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Elementos em comum entre Boca, River e… Real Madrid

Di Stéfano, além de mito no River e no Real Madrid, como técnico tem um feito ofuscado: ainda é o único campeão argentino por Boca e River

O anticlímax marcará inegavelmente a final da Libertadores de 2018. Mais de uma vez: se a primeira decisão foi adiada em um dia pelas chuvas, a segunda foi postergada de modo muito mais amargo. Nos 29 confrontos passados entre Boca e River por competições internacionais (25 pela Libertadores, dois pela Supercopa e dois pela Sul-Americana), só uma vez La Bombonera ou o Monumental não foram usados e ainda assim a partida ocorreu em Buenos Aires – com seu estádio em obras para a Copa do Mundo, o River mandou o 0-0 no estádio do Huracán. Fato consumado o Superclásico do milênio ocorrer no Santiago Bernabéu, resta relacionar a dupla ao anfitrião. História com três protagonistas, além de dois brasileiros coadjuvantes.

Quem esteve no trio

Falar de um argentino no Real Madrid é lembrar de Alfredo Di Stéfano. No River, despontou em 1947, já no terceiro ano como profissional (fora reserva de um único jogo em 1945 e passara 1946 emprestado ao Huracán), como o letal artilheiro do campeonato argentino – e campeão. Mas foi no Eldorado Colombiano, para onde fugira em 1949, que deixou de ser apenas La Saeta Rubia para virar um jogador completo, disputado a tapa por Real Madrid e Barcelona em 1953. O time da capital negociara-lhe diretamente com o Millonarios de Bogotá, embora formalmente o centroavante ainda pertencesse ao River.

Di Stéfano não foi o primeiro hermano merengue, mas foi o jogador que transformou Chamartín. Os blancos vinham de jejum superior a duas décadas em La Liga e nem mesmo em sua cidade eram o time mais vencedor, e sim o Atlético. O resto foi história: um recorde de cinco títulos seguidos na Liga dos Campeões seguido por iguais cinco títulos seguidos no Espanholzão (algo jamais superado), sequência esta que contou com Alfredo nas quatro edições iniciais da série.

A trajetória é tão gloriosa que ofusca uma outra estatística incrível, já como treinador: Di Stéfano é o único campeão argentino por Boca e River. Virou xeneize em 1969 e, embora tenha sido eliminado pelo rival na semifinal do Torneio Metropolitano, sorriu por último: primeiramente, ganhou a primeira edição da Copa Argentina, sobre o Atlanta. Mas, sobretudo, armou uma grande equipe vencedora do Torneio Nacional, na única vez em que o Boca foi campeão argentino em um Superclásico dentro do Monumental. O rival era justamente o concorrente direto pela taça na última rodada, mas era obrigado a ganhar. Não superou o 2-2.

O ex-craque dali rumou de volta à Espanha para dirigir o Valencia. Regressou à Argentina para substituir no River seu ex-colega Ángel Labruna, então o técnico mais vitorioso de Núñez mas em fim de ciclo em 1981. Aos trancos e barrancos, Di Stéfano venceu outro Torneio Nacional, em campanha acidentada que só engrenou nos mata-matas, após risco sério de eliminação na fase de grupos. Ainda assim, o currículo serviu para que iniciasse sua primeira passagem como técnico do Real Madrid. Mas já não teria o brilho de outrora dali até 1984, nem em seu retorno ao Boca no ano de 1985 e em nova volta ao Real em 1990.

O defensor Ruggeri foi campeão e jogador de seleção nos três (e no San Lorenzo!)

Um dos colegas de Di Stéfano naquele Real Madrid penta europeu foi outro argentino, o correto goleiro Rogelio Domínguez, importado em 1957 do Racing e da Argentina campeã da Copa América. Em 1962, voltou à Argentina para defender o River, que imaginava que seria desfalcado de seu ídolo Amadeo Carrizo para a Copa do Mundo. Carrizo esteve nos treinos, mas, traumatizado por ter sido bode expiatório da eliminação em 1958, desistiu. Mesmo reserva, Domínguez, ausente na Suécia por jogar no exterior (era o que ocorria na época), acabou indo ao Chile como millonario. Jogaria muito pouco em Núñez, em função da Copa e por concorrer com o mito depois.

Após pendurar as luvas no Flamengo, Domínguez iniciou uma carreira de técnico pouco vitoriosa, mas elogiada. Era daqueles técnicos boleiros, preparando seus elencos mais com peladas do que com ensaios táticos. Seu Boca, clube que treinou de 1973 a 1975, segue bastante apreciado pelo bom futebol, embora falhasse nos momentos decisivos – também não lhe ajudou ser sucedido logo por quem ergueria as primeiras Libertadores e Mundial xeneizes (além de bater o River na única final entre ambos no século XX), Juan Carlos Lorenzo.

Ainda assim, ao deixar o clube Domínguez era o segundo técnico com mais jogos no Boca, abaixo de Mario Fortunato, sendo depois ultrapassado pelo “maestro” Oscar Tabárez, pelo próprio Lorenzo e pelo recordista atual, Carlos Bianchi – de modo que o ex-goleiro, dos treinadores sem títulos na Casa Amarilla, é quem mais esteve no cargo.

O outro a trabalhar no trio foi o zagueiro Oscar Ruggeri, que colecionou desafetos na carreira, todos eles com críticas convergindo no sentido de que era menos caudilho do que aparentava. O incontestável é que El Cabezón era muito pé-quente: não foi o único a jogar pelo trio da capital (Boca, River e San Lorenzo), coisa que até o caneleiro pai de Gonzalo Higuaín (Jorge Higuaín, outro zagueiro) também conseguiu. Mas só Ruggeri  defendeu a seleção vindo dos três (e ainda pelo Vélez também) e só Ruggeri foi campeão nos três. Falamos aqui.

Revelado no Boca, Ruggeri participou do maradoniano Torneio Metropolitano de 1981, único título argentino do clube entre 1976 e 1992. Mas a própria vinda de Maradona sob empréstimo em dólares do Argentinos Jrs levaria o clube à quase bancarrota em 1984, com os desmandos econômicos da ditadura e a derrota nas Malvinas tendo valorizado a moeda ianque em 240%. O Boca esteve muito perto de fechar (era nesse contexto que Di Stéfano voltara como técnico, em 1985) e, com salários atrasados, o zagueiro forçou transferência ao River junto com a outra estrela do elenco, um certo Ricardo Gareca.

Os brasileiros: tanto Didi (no Real, com Di Stéfano; pelo River, o jogador inferior à esquerda é Oscar Más) como Iarley ficaram mais reconhecidos no futebol argentino

A traição pesada demais fez dele uma eterna persona non grata entre os auriazuis, sobretudo pelo que viria depois: o River ainda não tinha Libertadores e Mundial, jejum quebrado em alto estilo em 1986, ao se tornar o primeiro time argentino a faturar a tríplice coroa. Ruggeri fez parte desse ciclo, chamando assim atenção europeia. Desembarcou na Espanha primeiramente no Logroñés, virando madridista para a temporada 1989-90, a última do segundo pentacampeonato espanhol seguido do clube e do torneio. Só deixou o Bernabéu por estar lesionado após a Copa de 1990 e o clube não querer desperdiçar a vaga de estrangeiro em tempos pré-Lei Bosman e passaporte comunitário.

Quem defendeu Boca e Real Madrid

Di Stéfano não foi o primeiro argentino do Real Madrid, posto que cabe aos irmãos Sotero e Eulogio Aranguren, dupla dos anos 1910 que cresceu já na Espanha. E Di Stéfano tampouco foi o primeiro jogador formado ainda no futebol argentino que seria adquirido pelos merengues. A honra coube ao ponta-direita Manuel Rocha, ainda que ele já estivesse na Europa quando foi contratado. Rocha fora revelado no Gimnasia LP e esteve rapidamente no Boca entre julho e novembro de 1938, sem encantar: fez só 18 jogos e um gol. Passaria depois pelo Brasil (jogou no Vasco) e os espanhóis contrataram-no como partícipe do único título português do Belenenses, em 1946.

Em Madrid, Rocha faturou a Copa do Rei de 1947 – na época, denominada Copa do Generalíssimo. Não era pouco, em tempos de vacas magras por Chamartín, em que o time do regime do tal Generalíssimo era o Atlético. Já os próximos na lista foram ambos jogadores do Boca e técnicos do Real. Primeiramente, houve o caso do meia-direita Luis Carniglia, que não teve muita sorte: defendeu o clube de 1936 e 1941, mas inicialmente concorreu com Francisco Varallo (maior artilheiro profissional do time no século) e depois com outro ídolo bostero, Pío Corcuera, só realizando oito jogos na única campanha campeã argentina, em 1940. Ainda assim, fez razoáveis 46 gols em 113 jogos, só saindo após gravíssima lesão em que fraturou perônio, tíbias e teve a perna encurtada, contra o Rosario Central.

A carreira pôde seguir por times menores e até mesmo no futebol francês, onde pendurou as chuteiras no Nice para ali mesmo começar a de treinador, na época dourada do time mediterrâneo. Assim, apareceu no Real Madrid em 1957, ganhando duas Ligas dos Campeões do ciclo do penta madridista, em 1958 e 1959. Rumou dali ao rico futebol italiano e foi sucedido nos merengues por Manuel Fleitas Solich. Este fora um dos marechais do futebol paraguaio na primeira metade do século XX, rumando ao Boca ainda antes da oficialização do profissionalismo. Era um dos pilares do time fortíssimo apreciado entre 1927 e 1931.

Após um trivice seguido, o Boca foi bi seguido, precisamente no último campeonato amador a ter os principais clubes (em 1930) e o primeiro do profissionalismo, embora as lesões impedissem assiduidade do volante nessa taça. El Brujo seria ainda mais reconhecido como técnico, sobretudo após obter para o seu Paraguai a primeira conquista na Copa América, em 1953. Faturou em seguida o segundo tri estadual da história do Flamengo, credenciando-se a trabalhar no Real Madrid na temporada 1959-60, embora não tenha ficado até o fim da vitoriosa Liga dos Campeões (concluída já sob Miguel Muñoz).

Carniglia não se firmou no Boca, mas treinou o Real em dois títulos na Liga dos Campeões. Guerini foi jogador de seleção como xeneize e tri espanhol como merengue

Os nomes seguintes a terem trabalhado por Boca e Real foram precisamente Di Stéfano e Domínguez. Cronologicamente, quem os sucedeu foi o ponta-esquerda Carlos Guerini, verdadeira lenda do futebol cordobês. Revelado no quinto grande de Córdoba, o General Paz Juniors, Guerini seria ídolo na dupla principal local, Belgrano e Talleres. Ainda como jogador belgranense, chamou a atenção do Boca, seu clube de janeiro a julho de 1973. Nesse período, ele e os demais comandados de Domínguez foram os vices do grande Huracán de César Menotti.

Um único semestre no Boca lhe bastou para que estreasse na seleção, mas a subsequente ida ao Málaga o tirou do radar da Albiceleste para a Copa de 1974. Por outro lado, ela pôs El Chupete Guerini em outro radar: em 1975, virava madridista por quatro temporadas, sendo campeão espanhol em três. Mas naqueles tempos ir à Europa mais atrapalhava do que ajudava e Guerini ficou igualmente de fora da Copa de 1978; em 1979, virou então jogador do Talleres, assim como Alberto Tarantini, campeão da Copa de 1978 que havia ido ao Birmingham City ao fim do mundial, mas aportara em La T sob a declaração plausível na época: a de que a liga regional cordobesa importava mais que campeonatos nacionais europeus para seguir na seleção.

O sucessor de Guerini foi o já citado Ruggeri, por sua vez sucedido por um brasileiro. Isso se considerarmos o Real Madrid B, pelo menos. Em 1995, o Castilla incorporou um trio tupiniquim, com a revelação colorada César Prates, o obscuro maranhense Júnior (que se chamaria Alício Sila Pinta) e outro do futebol nordestino, Iarley. O cearense passou dois anos na filial, chegando a ser colega de Esteban Cambiasso e de Samuel Eto’o. Em jogos de terceira divisão, chegou a experimentar um dérbi com o time B do Atlético, além de enfrentar times principais de Albacete e do Villarreal pré-Submarino Amarillo. Seu único gol foi sobre o Écija.

Iarley não foi aproveitado pelo time principal e, após passagens por Ceuta (o time hispano-africano, não o Celta) e Melilla, voltou ao Ceará. Já tinha 29 anos quando deu o salto da carreira, se destacando pelo Paysandu na Libertadores de 2003 ainda antes do célebre gol da vitória sobre o Boca em La Bombonera. Mas foi esse lance e o restante do desempenho naquela partida que chamaram a atenção xeneize. Os paraenses caíram apesar do triunfo, os argentinos foram campeões e recrutaram o quase-algoz. Em um ano de Boca, Iarley marcou golaço em Superclásico, vazou os também grandes Racing e San Lorenzo e foi decisivo no último Mundial ganho pelos argentinos: foi aproveitando rebote de Dida em chute do meia que Matías Donnet fez o gol auriazul sobre o Milan.

Aquela vitória do Paysandu foi uma sensação pois pôs o Boca à beira de uma eliminação para um modesto clube brasileiro pela Libertadores quando grandes tupiniquins vinham sendo eliminados em série na competição, ocorrendo isso duas vezes a Palmeiras e outra sobre o Vasco entre 2000 e 2001. Os bosteros foram bicampeões seguidos nesses anos, voltando a conquistar La Copa após hiato de 22 anos. Na reconquista em 2000, o zagueirão Walter Samuel foi não só um muro defensivo como também um providencial talismã na semifinal, marcando nos minutos finais o gol de honra que serviu como dramático gol da classificação contra o América mexicano.

Samuel e Gago não cumpriram a expectativa na Espanha. No Boca, são ídolos intocáveis

Antes, Samuel já havia brilhado no ciclo de 40 jogos invictos pelo campeonato argentino (ainda um recorde no profissionalismo) que embalaram o bi nacional seguido entre 1998 e 1999, encerrando outro jejum de 22 anos do Boca – este, de bicampeonatos nacionais. Após a Libertadores 2000, o zagueiro foi à Roma ser de imediato campeão italiano, chegando com moral a Madrid para solucionar o ponto fraco que os merengues sentiam em 2004: a defesa. Porém, o argentino não se deu bem e faria um feliz troca para a Internazionale.

O último a defender Boca e Real Madrid foi justamente o primeiro que os blancos contrataram diretamente da Casa Amarilla: o volante Fernando Gago, apontado como sucessor do ídolo madridista Fernando Redondo. Fazia sentido na época, em que a desenvoltura elegante de Gago encantava uma torcida não exatamente acostumada a volantes técnicos. Se o Boca estava ausente da Libertadores, ganhou tudo o que estava ao alcance entre 2004 e 2006: um bi argentino e um bi na Sul-Americana que viraria também um bi na Recopa. Gago chegou ao Real no início de 2007 para uma estadia de cinco anos. Esteve no último bi seguido merengue em La Liga, mas não cumpriu as expectativas geradas, atrapalhado também pela fragilidade física. Atualmente é opção de banco no Boca.

Quem defendeu River e Real Madrid

Talvez por herança de Di Stéfano, as interseções entre os millonarios e o clube da realeza sejam maiores. O mito-mor do madridismo foi justamente o primeiro a jogar em ambos. Seu sucessor fez o caminho inverso, sendo um espanhol a jogar no campeonato argentino: José García Castro, mais conhecido pelo apelido Pepillo. Revelado pelo Sevilla, cumprira um bom papel no Real Madrid entre as temporadas 1959 e 1961, quando o time encerrou seu penta europeu para engatar o penta espanhol. Assim, foi contratado com pompa em prol do fútbol espetáculo desejado pelo River para 1961.

O atacante não passou vergonha: enfrentando o próprio Real já pelo River, participou da vitória millonaria por 3-2 em amistoso travado em 14 de junho de 1961, encerrando oito anos de invencibilidade merengue contra estrangeiros no Bernabéu. Após uma bela pré-temporada, rendendo também triunfos sobre Juventus e Napoli na Europa, porém, o clube não engrenou na liga argentina. Ficou só em 3º, longe de ameaçar o campeão Racing, mas o espanhol fez sua parte – foram sete gols, incluindo sobre cada um dos outros quatro grandes (e, por conseguinte, no Superclásico). Porém, voltou a seu país para defender o Real Mallorca.

Rogelio Domínguez foi o nome comum seguinte e, após ele, o do uruguaio Enrique Fernández Viola. Ex-jogador e ex-treinador do Barcelona, fora ele o técnico campeão espanhol de 1953-54, encerrando jejum de décadas do Real Madrid em La Liga, embora não tenha permanecido para o ciclo europeu. Ex-jogador também do Independiente nos anos 30, Fernández voltou à Argentina em 1961, inicialmente no Gimnasia LP. Apareceu no River em 1963. Esteve muito perto do título, mas o clube perdeu a liderança na penúltima rodada, exatamente em derrota no Superclásico em pleno Monumental, e veria a taça ficar com o Independiente. O uruguaio fugiu ao futebol chileno.

O espanhol Pepillo e Wolff: títulos, só em Madrid

Depois, foi a vez do outro brasileiro dessa listagem. Eleito melhor jogador da Copa de 1958, Didi desembarcou com pompa em Madrid, mas não se ambientou nos campeões europeus (Di Stéfano sempre desmentiu que o teria boicotado) e já em 1960 estava de volta ao Botafogo. Como treinador, classificou o Peru na Copa de 1970 eliminando no caminho a Argentina dentro de La Bombonera. Não havia como chamar mais a atenção e após o mundial trocou de Banda Roja, assumindo um River em jejum desde 1957. O brasileiro não conseguiu solucionar a seca, mas foi bastante reconhecido pelo bom futebol e por dar a primeira chance a diversos jovens que, amadurecidos, encerrariam a estiagem já em 1975.

Um dos jovens treinados por Didi, porém, não ficaria até 1975. Foi o atacante Eduardo Anzarda. Mesmo sem jamais estourar em Núñez, em 1971 foi incorporado pelo Real Madrid, ficando por duas temporadas. Ganhou uma liga, mas foi em outro clube de realeza que teria luz própria: no Betis, além de vencer a segunda divisão em 1974, ganhando em 1977 a primeira Copa do Rei do time andaluz. Já o ponta Oscar Más também não brilhou como blanco, vivência que teve apenas na temporada 1973-74, exatamente a única vencida pelo rival Barcelona entre 1960 e 1985.

Porém, remanescente desde 1964 de tantas decepções do River, Más pôde em seu retorno ao Millo saborear veterano, em 1975, o fim em dose dupla do jejum que perdurava desde 1957. Más é o segundo maior artilheiro riverplatense e, já aposentado, fez o gol do surpreendente título argentino na Copa Pelé, em 1987. Enquanto Más fazia sua única temporada pelo Real Madrid, o defensor Enrique Wolff fazia a sua única pelo River. Cria do Racing campeão de tudo em 1967 (não a ponto de entrar em campo nos títulos), Quique trocou Avellaneda por Núñez em 1973, indo à Copa de 1974. Após o mundial, acertou com o futebol espanhol, inicialmente com o Las Palmas. Em Madrid, esteve de 1977 a 1979, ganhando o título espanhol nas duas temporadas.

Após Wolff, o millonario madridista seguinte foi Ruggeri, sucedido por Santiago Solari. O volante-esquerdo foi profissionalizado no River (onde nos anos 60 jogara seu tio, Jorge Solari, da Copa de 1966) pouco após a Libertadores de 1996 e logo se firmou, participando do último time tri seguido no campeonato argentino e do elenco campeão da Supercopa 1997 – último troféu internacional do River até 2014. El Indiecito foi comprado pelo Atlético de Madrid em 1998 e como colchonero estreou pela seleção, mas também foi rebaixado em 2000. Precisando de dinheiro, o Atleti não se inibiu em vender o argentino ao rival, que veria a melhor fase de Solari.

Solari, atual treinador merengue, e Cambiasso em pé com Luís Figo em 2003

Solari passou meia década no Bernabéu, ganhando La Novena como titular, embora não conseguisse espaço na seleção para a Copa de 2002 dali a umas semanas. Com a intensificação da primeira Era Galáctica, perderia terreno e acompanhou Samuel rumo à Inter em 2005. Em 2018, apareceu como técnico interino madridista, efetivado após se tornar o primeiro comandante merengue a ter quatro vitórias nos quatro primeiros jogos. Quando ainda era jogador blanco, Solari foi colega de Esteban Cambiasso. El Cuchu foi contratado do Argentinos Jrs ao pintar como um supercraque no Mundial Sub-20 de 1997, mas foi seguidamente amadurecido no time B e depois emprestado ao Independiente.

Em 2001, o empréstimo de Cambiasso foi redirecionado ao River, onde foi figura ativa nos campeões do Clausura 2002, com direito a gol em um 3-0 sobre o Boca dentro da Bombonera. Esse título enfim convenceu o Real a trazer-lhe de vez ao time principal – embora não necessariamente na titularidade. Assim, em 2004 ele antecipou a horda dos merengues que seriam melhor valorizados na Inter de Milão. No River campeão de 2002, o volante havia sido colega do atacante Juan Esnáider, que, em declínio, pouco contribuiu ao título. Dez anos antes, Esnáider era uma promessa do Ferro Carril Oeste apostada pelo Real Madrid.

Sem ser aproveitado, foi repassado em 2003 ao Real Zaragoza, onde triunfou com títulos na Copa do Rei, na Recopa Europeia, gols reiterados sobre o trio Real, Barça e Atlético e a estreia na seleção argentina. Assim, em meados de 1995 ele voltou à capital, mas fracassou. Foi ao rival Atlético antes de Solari fazer o caminho inverso. No caso de Esnáider, a troca também foi positiva, anotando 21 gols na temporada e só deixando os rojiblancos por desavenças com a comissão técnica. Manteve boa fase no Espanyol em seguida, cavando mais alguns jogos pela seleção e transferência à Juventus, onde começaria sua decadência embora ainda tivesse nova passagem redentora pelo Zaragoza em 2000. No River, só ficou ao longo do ano de 2002 mesmo.

O nome seguinte, curiosamente, viu seu lugar ao sol também no Zaragoza. Foi o uruguaio Carlos Diogo, que esteve primeiramente no River uruguaio mesmo (onde se formara) antes de o argentino adquiri-lo do Peñarol em 2004. O defensor esteve por uma temporada sem títulos em Núñez, mas o Real enxergou potencial e o levou. Em dois anos, Diogo não conseguiu espaço e assim foi pela primeira vez negociado com o Zaragoza. Seu sucessor foi Gonzalo Higuaín. Produto da base do River, pegou um período sem títulos que o clube viveu entre 2004 e 2008, mas fez-se notar sobretudo na Libertadores de 2006. Em dezembro daquele ano, estava negociado e foi ao Real junto com Gago.

Antes de virar sinônimo de grande atacante que definha em finais, Higuaín teve outra imagem: a de grande atacante despintado por Florentino Pérez por renome menor que contínuos reforços midiáticos que o presidente buscava. Pois de fato El Pipita chegou a fazer mais gols até do que Cristiano Ronaldo na temporada 2009-10 e tinha média superior à de Karim Benzema (para não falar em Emmanuel Adebayor). Calhou de sair em 2013, justo antes do clube reconquistar a Liga dos Campeões. Em meados de 2007, ele e Gago receberam outro argentino: Javier Saviola, que foi um jogador entre 1998 e 2003 e outro depois.

Saviola e Higuaín: mais prestígio em Núñez, embora campeões nos dois

El Conejo apareceu com tudo no River e, após estrelar o título mundial sub-20 em 2001, foi negociado com o Barcelona. Por um clube em crise e que até teve algum risco de rebaixamento em 2003, o argentino foi importante, embora por alguma razão Marcelo Bielsa visse mais valor em Claudio Caniggia para a Copa 2002. Paulatinamente, Saviola foi tornando-se um atacante comum e em 2007 saiu diretamente do Barça para o maior rival, sem grande escândalo na Catalunha. Não conseguiu demonstrar erro por parte dos blaugranas, jogando pouquíssimo em dois anos. Em 2015, reapareceu no River campeão da Libertadores, mas sem ser a sombra do pibe destruidor da virada do século.

Em meados de 2007, enquanto Saviola chegava a Chamartín, Rolando Zárate aparecia em Núñez. Irmão mais velho de Mauro Zárate, hoje na reserva do Boca, Roly, como Maurito, é produto do Vélez. Estreou no time principal velezano em 1997, apareceu esporadicamente nos campeões sob Marcelo Bielsa em 1998 e na temporada 1999-2000 esteve emprestado ao clube espanhol – figurando tanto pelo Castilla como no principal. Não se firmou e após uma sucessão de outros empréstimos voltou ao Vélez para ser campeão com o irmão em 2005. Vendido ao futebol mexicano, Roly Zárate apareceu rapidamente no River emprestado pelo Monterrey.

Por fim, um chileno. Após levar o San Lorenzo a seu primeiro título internacional na Copa Mercosul de 2001, Manuel Pellegrini foi o nome escolhido para suceder o histórico Ramón Díaz como técnico millonario. Pôde ganhar o Clausura 2003, festejado na época como o 30º título argentino do River, rumando ao emergente Villarreal para iniciar uma respeitada carreira europeia. Após diversas campanhas de destaque no Submarino Amarillo, teve a grande chance no Real Madrid dos recém-chegados CR7, Kaká e Benzema da temporada 2009-10. El Ingeniero obteve 96 pontos em La Liga, então um recorde no clube, mas calhou de o Barcelona ser ainda mais espetacular e campeão. José Mourinho foi a resposta de Florentino Pérez e Pellegrini teve de se contentar com o Málaga.

Boca x Real, River x Real

Dos finalistas da Libertadores, o primeiro a conhecer Madrid foi o Boca, na primeira visita de um time argentino à Europa. Foi em 1925 e os xeneizes ganharam de 1-0 mesmo em Chamartín, inaugurando uma escrita: os merengues são precisamente a única equipe que os auriazuis ganharam em quatro continentes diferentes. O gol foi Camilo Pozzo e um de seus colegas foi o ponta-esquerda Dante Pertini, tio de Di Stéfano. Dentro de Buenos Aires, os espanhóis deram o troco em 1927 (2-1, dois gols de José Gurucharri para os visitantes, com desconto de Domingo Tarasconi, artilheiro das Olimpíadas de 1928; emprestado pelo Osasuna, o veloz Gurucharri, que tinha medalhas no atletismo, por vezes é referido como Guruchegui).

Em 1964, os argentinos devolveram esse placar em amistoso no Marrocos; ex-River, Norberto Menéndez abriu o placar aos 7 e aos 12 Ferenc Puskás já empatava, mas a 15 minutos do fim Juan Carlos Rulli fez o da vitória. Uma semana depois, houve revanche em Cádiz pelo bronze do tradicional Troféu Ramón de Carranza: Real 2-0, gols de Yanko e Francisco Gento. Os encontros eram frequentes e em 1965 rolou um quadrangular dos sonhos: Boca e River travaram a Copa Amistad com Real e o Santos de Pelé, tudo no Monumental. Em jogo válido pelo terceiro lugar, os espanhóis, eliminados mesmo sem perder para o River, ganharam do Boca por 3-1.

Observado pelo colega Pepillo, o brasileiro Roberto Frojuello abre o placar em 1961 no 3-2 no Bernabéu, onde o Real não perdia havia 8 anos para estrangeiros. Fez outro também

Ramón Grosso abriu o placar, mas o jogo pegou fogo nos dez minutos finais, espaço em que Puskás ampliou, Alfredo Rojas descontou e Puskás fez mais um. Nessas três partidas, um desconhecido brasileiro defendeu o Boca: Ayres Moraes, irmão de Almir Pernambuquinho. Em 1966, houve reencontro no Marrocos em circunstâncias curiosas: após prevalecer o 1-1 no tempo normal (Pirri para o Real, Alfredo González para o Boca), tudo se decidiu em pênaltis peculiares, pois um mesmo jogador os cobraria. Gento acertou três para os espanhóis, enquanto o encarregado argentino era César Luis Menotti, que só converteu dois.

Depois, vieram dois jogos pela amistosa Copa Ibero-Americana em maio de 1994: na capital espanhola, o goleiro Carlos Navarro Montoya foi expulso com três minutos e os anfitriões abriram 3-0 (um de Fernando Hierro e dois de José Luis Morales), descontado para 3-1 nos cinco minutos finais por Carlos Mac Allister. Em La Bombonera, os argentinos abriram 2-0 com Rubén da Silva e Alberto Naveda. Levariam o troféu, mas a quinze minutos do fim o Real descontou com Luis Milla. Ainda assim, o 2-1 representou, enfim, um triunfo xeneize em casa. O jogo seguinte entre Boca e Real, o último, foi precisamente o do quarto continente diferente, agora pelo Mundial: em cinco minutos de jogo, Martín Palermo já havia feito dois gols. Os espanhóis descontariam cedo também aos 11, com Roberto Carlos, mas não iriam além.

Já o primeiro duelo entre River e Real ocorreu em 23 de dezembro de 1951, em movimentado triunfo argentino por 4-3 em Chamartín (Luis Molowny e duas vezes Pahiño para os anfitriões, Santiago Vernazza, Walter Gómez e duas vezes Juan José Pizzuti para os vencedores). Em 1958, o Real já era outro, já reforçado com Di Stéfano, e fez excursão pelo Rio da Prata. Jogando no Monumental, ganhou de 1-0 – curiosamente, gol de outro argentino, Héctor Rial, e em tarde na qual os anfitriões usaram camisa rubro-negra à la Newell’s. O tira-teima seguinte foi aquele 3-2 millonario para encerrar a invencibilidade madridista de oito anos no Bernabéu contra estrangeiros. Curiosamente, os três gols da vitória foram de brasileiros, um de Delém e dois de Roberto Frojuello.

Aquele 3-2 teve duas viradas e Di Stéfano fez valer a lei do ex duas vezes e quase rendeu transferência do goleirão Amadeo Carrizo, proposta em pessoa pelo presidente madridista Santiago Bernabéu, mas negada pelo presidente millonario Antonio Liberti – os “dois estádios”. Veio o duelo pela Copa Amistad em 1965, cujo 0-0 no Monumental em 8 de agosto, em caráter semifinal, pôs na decisão o River (derrotado pelo Santos na final). Ainda haveria outros dois duelos no espaço de um mês, começando por um 1-1 em Caracas no dia 25, no qual os argentinos empataram com gol de Jorge Solari, tio do atual comandante blanco, o placar aberto por Juan Agüero. Em 1º de setembro, agora no Bernabéu, triunfo anfitrião por 3-1 em amistoso-tributo a seu ídolo Gento. Ele, Grosso e Pirri marcaram os gols vencedores, com desconto argentino de Luis Artime.

Em 1973, um amistoso de pré-temporada para apresentar o elenco merengue terminou com novo 3-1 espanhol, de virada: Norberto Alonso fez o primeiro gol e no finzinho do primeiro tempo Santillana teve validado gol em que a bola não teria passado da linha, surtindo efeito intimidação no árbitro. Pirri e Ico Aguilar viraram no segundo tempo. Em 1994, o amistoso já foi de pós-temporada mesmo. Em Mendoza, o primeiro tempo ficou no 1-1, gols de Iván Zamorano e Alejandro Ojeda, mas o segundo viu goleada visitante: Robert Prosinečki, Zamorano de novo e Dani anotaram o 4-1.

Festa em Tóquio: Martín Palermo e os gêmeos Guillermo e Gustavo Barros Schelotto (atual dupla técnica do Boca) comemoram o Mundial de 2000 sobre o Real

Por fim, os comandados de Manuel Pellegrini caíram por novo 3-1 em setembro de 2003, no Bernabéu. O amistoso celebrava os 50 anos da contratação de Di Stéfano pelos espanhóis, que começaram usando seus Galácticos mas só movimentaram o placar com reservas. Santiago Solari abriu o marcador contra o ex-clube e Javier Portillo fez dois para ampliar, descontando no fim Lucho González.

Boca x River no exterior

Se somente um jogo em 29 já realizados entre Boca x River por competições sul-americanas foi em campo diverso da Bombonera e do Monumental, Superclásico no exterior não é novidade. Foram cinco, todos amistosos, e nunca fora das Américas até esse domingo. Três delas, as primeiras, foram na vizinha Montevidéu: o Centenário recebeu um Boca 5-2 no penúltimo dia de 1955. O Millo abriu o placar com Walter Gómez aos 5 e já aos 6 Carlos Etcheverry empatou. Norberto Menéndez repôs La Banda Roja à frente aos 12 e aos 33 El Atómico Mario Boyé começou seu show, marcando os quatro gols seguintes do jogo.

Em fevereiro de 1978, o River deu um troco por 2-0 (dois gols do ídolo Norberto Alonso), revertido pelo Boca em fevereiro de 1984 (gols de Ricardo Gareca e Omar Porté). Depois, a dupla experimentou a América do Norte. No Orange Bowl de Miami, os millonarios ganharam por 2-1 em junho de 2002, três dias após a seleção cair na Copa do Mundo. Nicolás Burdisso abriu o placar, mas foi expulso ainda aos 28 minutos. O rival arrancou uma virada-relâmpago aos 44 e 45 do segundo tempo, gols de Matías Lequi e Juan Pablo Raponi. Por fim, 31 de maio de 2014 viu um empate em 1-1 na Cidade do México, no templo do estádio Azteca, gols de Daniel Villalva e Claudio Riaño. Valia o Troféu BBVA, banco que patrocinava ambos, e nos pênaltis, deu River 4-2.

Confira abaixo elementos em comum apenas entre Boca e River, publicados em 2013. E, mais abaixo, toda uma coletânea de especiais da dupla argentina, além dos lançados na ocasião de San Lorenzo x Real Madrid no Mundial 2014 e de River x Barcelona no Mundial 2015. 

Futebol Portenho separa coletânea das matérias especiais sobre Boca e River
Elementos em comum entre Boca e River – Parte I
Elementos em comum entre Boca e River – Parte II
Elementos em comum entre Boca e River – Parte III
Elementos em comum entre Boca e River – Parte IV
Elementos em comum entre San Lorenzo e Real Madrid
Elementos em comum entre River e Barcelona

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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