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Há 105 anos, o Racing entrava para a elite argentina

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Juan Ohaco, López, Seminario, Cova, Allan e Winne; Vidaillac, Alberto Ohaco, Firpo, Frers e Perinetti

Se os cinco grandes do futebol argentino são Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo, é consenso que o primeiro deles a justificar o rótulo foi o Racing. O quinteto foi fundado no século XX, de forma que precisou em seus primórdios jogar a segunda divisão do campeonato argentino, criada ainda em 1899. A Academia se destacaria com um heptacampeonato seguido entre 1913 e 1919, até hoje um recorde exclusivo no país e que também encerrou uma era de títulos conquistados somente por clubes da colônia britânica. O primeiro passo se deu com a conquista da segundona de 1910, já com alguns jogadores daquele ciclo histórico. E foi nesse torneio que o clube, que em curto prazo “nacionalizaria” a elite, passou justamente a usar as cores alvicelestes.

Fundado em 1903, o Racing afiliou-se à AFA (na época, AAFL – Argentine Association Football League) dois anos depois. E já havia chegado bastante perto do acesso à elite em 1908. Foi uma segundona histórica pelos nomes envolvidos nos mata-matas finais: o Racing eliminou nas semifinais o Boca, mas perdeu a decisão para o River, que assim se tornou o primeiro dos futuros cinco grandes a chegar à primeira divisão. “Futuros”, pois na época eram equipes humildes, longe do patamar que alcançariam. Falamos desse torneio nesse outro Especial.

Em 1909, a campanha racinguista foi brilhante, mas outra vez o acesso foi perdido, agora para o Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires (que desativaria seu futebol após ser rebaixado em 1917). A glória não escaparia por mais um ano. 1910 marcava o centenário da Revolução de Maio, movimento que desencadeara a independência nacional. Comemorações foram realizadas as montes e inspiraram os membros do Racing a adotar as cores alvicelestes, eleitas em assembleia em 10 de fevereiro.

Desde que se filiara à AAFL, o clube usava uma camisa dividida em quatro quadrados, dois azuis celestes e dois rosados (modelo relembrado no centenário da filiação, em 2005). Na campanha do acesso, também foi usada um conjunto azul marinho com faixa horizontal branca, imortalizado na foto mais famosa dos campeões, que abre a matéria. Esse uniforme também foi reutilizado recentemente. Mas a Blanquiceleste ficaria para sempre.

A campanha foi arrasadora, com somente duas derrotas em 26 jogos, com direito a dois 6-0, três 4-0, um 5-0 e até um 10-0. E mesmo as derrotas renderam boas histórias. Uma foi justamente no clássico com o Independiente, uma rivalidade que existia já havia três anos, desde que o Rojo mudara-se em 1907 para Avellaneda. Juan Hospital fez o único gol do dérbi, mas se apaixonaria pelo rival e passou a jogar no Racing em 1912, a tempo de integrar o heptacampeonato.

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Camisas: Simeone em 2005 com a réplica do uniforme usado de 1905 a 1909; réplica de 2014 da camisa reserva de 1910; e o goleador Ohaco com a alviceleste, utilizada a partir daquele ano

O outro revés foi para o Estudiantes, também pelo placar mínimo. Mas terminou útil para aprender sobre o oponente, contra quem voltou a enfrentar nas quartas-de-final. Em jogo único em campo neutro, os de Avellaneda venceram com gol de Alberto Ohaco. Adiante, eliminaram nas semifinais o Banfield. Depois de um 0-0, venceram no jogo-desempate por 1-0, gol de Pablo Frers. Estes mesmos homens também fizeram os gols racinguistas na final. Foi um reencontro com o Boca, agora pela decisão, naquele 11 de dezembro de 1910 na cancha do Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires.

Quem começou ganhando foram os auriazuis, que ainda usavam faixa diagonal. Aos cinco minutos, Julio Pastor, de pênalti, abriu o marcador para os xeneizes. O experiente Frers, único racinguista que já havia defendido a seleção, em 1905 (ainda como jogador do Belgrano Athletic – que deixou o futebol após rebaixamento em 1916, focando-se no rúgbi) empatou no último minuto do primeiro tempo. Ohaco deu números finais ao virar aos 13 do segundo tempo. Ele, por sua vez, seria o primeiro a defender a Argentina como jogador do Racing, em 1912.

Dentre outros jogadores campeões, destaque a Germán Vidaillac, não só um dos fundadores como quem dera a ideia do clube chamar-se Racing, nome estampado em uma revista francesa que ele possuía. Há até uma ata de 30 de abril de 1904 que o mostra como doador de revistas e que se comprometeria a fornecer também bancos e cabides. I. Oyarzábal foi outro daquela ata (como doador de máscaras) a integrar o acesso, mas o caso de Vidaillac é histórico porque ele chegara a passar ao rival Independiente em 1908. Retornou à casa que ajudara a construir, ainda que não tenha ficado para o hepta.

Frers também não intagraria o hepta. Justamente em 1913, passou a jogar o campeonato de veteranos. Quando parou, era o maior artilheiro do Racing, com 59 gols em campeonatos e 121 no total. Já Ohaco não só esteve em todo o hepta como conquistou ainda um oitavo título, em 1921. Ele é quem passou a ser o maior goleador racinguista, posto que ainda é seu, com 202 tentos. Foi quatro vezes artilheiro do campeonato, seguidas. Só Maradona conseguiu superá-lo nisso, com cinco artilharias. E se Dieguito se notabilizou com um gol de mão, Ohaco fez questão de avisar o árbitro a invalidar um que fizera dessa forma, contra o Estudiantil Porteño.

Ele estava naquele Racing vice para o River em 1908 (como Frers), ano em que chegou à equipe adulta. Mas já estava ligado antes ao clube: Juan Ohaco, pai do centroavante, era encarregado do Mercado de Ganado e foi quem ofereceu instalações e um prédio na esquina das ruas Alsina e Colón para o FC Barracas al Sud funcionar. Barracas al Sud era o nome anterior da cidade de Avellaneda, e um clube de futebol homônimo foi constituído em 12 de março de 1900. Ele deu origem ao Racing ao fundir-se com o Colorados Unidos del Sud, em 1903. Juan Ohaco era o nome também do irmão de Alberto e mais um integrante do acesso.

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Time que venceu a elite em 1913, ainda com integrantes de 1910: Ochoa, Muttoni e Reyes; Betúlar, Olázar, Juan Ohaco e Pepe; Viazzi, Alberto Ohaco, Marcovecchio, Hospital (que era do Independiente) e Perinetti

Outra família presente tanto no vice de 1908 como no acesso em 1910 foi a dos Perinetti. O ponta-esquerda Juan Nelusco Perinetti, como Ohaco, chegou ao Racing naquele 1908, dois anos após fundar o Talleres de Remedios de Escalada (clube hoje decadente, mas um dos fundadores da liga profissional argentina, rival original do Lanús e onde atuava Ángel Bossio, goleiro argentino titular na Copa do Mundo de 1930. Revelou Javier Zanetti). E, também como Ohaco, integrou todo o hepta racinguista, chegando a atuar com o irmão caçula, Natalio (que chegaria a participar da Copa de 1930 também). Era sentimental: foi apelidado de El Llorón, “O Chorão”, por não segurar as lágrimas quando o time perdia. Sorte sua que eram outros tempos do Racing…

Já veterano, Juan voltou para seu Talleres em 1920 e nele também conseguiu o primeiro acesso deste time à elite, em 1925, um ano de festa para os Perinetti: Talleres campeão da segundona com Juan, Racing campeão da elite mais uma vez, com Natalio de capitão. Foi a nona conquista da Academia. Eis por que o Racing se proclama “o primeiro grande”, ainda que o River é quem tenha sido o primeiro a subir (Boca e Independiente só conseguiriam por virada de mesa em 1913, e o San Lorenzo esperaria até 1915). Em 2011, a obra que contou todo aquele período glorioso foi batizada precisamente de La Historia del Primer Más Grande (1898-1931). Ela foi escrita, por sinal, por Luis Fernando Paso Viola Frers, neto de um dos ícones do acesso de 105 anos atrás.

Para saber mais do hepta, confira este outro Especial. Abaixo, a campanha de 1910:

Fase de grupos

1) Ferro Carril Sud (local) 4-0 (E. Firpo 2, P. Frers, J. Perinetti)
2) San Fernando (L) 2-1 (P. Frers, I. Oyarzábal)
3) Platense (visitante) 2-1 (P. Frers, A. Ohaco)
4) Reformer (L) 6-0 (J. Seminario, J. Perinetti 2, P. Frers 2, J. Ohaco)
5) Southern Rangers (L) 6-0 (G. Winne 2, J. Seminario, E. Firpo 2, P. Frers)
6) Criollos de Caseros (V) ganhou por W.O.
7) Independiente (L) 0-1
8) Ferro Carril Sud (V) 4-0 (P. Frers 2, I. Oyarzábal, E. Firpo)
9) Estudiantes (L) 0-0
10) San Fernando (V) 5-0 (P. Frers, A. Ohaco 2, J. Perinetti 2)
11) Criollos de Caseros (L) ganhou por W.O.
12) Estudiantes (V) 0-1
13) Independiente (V) 1-0 (G. Winne)
14) Bernal (L) 3-0 (goleadores desconhecidos)
15) Reformer (V) 2-1 (I. Oyarzábal, J. Perinetti)
16) Olivos (V) ganhou por placar e goleadores desconhecidos.
17) Kimberley (L) 3-3 (P. Frers, E. Firpo, A. Ohaco)
18) Olivos (L) ganhou por placar e goleadores desconhecidos.
19) Platense (L) 2-0 (A. Ohaco. I. Oyarzábal)
20) Southern Rangers (V) ganhou por placar e goleadores desconhecidos.
21) Bernal (V) 10-0 (P. Frers, E. Firpo 2, A. Ohaco 3, J. Perinetti 4)
22) Kimberley (V) 4-0 (P. Frers 2, A. Ohaco, I. Oyarzábal)
Quartas-de-final
Estudiantes (neutro) 1-0 (A. Ohaco)
Semifinal
Banfield (N) 0-0
Banfield (N) 1-0 (P. Frers)
Final
Boca Juniors (N) 2-1 (P. Frers, A. Ohaco)

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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