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Blog FP: Os “brasileiros” na seleção argentina

Desde Buenos Aires – Quatro jogadores que atuam no Brasil foram convocados para o selecionado local que enfrenta o Brasil nesta quarta-feira. Mesmo não sendo a seleção principal do país, é um fato novo que merece alguma análise. Afinal, é um indício do enorme respeito que os argentinos têm pelo futebol de clubes do Brasil na atualidade.

A convocação de Burrito Martinez não é exatamente um fato de destaque, já que o jogador teve ótimas fases no Vélez, era uma das maiores estrelas do futebol local e chegou a ser convocado para a seleção principal por Sergio Batista. Mas as convocações de Barcos, Guiñazu e Montillo servem para ilustrar o status atual do futebol brasileiro de clubes entre os argentinos. Note-se: isso não significa que os jogadores não tenham qualidade para estar na seleção. Apenas que passaram a ter outro status em seu país depois de fazer sucesso no Brasil.

O caso mais flagrante é o de Barcos, jogador que jamais teve qualquer espaço no futebol argentino. Justamente por isso, boa parte da sua carreira foi construída em clubes obscuros e ligas menores. No entanto, no mesmo ano em que chegou ao Palmeiras e se converteu em ídolo do clube alviverde, foi convocado até para a seleção principal da Argentina. E em uma posição em que o país tem jogadores de sobra jogando em alto nível. Difícil imaginar tal convocação ocorrendo caso o jogador estivesse em um dos clubes em que jogou anteriormente.

O caso de Montillo não é tão diferente. O jogador nunca teve muita chance em seu próprio país. Após alguns anos no San Lorenzo, sem maior destaque, passou rapidamente pelo México, teve uma nova passagem no Ciclón em que quase não teve oportunidades, para finalmente se transferir para o futebol chileno. Fez sucesso na Universidad de Chile, sem que isso o transformasse em nome frequente nas listas de jogadores pretendidos pelos clubes de seu país. Apenas após o sucesso no Cruzeiro passou a ser de fato respeitado, chegando ao selecionado local já na edição anterior do desafio contra o Brasil.

Pablo Guiñazu não está muito distante dos anteriormente citados. O jogador é lembrado por suas passagens por Newell’s e Independiente, mas sempre foi mais apreciado por sua raça e entrega do que propriamente por sua qualidade. Chegou ao Internacional após 3 anos atuando no futebol paraguaio, onde, a despeito das boas atuações, não chegou propriamente a ser visto como um grande objeto do desejo dos clubes argentinos. Após seu sucesso no Internacional a situação mudou. O Boca Juniors fez grandes esforços para contratá-lo, e o jogador vem sendo seguidamente convocado para a seleção principal por Alejandro Sabella.

Tudo isso indica que o sucesso no futebol brasileiro é visto pelos argentinos como um importante aval para qualquer jogador. Avalia-se que o futebol de clubes do nosso país vive um grande momento. Em parte pelos ótimos momentos de nossos clubes na Libertadores (brasileiros estão em todas as finais desde 2005, e venceram as últimas três edições do torneio). Mas talvez o mais importante seja o mercado interno aquecido, em que os clubes possuem orçamentos bem maiores que o do país vizinho, possibilitando a chegada de jogadores de nome mundial, como Ronaldinho Gaúcho, Forlán, Deco e Seedorf.

Naturalmente há uma dose de desinformação. O futebol que se pratica no Brasil é virtualmente desconhecido na Argentina, exatamente como o futebol argentino de clubes é ignorado por aqui. Assim, é possível que o bom desempenho de alguns jogadores argentinos por aqui leve o mundo futeboleiro de seu país natal a supervalorizá-los. Certamente não é o caso de Martinez, que sempre foi tido como ótimo jogador em seu país natal. Provavelmente esse fator tenha algum peso nas convocações de Guiñazu para a seleção principal. E sem nenhuma dúvida teve  um papel decisivo para que Barcos fosse escolhido para integrar o plantel da albiceleste nas eliminatórias.

Tudo isso também aponta para uma certa incapacidade do futebol argentino em identificar de forma mais adequada os bons jogadores que o país forma. Por mais que não seja um craque, é impossível imaginar que Barcos não possa ser titular em um clube da primeira divisão argentina. Tampouco se pode perdoar que nenhum clube do país tenha tido a ideia de repatriar Guiñazu para ter o enorme poder de marcação do jogador colorado a seu serviço. Menos ainda que nenhum clube argentino tenha visto em Montillo um nome para comandar as ações ofensivas de sua equipe. A convocação desses jogadores mostra não apenas que os argentinos respeitam (talvez até em demasia) os clubes brasileiros, mas também que o futebol do país nem sempre sabe aproveitar os valores que produz.

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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