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Independiente foi vitorioso com Brindisi

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Brindisi entre Garnero e Cagna, após mais um troféu

Para tirar o Independiente do atoleiro rumo a um inédito rebaixamento, o presidente Javier Cantero havia chamado Américo Gallego, último técnico campeão nacional no Rojo. Com a saída de Gallego, Cantero, na mesma esperança, mas provavelmente também para aliviar-se perante torcedores com outro nome de peso, buscou o penúltimo: Miguel Ángel Brindisi acertou sua volta ontem.

Antes do Apertura 2002, vencido sob Gallego, o título nacional anterior mostra a decadência roja: o Clausura 1994. Brindisi não tinha laços com o clube como jogador, não tendo-o defendido (assim como Gallego); passara justamente pelo arquirrival Racing. Ídolo, contudo, ele fora no Huracán e no Boca Juniors, exatamente as grandes vítimas de seu Independiente de quase 20 anos atrás.

Os Diablos ainda se reorganizavam após a aposentadoria, em 1991, de seu ídolo maior, Ricardo Bochini. Mesmo nos tempos deste, porém, já vinham em baixa: nos últimos sete anos com El Bocha em campo, apenas um título (nacional de 1988-89). O plantel, ao menos nas estatísticas, prometia: 1993, sob Pedro Marchetta, tivera um vice no Clausura, 4º no Apertura e 22 jogos invictos. Só que 15 destes foram empates, que valiam só um ponto a menos que a vitória (que valia 2  e não 3). Em alusão ao bom Deportivo Español (hoje, na 4ª divisão) do momento, o Rojo estava tachado de Deportivo Empate.

Como salientou um dos comandados de Brindisi, Ángel Morales, que jogou nos dois rivais de Avellaneda, “a exigência da gente do Independiente vai mais para o lado técnico, do bom jogo; no Racing, prevalece o passional”. Em um nacional de baixo nível técnico, o Independiente de Brindisi empolgou com goleadas na reta final, repetidas internacionalmente no segundo semestre. O Morales mais presente, contudo, foi outro: o goleiro reserva Carlos, com quem Brindisi trabalhara no Barcelona equatoriano.

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Islas, Rotchen, Ríos, Pérez, Serrizuela e Craviotto; López, Cagna, Usuriaga, Garnero e Rambert. Os titulares nos 4-0 sobre o Huracán, na partida do título do Clausura 1994

As outras novidades eram o uruguaio Daniel Vidal, do Peñarol, e uma antiga promessa não-lapidada do futebol colombiano: Albeiro Usuriaga. Presente no primeiro título de seu país na Libertadores (pelo Atlético Nacional de Medellín, em 1989), El Palomo vinha do time B do Málaga e estava de fora da seleção-sensação da Colômbia. Os três somaram-se à equipe-base.

No gol, o capitão Luis Islas, usado na seleção havia dez anos (fora até reserva na Copa de 1986) e que ainda tinha 28 de idade. Nas laterais, o cabeceador Néstor Craviotto, que também vinha jogando pela Argentina, e Guillermo Ríos, último remanescente dos campeões da Libertadores e da Intercontinental de 1984 e que prosseguiria no Rojo até 1998. A dura zaga tinha o firme e temperamental Pablo Rotchen e o veterano José Serrizuela, da Copa de 1990 e apelidado de Tiburón (“Tubarão”).

De volante, Hugo Pérez, reserva do craque Redondo na Argentina e que, embora fosse racinguista, portava-se como um caudilho rojo. Perto, o jovem Diego Cagna, recordado mais como capitão do Boca de Bianchi, o que ofusca que era um competente faz-tudo na meia dos Diablos: também era da seleção na época; e aquele tido como sucessor de Bochini em habilidade, Gustavo López, ainda verde porém: “(Foi) Miguel (quem) me ensinou a me mover do meio para cima para chegar ao gol”, declarou. Chegou a ser sondado pelo Barcelona de Cruijff, mas uma inoportuna lesão teria lhe atrapalhado.

Na frente, quem herdara a 10 de Bochini, o cerebral Daniel Garnero, e a dupla de Usuriaga no ataque, o veloz Sebastián Rambert. Dos reservas, o mais notável era o veterano Ricardo Gareca. O atual técnico do Vélez já havia tido bons momentos na seleção, pela qual jogara vindo tanto pelo Boca quanto pelo River. Fora com gol seu que a Argentina se classificou para a Copa 1986. Outro dele, em 1983, encerrara tabu de 13 anos sem vitórias sobre o Brasil.

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Garnero em disputa contra adversário do Huracán e carregado entre López e Rambert nas celebrações

Como dito, o nível do campeonato foi baixo, e o próprio Independiente, a princípio, não evoluiu muito dos empates: foram dez, mais do que as oito vitórias. Para o vice Huracán, que não tinha um elenco nada excepcional, dez havia sido o número de triunfos – se já valessem 3 pontos, o título seria dele; essa novidade ainda demoraria um ano para ser implantada. O concorrente, contudo, empatou cinco e perdeu quatro, enquanto os de Avellaneda só sofreram um revés.

Os dois se pegaram exatamente na última rodada. O Huracán não era campeão desde 1973, quando Brindisi era um de seus craques (ver aqui). Ainda hoje, o antigo “sexto grande” não quebrou esse jejum, agora nos 40 anos. Comandado por Héctor Cúper, futuro treinador da Internazionale de Ronaldo, o Globo estava um ponto à frente; teria sido campeão na anterior, se o Independiente perdesse em La Plata para o bom Gimnasia y Esgrima dos gêmeos Guillermo e Gustavo Barros Schelotto.

Guillermo fez um gol para o GELP, mas o Lobo foi pulverizado: um de Ríos, um de Pérez, um de Rambert e dois de Usuriaga anotaram o 5-1. Os vice-líderes já vinham de um 1-1 com o Boca na sempre dura Bombonera e de um 4-0 no Banfield e teriam o conforto de jogar a última partida em casa. Não deram chances: 4-0 nos visitantes, com destaque para a bela cobrança de falta de Garnero. Rambert, Corbalán e Gareca completaram. Ainda havia um adicional na conquista: nela, o Independiente se igualava ao Racing em nacionais na soma de amadores e profissionais, com 15 para cada – hoje, 16.

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O artilheiro Rambert marcando o gol do título da Supercopa e os outros atacantes: o falecido Usuriaga, vice-artilheiro dos títulos de 1994, e o veterano Gareca, emocionado no dia em que se aposentou

Pérez e Islas estiveram na Copa do Mundo dos EUA – o goleiro, como titular, em vez do célebre (decadente, é verdade, mas dono da posição na Albiceleste até então) Sergio Goycochea. “(De Brindisi, ficou-me uma) imagem linda. É um técnico sério, capaz e transparente”, afirmou o arqueiro anos depois de ter saído do clube por desentender-se com o treinador que está de volta. Como Miguel, Islas preferiria um concorrente diferente para o Clausura 1994: “Não era a final que eu queria jogar, pois sou torcedor do Huracán. Apesar disso, ali quis ganhar, e ganhei”.

1994 reservou ainda outra taça ao Independiente de Brindisi: a Supercopa, torneio que reunia apenas campeões da Libertadores e que já fora vencido pelo Racing. Era o único troféu relevante que faltava à metade vermelha de Avellaneda. A tática rumo à final foi aguentar a pressão fora e massacrar em casa. Até a decisão, os obstáculos foram brasileiros: 0-1 Santos na Vila Belmiro, depois 4-0; 1-1 Grêmio no Olímpico, depois 2-0; 0-1 Cruzeiro no Mineirão, depois novo 4-0; nada lembrando a equipe pálida que conseguiu a última taça internacional do clube, a Sul-Americana de 2010.

Usuriaga foi o grande nome no caminho à final, sempre marcando contra os brasileiros em Avellaneda; sua não-inclusão pela El Gráfico quando a revista elaborou em 2011 uma edição sobre cem ídolos do Independiente foi escolha das que mais polemizaram para os fóruns de torcedores, visto que o próprio site oficial rojo o elenca entre os 26 da seção “leyendas”. El Palomo iria ao Santos em 1996.

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Rojos de Brindisi celebrando com as taças da Supercopa (esquerda) e Recopa (direita)

Na decisão, o destaque maior foi Rambert, que fez em cada partida contra o Boca (1-1 e 1-0), em revanche da final de 1989, vencida em Avellaneda pelos auriazuis. Rambert, e não Javier Zanetti (do pequeno Banfield), foi a contratação argentina mais badalada da Internazionale em 1995. Com 5 gols na Supercopa e 7 no Clausura, Pascualito havia sido o goleador rojo das taças de 1994.

A relação do clube com Brindisi azedou em 1995. Na temporada 1994-95, o clube ficara abaixo da 10ª colocação tanto no Apertura quanto no Clausura. Ainda houve tempo para reaver o título de Rey de Copas (o grande Milan da época havia ultrapassado os Diablos), ao vencer a Recopa sobre o Vélez, no início de abril. O problema foi, ao final do mesmo mês, ser eliminado pelo mesmo Vélez nas oitavas-de-final da Libertadores, perdendo por 0-3 em Avellaneda; e sofrer pela primeira vez cinco gols do Boca em um só jogo, nos 0-5 na Bombonera pelo Clausura. Não ajudou ter, no mesmo 1995, ido trabalhar no Racing. Quase foi campeão no mesmo ano pelos rivais: foi vice-campeão do Apertura nos blanquicelestes.

Já treinado por Miguel Ángel López, o Independiente venceu a Supercopa de 1995, sobre o centenário Flamengo de Romário. Mas o tempo e a escassez após a passagem de Brindisi o reabilitaram. É bom lembrar, porém, que nos outros ambientes onde já era ídolo antes de ser treinador, não teve êxito: no Boca da temporada 2004-05 (o clube deixou de ir à Libertadores 2006, interrompendo uma série de participações seguidas) e no Huracán entre 2001-03 e 2010-11 (temporadas em que o time caiu).

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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