San Lorenzo

De volta para Boedo

Fundado em 1916, o Viejo Gasómetro foi tirado do San Lorenzo em 1979
Fundado em 1916, o Viejo Gasómetro foi tirado do San Lorenzo em 1979

A primeira vitória surgiu em 15 de dezembro de 2012. Fora uma vitória de uma torcida que nunca se esquecera das origens do clube do coração. O San Lorenzo finalmente poderia voltar para o bairro onde o clube havia nascido. Só havia um problema. Era necessário um acordo final entre o clube e o Hipermercado, que atualmente ocupa o local do antigo Viejo Gasómetro. Novas marchas da torcida, ampliação do desprezo e sonegação ao Carrefour. Finalmente, no dia de hoje, clube e hipermercado acertaram um acordo para a volta do Ciclón para Boedo. Um estádio será construído no local. Nos bastidores, dizem que até o Papa Francisco ajudará.

Tudo ia bem para o San Lorenzo até meados da década de 70. A crise chegou e pouco a pouco foi reduzindo a estatura do clube. Foi tirando a motivação, apequenando uma alma de gigante e, finalmente, tornando-o presa fácil para as garras da pérfida ditadura argentina. Os chefes militares viram nas dívidas do clube uma oportunidade de faturar uma grana. Na prática, “expulsaram” o San Lorenzo do lugar onde ele havia nascido. O cube ficou sem casa, sem rumo e sem direção. Descendeu dois anos depois, após se rastejar feito um bêbado no cenário do futebol argentino.

A crise institucional jamais terminou. Mesmo com a bravura que representou a construção do Nuevo Gasómetro, em 1993, o Ciclón virou uma sombra das glórias do passado. Além disso, viu aumentarem as gozações dos rivais em torno da sua incapacidade de conquistar uma Libertadores. Presenciou o Vélez surgir do nada, crescer e levar esse caneco para Liniers; viu o humilde Argentinos Juniors arrebatar o caneco no que ficou conhecida como uma das maiores conquistas desse torneio por um clube de futebol. Viu tudo isso, mas não podia fazer nada, pois se encontrava encalacrado nas dívidas, nas humilhações e na grande ferida à sua essência, que foi a perda de Boedo.

O sofrimento estava preso na garganta de todos. Certo dia, um torcedor a colocou para fora, assim como se fosse do nada. A atitude contagiou muitos outros e pouco a pouco a hinchada se organizou para recuperar as origens do clube. Machas, protestos, bandeiraços. Era comum 100 mil pessoas caminharem rumo ao Palácio de Justiça e à Embaixada da França para reivindicar o retorno. A pressão aumentou e resultou na vitória parcial de 15 de dezembro de 2012. Só havia um problema. Faltava um acordo final entre clube e hipermercado.

Esqueçam que o Carrefour foi simpático à ideia. Não foi e nunca seria. Contudo, as marchas continuaram e surgiu algo novo. Retaliação comercial ao supermercado passou a ser uma arma. O ódio ao estabelecimento previa manifestações constantes no seu entorno. Além disso, o verdadeiro torcedor cuervo não voltaria a comprar no Carrefour até o dia em que o acordo final ocorresse. Um inferno.

Na essência do tal acordo final estava o seguinte. O Ciclón ganharia suas terras de volta. Mas o hipermercado só sairia de lá quando algum tipo de indenização fosse oferecido ao estabelecimento francês. Nada disso parecia viável, já que somente nos dias atuais o Sa Lorenzo vislumbra a redução de suas dívidas históricas. Contudo, após o incansável tormento dos torcedores, finalmente o Carrefour cedeu às pressões e sinalizou com um acordo. As tratativas voltaram e no dia de hoje uma conferência de imprensa anunciará a volta do Ciclón a Boedo.

No anúncio, dirigentes de ambas instituições darão detalhes do acordo. Mas ele prevê que o Ciclón pagará a taxa simbólica de 15 milhões de pesos (4,2 milhões de reais). Além disso, um supermercado modesto será erguido no local, algo bem menor do que é o estacionamento atual do hipermercado. Um estádio será construído no mesmo local onde antes havia o lendário Viejo Gasómetro. Será uma arena multiuso, moderníssima. Contudo, a direção do clube disse que o projeto prevê a construção de vários espaços coletivos comunitários. É uma forma da instituição devolver aos seus torcedores um pouco do grande presente que eles conseguiram para o clube. Nos bastidores, argumentam que é forte a possível ajuda do Papa Francisco para a construção da nova arena.

É o fim do sofrimento. Tudo indica que novas marchas ocorrerão por parte da torcida azulgraná. Só que elas serão para festejar. Mais do que nunca um certo canto será ecoado pelos fanáticos torcedores. Um canto que se resume em: “Señores yo soy de un barrio, barrio de corazón, señores yo soy de Boedo y soy hincha del Ciclón”.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dois × 2 =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.