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60 anos do número 1 de 1986: Sergio Almirón

Todos sabem quem foi o principal jogador argentino em 1986. Alguns lembram que o goleiro titular foi Nery Pumpido, a vestir a camisa 18. Mas nenhum dos outros goleiros estava numerado com a 1: reserva imediato, Luis Islas era o 15 e o “enfeite” Héctor Zelada, o 22. É que, tal como em 1978 e 1982, a Argentina usou no bicampeonato a ordem alfabética dos sobrenomes para distribuir a numeração, com raríssimas exceções – Maradona e Kempes na Espanha, Maradona, Passarella e Valdano no México. O meia Norberto Alonso já havia usado a camisa 1 em 1978 (fazendo o goleirão Ubaldo Fillol vestir a 5) e ela passou ao volante Osvaldo Ardiles em 1982, quando Fillol foi o 7. No bi, o número 1 ironicamente não jogou sequer um minuto, mas o atacante Sergio Omar Almirón soube fazer história no Newell’s.

Nascido na própria Rosario, El Negro Almirón chegou com 15 anos na base rojinegra e foi lançado no time adulto ainda com 19 anos incompletos: foi relacionado pela primeira vez na 31ª rodada do Metropolitano de 1977, em 23 de setembro, embora o treinador Jorge Solari não chegasse a coloca-lo em campo. A estreia veio no Torneio Nacional: Genaro Coronel, o novo treinador, colocou-o nos treze minutos finais da 14ª rodada, já em 11 de janeiro de 1978. Almirón substituiu o volante Oscar Ceccotti em um 0-0 fora de casa com o Banfield. E precisou ter paciência.

Nos campeonatos próprios de 1978, o ponta-esquerda foi limitado ao time B. Só voltaria a jogar pelo principal já na 11ª rodada do Metropolitano de 1979, colocado pelo treinador José Yudica a partir dos 23 minutos do segundo tempo do 1-0 em La Plata sobre o Gimnasia, substituindo Sebastián Ovelar. Seriam só sete partidas naquele Metropolitano e nenhuma no Torneio Nacional em 1979. Em 1980, foram dez jogos no Metropolitano e um primeiro gol (nos 5-1 sobre o Huracán pela 7ª rodada), e quatro partidas no Nacional. Foi também o ano da paternidade: seu filho, também Sergio Almirón, seria profissionalizado no mesmo Newell’s em 1998 e teve uma carreira menos reconhecida, mas com passagens por Juventus, Monaco e Fiorentina.

Em 1981, já foram vinte partidas do Almirón pai na campanha 3ª colocada no Metropolitano, ainda que normalmente como opção de banco – só marcou um golzinho, no 4-2 sobre o Colón, na 3ª rodada. No Nacional, oito jogos e zero gols. Foi em 1982 que o ponta começou a se sobressair, com quatro gols em 15 jogos no Nacional, que passava a ser realizado no primeiro semestre. No Metropolitano, embora só anotasse três vezes, figurou em 29 jogos, começando a consolidar um trio ofensivo com o centroavante Víctor Ramos (recordista de gols do clube na era profissional) e o ponta-direita Santiago Santamaría.

No Nacional 1983, foram quatro gols em 14 jogos e a crescente de Almirón pareceu ser vista no Metropolitano: 12 gols em 32 partidas e vice-artilharia do elenco leproso, abaixo apenas do centroavante Ramos, vitimando o futuro campeão Independiente (2-0) e conseguindo um primeiro hat trick ao anotar os três no empate em 3-3 com o Argentinos Jrs. Mas o ano de 1984 não viu o melhor dele: no Nacional 1984, foram apenas dois golzinhos em dez jogos; no Metropolitano, até foi o vice-artilheiro do plantel, mas com seis gols em 28 partidas.

Então veio 1985. Almirón, pela primeira vez, superou a barreira do meio gol por jogo, ao contribuir com oito em 13 partidas da última edição do Torneio Nacional, em que a Lepra parou nas quartas-de-final. O torneio seguinte instituiu um campeonato de calendário europeu e os rosarinos, embora não lutassem seriamente pelo título, puderam terminar no vice-campeonato. El Negro anotou dez vezes em 31 partidas, vitimando a dupla Boca (2-0) e o campeão River (derrota de 5-1 no primeiro turno, 1-1 no returno). A fase, a precisão na área, sua velocidade e um chute bom de longa distância que lhe colocaram de última hora na seleção.

Almirón é o jogador mais central dentre os sentados na grama

O ponta estreou oficialmente pela Argentina em 17 de novembro de 1985, já após o fim das eliminatórias, em 1-1 amistoso com o México em Los Angeles. Foi inclusive titular, ainda que eventualmente desse lugar a Oscar Dertycia. A posterior segunda colocação do Newell’s na temporada 1985-86 pareceu convencer o técnico Carlos Bilardo, que o incluiu na lista de 22 convocados ao Mundial, para desalento do próprio Dertycia e do então atacante Ricardo Gareca, ele próprio autor do sofrido gol que classificara na marra a Albiceleste à Copa. O próprio Almirón assumiria que era cético por uma vaga e jamais se mostraria ingrato por como testemunharia (um verbo preciso) a Copa do Mundo.

A ordem dos nomes na foto acima, com a delegação campeã, é: Carlos Pachamé (auxiliar técnico), Luis Islas, Jorge Valdano, Ricardo Giusti, Héctor Zelada, Néstor Clausen, José Luis Brown, Oscar Ruggeri, Nery Pumpido, Diego Maradona e Raúl Madero (médico); Ricardo Bochini, Carlos Tapia, Héctor Enrique, Pedro Pasculli, Ricardo Echevarría (preparador físico), Carlos Bilardo (técnico), Claudio Borghi, José Luis Cuciuffo e Marcelo Trobbiani; Rubén Benros (roupeiro), Daniel Passarella, Julio Olarticoechea, Oscar Garré, ele, Sergio Batisuta, Jorge Burruchaga e Roberto Molina (massagista).

As partidas seguintes foram em maior parte não-oficiais: em 29 de março, esteve no 2-1 sobre o Napoli (chegando a ser substituído por Bochini) no então Stadio San Paolo, na curiosa tarde em que Maradona enfrentou o próprio clube. O jogo de 1º de abril rendeu um primeiro gol, sobre o clube suíço Grasshoppers, em Zurique – curiosamente, na única partida em que Almirón jogou vindo do banco (para o lugar de Pedro Pasculli), pois, em todas as outras raras vezes em que foi usado, sempre foi como titular.

Para as estatísticas oficiais, contudo, seu segundo jogo só se deu no dia 30 daquele mês, em Oslo, atuando nos 90 minutos na derrota de 1-0 para a Noruega. Nelas, seu primeiro gol veio apenas em 4 de maio… e também o segundo e o terceiro: ele conseguiu um hat trick em Tel Aviv sobre Israel. Em seu dia de glória, abriu o placar aos 5 minutos e desequilibrou no segundo tempo. Os israelenses haviam conseguido buscar o 2-2 após saírem perdendo de 2-0 e El Negro desempatou aos 12 minutos da segunda etapa.

Aos 17, ele já anotava o 5-2 em um placar que terminou em 7-2, até hoje a maior vitória que a Argentina conseguiu sobre alguma outra seleção na casa adversária. Mas a partida atualmente é mais lembrada não por Almirón, e sim por Passarella – que, sem saber, ali jogou pela última vez pela seleção, ao menos oficialmente; ou por inaugurar a superstição de sempre incluir-se Israel como adversária pré-Copa até o ciclo para 1998.

Aquela também foi a última partida oficial de Almirón pela Argentina – ainda entraria em campo em 15 de maio, no 0-0 contra o Junior de Barranquilla (assim como Passarella), quando terminou substituído por Borghi. Dos bicampeões mundiais, seus três jogos oficiais superam a estatística zerada do terceiro goleiro – Zelada jamais entrou em campo (nem mesmo não-oficialmente) pela seleção, com sua convocação sendo creditada à diplomacia da AFA com o América, clube mexicano que hospedou a delegação e onde jogava o arqueiro, a grande surpresa da lista de Bilardo.

Comemoração de gol na temporada 1987-88 – quando, enfim, pôde ser campeão argentino com seu Newell’s

Eram tempos em que nem todos os reservas podiam ficar à disposição, com o treinador precisando escolher somente cinco deles para sentarem no banco. Ao longo da Copa, Almirón só foi relacionado uma vez, para as oitavas-de-final, com o Uruguai. Chegou a aquecer-se a partir dos 15 minutos do segundo tempo, mas não entrou – tampouco contra a Inglaterra, onde chegou a sonhar com uma vaga após treinar entre os titulares e marcar gols nos rachões. Enquanto isso, seu Newell’s podia se sentir prejudicado: o Mundial se desenrolou enquanto era jogada a liguilla pre-Libertadores, torneio de pós-temporada que valia a segunda vaga argentina na edição de 1986 de La Copa (realizada inteiramente no segundo semestre).

Sem seu jogador de seleção, os rosarinos conseguiram perder o troféu simbólico ao tomarem a virada de 4-1 em casa para um Boca que jogava com um a menos e que havia sido derrotado por 2-0 em La Bombonera na partida de ida. Mas a simples ida à Copa do Mundo ao menos serviu de vitrine para a Lepra fazer caixa: Almirón, embora ainda começasse a temporada 1986-87 no Parque Independencia (jogou apenas a rodada inaugural, ironicamente um 3-2, com gol dele, sobre o Boca…), foi vendido ao Tours. Mal deu para sentirem saudades: em reação ao doloroso vice-campeonato para o arquirrival Rosario Central naquela edição, os cartolas trataram de repatriar da segunda divisão francesa o ídolo para o torneio seguinte. Deu muito certo.

Com o diferencial de contar com um elenco inteiramente formado em casa, inclusive o treinador José Yudica, o Ñuls iniciou sua era dourada e encerrou de modo arrasador o que já eram 14 anos de jejum. Almirón contribuiu com sete gols em 34 jogos, incluindo na conta um cada em dois 5-1 fora de casa, sobre o Vélez e sobre o Boca – e outro na partida que garantiu o título, o quinto no inapelável 6-1 sobre o Independiente.

No segundo semestre de 1988, foi titular absoluto na campanha vice-campeã da Libertadores; embora não chegasse a marcar, só esteve ausente de uma partida (contra o Barcelona de Guayaquil, no Equador, na fase de grupos). Em paralelo, marcava seus últimos três gols ao longo de 26 participações no campeonato argentino de 1988-89. Ainda vestiria as camisas do Tigres, em uma volta mais visível aos gramados mexicanos, e as de Estudiantes, Central Córdoba de Rosario e Talleres, onde pendurou as chuteiras em 1994.

El Negro seguiu por um bom tempo como um nome intocável na mitologia rojinegra: seja pelos 64 gols, seja pelos 297 jogos, seja como um dos dois únicos jogadores a vencerem como leprosos a Copa do Mundo, ao lado de Américo Gallego (1978). Os questionamentos vieram após parar de jogar. Permanecia como sinônimo de Newell’s, dessa vez como coordenador geral das categorias de base, na segunda metade da gestão de quatorze anos do cartola Eduardo López. López foi enfim derrotado nas eleições de 2008.

Embora a torcida comemorasse um título argentino em 2004 (a permitir que o clube ultrapassasse o Rosario Central na listagem de campeões nacionais), também viu uma má administração desencadear um marasmo seguido até de risco de rebaixamento em longo prazo. O ídolo foi acusado de auferir comissões suspeitas nos passes dos jogadores e chegaria até mesmo a ser expulso como sócio em 2010 – dividindo a torcida entre os que se agarram à nostalgia oitentista e os que, a cada felicitação diplomática do clube a seu aniversário, seguem rancorosos com o lopecista

À direita, carregando o técnico José Yudica na volta olímpica de 1988

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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