Especiais

De pai para filho: a herança mais pesada que há no Boca

Carlos, Kevin e Alexis Mac Allister: pela primeira vez, o Boca tem dois filhos de um mesmo pai

Em julho de 2012, listamos os irmãos que já defenderam o Boca, a partir da estreia xeneize de Guillermo Burdisso – defensor que, a despeito do bom currículo, incluindo um jogo pela seleção, não chegou perto do sucesso de Nicolás Burdisso, inclusive como jogador boquense. Sete anos depois, o clube conheceu uma nova pareja fraterna: desde janeiro no time, Kevin Mac Allister recebeu nesse julho o irmão Alexis, autor do gol da vitória auriazul ontem sobre o Athletico Paranaense em plena Arena da Baixada. A torcida espera que seja um bom prenúncio contra um peso histórico em desfavor de filhos de ex-jogadores. Afinal, o pai deles, hoje ministro dos esportes da Argentina, não só defendeu os bosteros como foi ídolo e jogador de seleção. Hora de lembrar outros pais & filhos que vestiram Azul y Oro.

Um primeiro caso deu-se ainda no amadorismo argentino. O uruguaio Luis Cerezo foi um zagueiro dos literais primórdios do Boca: esteve na partida inaugural da equipe, o amistoso de 4-0 vencido sobre o Mariano Moreno, e também foi o segundo presidente do clube. Conciliando partidas com a presença administrativa, seguiu defendendo em campo o Boca pelos dez anos seguintes, ainda que de forma não-contínua: não jogou em 1907 (ano em que atuou exclusivamente como secretário) e de 1912 a 1914, despedindo-se em amistoso de janeiro de 1916 contra o Independiente (derrota de 4-2), sua 96ª partida. Outra delas foi o primeiro Superclásico oficialmente registrado, a vitória por 2-1 em 1908. Foi depois vocal entre 1921 e 1924.

Desde ali, o peso pareceu excessivo. O atacante Oscar Cerezo, seu filho, só atuou quatro vezes pelo Boca, em dois jogos no início do campeonato argentino de 1929 e em três amistosos entre março e julho de 1930, não se conhecendo nem mesmo nenhuma foto sua como jogador bostero. O caso seguinte começou em Domingo Ángel Costa, uma opção de banco para os zagueiros que o time teve entre 1921 e 1923; somou no geral trinta partidas. Só atuou nos campeonatos de 1921 e 1922, onde o time ficou na terceira colocação em ambos. Herança inexpressiva que poderia não pesar sobre Bartolomé Humberto Costa, o filho que defendeu o clube no biênio de 1948-49. Só que este jogou ainda menos – treze vezes, sendo que oito delas foram em amistosos. Igualmente reserva, precisou rumar ao Quilmes para adquirir regularidade.

Outros pais consagrados: Cerezo, com o primeiro uniforme do clube, é o agachado mais à direita (com a bandeira e de terno, Juan Brichetto); Trobbiani; o goleiro Gatti e, à sua frente, Perotti

Os casos seguintes foram ainda mais severos. Afinal, Marcelo Antonio Trobbiani, vindo dos juvenis, defendeu o Boca de 1973 a 1982, em dois ciclos distintos. Era um meia talentoso a ponto de estrear na seleção argentina antes de ser promovido ao time adulto do clube – algo então inédito e ainda raríssimo – e despedir-se dela como campeão da Copa do Mundo de 1986, onde foi reserva usado somente nos acréscimos da grande final, para gastar tempo; deu somente um toque na bola em toda a Copa, e com estilo: de calcanhar.

Embora calhasse de se ausentar do clube justamente no período de 1977-80, marcado pelas primeiras conquistas xeneizes na Libertadores e no Mundial, Trobbiani marcou presença em conquistas importantes, desfazendo no Metropolitano de 1976 um jejum de seis anos e participando do maradoniano Metropolitano de 1981. A concorrência cruel com o próprio Maradona levou-o a uma estadia ainda mais significativa no Estudiantes bi de 1982-83. O filho Pablo Marcelo Trobbiani nasceu na Espanha enquanto o pai defendia o Elche, mas fez as inferiores no próprio Boca. Embora treinado pelo mesmo Carlos Bilardo que dirigira seu pai no Estudiantes e na seleção, só recebeu cinco oportunidades no time principal, entre agosto e dezembro de 1996. Curiosamente, em um semestre onde o time mais perdeu do que ganhou, Trobbiani teve quatro vitórias, mas sempre como reserva.

Ainda mais contrastante foi o caso envolvendo Hugo Orlando Gatti. Afinal, para começar, o ex-goleiro é o recordista de jogos no campeonato argentino e o segundo com mais partidas pelo Boca, mesmo sendo contratado após os 30 anos de idade. Ficou até os 44 e só não durou mais por pura opção técnica do treinador José Omar Pastoriza, sendo crucificado pela falha na derrota surpreendente para o Deportivo Armenio em casa no início da temporada 1988-89. O espalhafatoso Gatti era ainda o goleirão das conquistas domésticas em dobro no ano de 1976, em que o time venceu tanto o Metropolitano como o Nacional (esse, na única final Boca x River no século XX), bem como nas duas primeiras Libertadores e no primeiro Mundial, nos dois anos seguintes. El Loco Gatti ainda venceu o Metropolitano de 1981, embora uma lesão o privasse da titularidade absoluta, assim como outra o tirara da Copa do Mundo de 1978 – era ele e não o sóbrio Ubaldo Fillol o arqueiro titular da Argentina nos jogos preparatórios (ambos, inclusive, empatam no recorde de pênaltis defendidos no futebol argentino).

Pablo Trobbiani e Lucas Gatti foram provavelmente os filhos que mais sofreram o peso do sobrenome. Pablo Álvarez (atrás de Burdisso e Clemente Rodríguez comemorando os pênaltis “daquele” Superclássico de 2004) e Marinelli foram exceções

Pois bem: o volante Lucas Cassius Gatti, batizado em homenagem ao nome original de Muhammad Ali, atuou míseras duas vezes pelo time xeneize adulto; foi na derrota de 3-1 para o Palmeiras na Copa Mercosul de 1998 e em outro revés, para o Racing, vencedor por 2-1 em amistoso de fevereiro de 1999… o filho precisou seguir carreira em clubes pequenos da Espanha (inclusive o Badajoz, em que também figurava Pablo Trobbiani) e da Escócia (o Dundee o contratou em uma penca de argentinos na esteira do sucesso de Caniggia). Em entrevista, o pai admitiu que o sobrenome pesou, mas foi coruja: “o que também matou meu filho foi ser tão lindo, porque os caras lindos não podem jogar futebol. Beckham, por exemplo, joga um fenômeno, mas todos dizem que não é tão bom, porque é lindo. Se fosse feio, o destacariam em dobro”.

Os dois nomes seguintes foram as exceções que confirmaram a regra. José Luis Álvarez foi um ponta-direita usado inicialmente por duas vezes em 1975, em meio a uma greve dos titulares. Ainda juvenil, só voltou a campo um punhado de vezes em 1978, enquanto os titulares eram poupados para as partidas do Mundial Interclubes válidas ainda pela edição de 1977 e para a campanha do bi da Libertadores. Não chegou a ser usado nos títulos internacionais. Já o lateral-direito Pablo Sebastián Álvarez estreou em julho de 2003, ocupando a lacuna deixada pela transferência de Hugo Ibarra à Europa. Ficou até 2005, ganhando o bi na Sul-Americana e tendo seu grande momento quando não tremeu na responsabilidade de converter seu pênalti na decisão contra o River pelas cardíacas semifinais da Libertadores de 2004.

Indolfo Héctor Marinelli foi um ponta-direito usado míseras quatro vezes entre maio e junho de 1965, em dois amistosos e em dois jogos da campanha campeã argentina daquele ano. Não que o armador Carlos Ariel Marinelli tenha ido muito além; formado no clube, foi promovido por Carlos Bianchi em janeiro de 2004 após empréstimos prévios ao Middlesbrough e ao Torino, mas só durou por onze jogos, entre janeiro e julho, sendo considerado um jogador que não se doava tanto. Outro ponta-direita foi Osvaldo Salvador Escudero, colega de Maradona no título mundial sub-20 com a seleção argentina da categoria, em 1979. Apareceu no elenco boquense adulto justamente em 1981, seu único ano por lá. Foi um reserva útil, usado 57 vezes e com dez gols marcados.

Osvaldo Escudero acompanhou Maradona na Argentina campeã mundial sub-20 de 1979 e no Boca campeão argentino de 1981. Damián Escudero rodou o Brasil após não vingar como xeneize

Seu filho é mais conhecido pelos brasileiros, mas não sobreviveu ao peso histórico no Boca: também campeão mundial sub-20 com a seleção (em 2007), Damián Ariel Escudero veio como promessa do Vélez para disputar quinze partidas de agosto de 2010 a janeiro de 2011, quando, mesmo sem demonstrar alto nível, cavou empréstimo ao Grêmio. Após passar também pelo Atlético Mineiro, Escudero filho foi reutilizado no Boca uma única outra vez, na pré-temporada de 2013, sendo vendido ao Vitória antes de defender também Vasco e Cuiabá. Curiosamente, o pai esteve no primeiro título sub-20 da Albiceleste e o filho, no último.

Outro caso de filho mais conhecido no Brasil do que o pai foi o seguinte ao dos Escudero. E, igualmente, isso não significou que o herdeiro honrou propriamente o genitor. Afinal, o ponta-esquerda Hugo Osmar Perotti foi um talismã enquanto defendeu a azul y oro, entre 1977 e 1984, sendo lembrado pelos gols nos títulos da segunda Libertadores (em 1978) e no duelo direto contra o surpreendente Ferro Carril Oeste na reta final do Metropolitano de 1981 – derrotados, os verdolagas ficaram só um ponto atrás. Chegou a aparecer brevemente na seleção, sendo um raríssimo jogador que pode gabar-se de ser substituído por Maradona em algum jogo da Argentina. Seria colega do próprio Dieguito depois, assim como de Gatti, Trobbiani e Escudero – sempre os pais.

O volante Diego Perotti, por sua vez, também defendeu a seleção argentina principal, tal qual o pai. Inclusive mais vezes, a primeira ainda em 2009, ainda que jamais tenha feito o suficiente para ir a uma Copa do Mundo. Esquecido para a África do Sul, acertou um empréstimo junto ao Sevilla para o Boca no início de 2014 com alguma esperança de ser rastreado de última hora rumo ao Brasil. Inclusive formara-se nos juvenis xeneizes, embora se profissionalizasse no Deportivo Morón. No time adulto, foi um fiasco: somente duas partidas, ambas pelo Torneio Final, 31 minutos somados e falta de ritmo ideal, sendo repassado ao Genoa.

Os últimos antecessores dos Mac Allister foram os Perotti: se o filho Diego foi mais regular na seleção, o pai Hugo foi muitíssimo mais expressivo no clube – lance do gol no Ferro em 1981

Por fim, Carlos Javier Mac Allister esteve longe de ser um craque, sendo daqueles jogadores limitados valorizados peça raça e temperamento – e pela estrela: após sete anos chamando atenção no Argentinos Jrs, chegou ao Boca no segundo semestre de 1992 e de cara participou ativamente da quebra do maior jejum doméstico do time, os onze anos pendentes desde o maradoniano Metropolitano de 1981. Ainda teve um momento de glória individual ao marcar o gol do título da Copa Ouro de 1993, sobre o Atlético Mineiro – meses depois, faria suas únicas partidas pela seleção, já a partir da temerosa repescagem para a Copa do Mundo de 1994. Embora invicto pela Albiceleste e presente no álbum da Panini, acabou de fora dos EUA. No Boca, El Colorado (era ruivo enquanto ainda tinha cabelo) ficou até o fim do Clausura 1996, em agosto.

O atual ministro argentino dos esportes (na realidade, secretário, de acordo com o nome formal do posto) teve três filhos que seguiram a carreira, formados no mesmo Argentinos Jrs do pai, onde chegaram a conviver juntos no time adulto. Além do time do bairro de La Paternal , o volante Francis defendeu somente o “xará” Boca Unidos, justamente. Já o lateral-esquerdo Kevin Mac Allister chegou sob empréstimo em janeiro e está longe de repetir as travessuras do personagem de mesmo nome que protagoniza a franquia Esqueceram de Mim: só atuou duas vezes, uma ainda em janeiro e outra já em abril, ambas pela Superliga. Recém-chegado, Alexis Mac Allister estreou em 3 de julho e ontem já pôde fazer a sua terceira partida pelo Boca. E teve o gosto de marcar em sua estreia na Libertadores tal como o pai conseguiu, no 1-1 com o Vélez na edição de 1994. São também o único caso de pai e filho com gols pelo time.

Além dos casos de pai & filho e dos irmãos, cabe mencionar outros parentes da história do Boca: o goleiro Manuel Bidoglio foi reserva do ídolo Américo Tesorieri, jogando 28 vezes entre 1922 e 1925, longe da idolatria histórica angariada pelo primo Ludovico Bidoglio, zagueiro que durou de 1923 a 1931 e que defendeu a seleção. Quem também defendeu a Argentina foi o atacante Enrique Brichetto (uma única vez, contra o Brasil, na Copa América de 1919), que jogou pelo Boca entre 1919 e 1921, participando do primeiro título xeneize na primeira divisão, pelo torneio de 1919. Ele era sobrinho de Juan Rafael Brichetto, presidente de 1906-07 e de 1910-13, em cuja primeira gestão o clube adotou as icônicas cores da bandeira sueca.

Alexis, Kevin e outro irmão, Francis Mac Allister, rodeiam o pai: por hora, a dinastia segue mais forte no Argentinos Jrs

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

One thought on “De pai para filho: a herança mais pesada que há no Boca

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dois + 19 =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.