobeses: um gol de Bauza, um de Palma, um de Marchetti, um de Agonil e outro de Trama. Oyola ainda empatou em 1-1, mas ficou-se no 5-1. Bauza fazia ali seu 12º gol na campanha auriazul, sagrando-se artilheiro do elenco. A final seguinte, porém, lhe foi agridoce: “tive que ver toda a partida desde a boca do túnel e lembro as brigas com o comissário esportivo. Desde aí só via a metade do campo e cada vez que atacávamos me colocava dentro e aí se armava a confusão. Cada vez que arrancava Orte com a bola acontecia o mesmo. Os gols perdidos nessa tarde…”.

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O artilheiro Bauza celebrando um de seus 12 gols; Marchetti contra o arquirrival; um dos gols do título, sobre o Racing cordobês

Bauza foi expulso em Córdoba. Um chute cruzado de Oyola ainda aos 6 minutos acendeu a leve esperança nos racinguistas. Mas o segundo, em falta de Gasparini, veio muito tarde, já aos 37 do segundo tempo. Ficou no 2-0 para os honrosos vice-campeões, que ainda ganhariam um torneio amistoso bastante alternativo na Coreia do Sul em 1981 (dentre as equipes, o Vitória e as seleções de Malta e Liechtenstein); eliminariam novamente o Independiente nos mata-matas nacionais em 1983, parando nas semis; e alcançariam um quarto lugar em 1984.

Amuchástegui saiu e a ladeira desceu abaixo até o time cair em 1990 junto com o rival Instituto e, ao contrário dele, não mais voltar, permeando-se entre a terceira e quarta divisões. Hoje, a rivalidade mais movimentada é com o quinto time da cidade, o General Paz Juniors. Já o Central chegaria a enfrentar turbulências em menos tempo: ainda com referentes daquela taça, foi rebaixado em 1984. Retornou imediatamente ao fim de 1985, em uma segundona que tinha o gigante Racing de Avellaneda e, com Bauza, Palma e o técnico Zof, emendou o título com a elite de 1986-87, em um raríssimo bicampeonato do tipo. O vice? O Newell’s.

O já vetaraníssimo Palma e o técnico Zof também levantariam a Conmebol de 1995, que retratamos anteontem (clique aqui). El Negro Palma também estivera no título da segunda divisão em 1985. Assim, ao eleger os maiores ídolos do clube, em 2012, a El Gráfico não teve dúvidas nos quatro jogadores da capa: os citados Poy e Kempes mais Palma e Bauza.

O hoje técnico são-paulino angariou mais prestígio em Arroyito como técnico nos canallas entre 1998 e 2001, sendo vice da Conmebol 1998 (para o Santos) e levando o Central às semifinais da Libertadores de 2001, a fase mais longe que os auriazuis estiveram no torneio. Bons presságios para o que lograria em elencos limitados da LDU e do San Lorenzo. Fique otimista, torcedor tricolor.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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