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Ninguém jogou mais vezes pelo San Lorenzo do que o uruguaio Sergio Villar, que fez 75 anos

Leandro Romagnoli, que deixou o futebol recentemente, se consagrou como o maior campeão profissional do San Lorenzo, com seis títulos em dezesseis anos divididos em duas passagens. Sergio Bismark Villar era exatamente o outrora recordista de títulos, até 2014, e sua estadia no Ciclón durou treze anos (seguidos, no caso dele). Mas segue insuperável na assiduidade. Foram 461 jogos oficiais de El Sapo Villar como azulgrana, bem acima dos 396 do ídolo recente. Ontem o ex-defensor completou 75 anos.

Villar não era um nome conhecido quando chegou no início de 1968 ao bairro portenho de Boedo. O montevideano, então meia-direita, só havia defendido times modestos em seu país – o River Plate uruguaio, o Montevideo Wanderers e o Defensor, sem chamar atenção o suficiente para ser lembrado pela seleção do Uruguai. Assim, custou 10 milhões de pesos ao San Lorenzo, cifra baratíssima para os padrões da época e que não dimensionariam nada do que o uruguaio viria a representar no novo clube.

Curiosamente, a estreia de Villar como azulgrana deu-se contra o San Lorenzo… de Mar del Plata, pela pré-temporada de 1968, em 17 de janeiro (vitória de 3-1 no balneário). O outrora meia-direita foi deslocado pelo técnico brasileiro Tim para a lateral-direita. A partida marcou a estreia dos também ídolos Antonio Rosl e Victorio Cocco. Haveria mais um punhado de amistosos até 19 de fevereiro, todos com Villar de beque direito: 1-1 com o Peñarol e com o Rosario Central, 2-0 no Boca, 3-0 no Gimnasia LP e derrota de 3-2 na revanche do Boca.

Em 3 de março, começou o Torneio Metropolitano. E a novidade firmou-se mesmo na lateral, se apossando do posto que outrora era de Rolando Gramari, há quatro anos no clube. Villar só não esteve em campo entre a 8ª e 13ª rodadas de uma campanha histórica: ali, o San Lorenzo tornou-se o primeiro time campeão argentino de forma invicta no profissionalismo. Com direito a bater por 3-1 na final o Estudiantes recém-campeão da América e que dali a umas semanas seria campeão mundial no Old Trafford, apesar da hostilidade do Manchester United. O técnico Tim exaltou o reforço: “com a chegada de Villar, ganhou na loteria ele, eu como técnico e todo o San Lorenzo também”.

Tim “inventando” Villar de camisa 4 (a do lateral-direito) em 1968 e o uruguaio em um de seus últimos jogos pelo clube, em 1980

Villar não era um lateral ofensivo – em jogos oficiais, foram só seis gols em sua imensidão de partidas. Cumpria na retaguarda o papel atribuído na época aos laterais do futebol platino: marcar o ponta adversário, o que ele fazia com bastante concentração (era raro que perdesse atenção), energia (quando necessário sabia meter a perna como bem ensinado na escola charrua) e alguma ousadia: “entre enviar um cruzamento para o centroavante ou encarar e entrar pelo meio, optava por este. Além de marcar e assustar os pontas, eu também os driblava”, gabava-se.

Apesar do título histórico, naquela época o Metropolitano, embora mais valorizado pelos puristas, não rendia ainda vaga na Libertadores – oferecida ao campeão e vice do Nacional. Em um torneio embolado, o clube ficou numa enganosa 7ª colocação, a quatro pontos dos líderes. Villar só ausentou-se da segunda rodada e manteve a regularidade em 1969: no Metropolitano, só ausentou-se entre a 16ª e a 20ª rodadas, e esteve em todos os jogos do Torneio Nacional, onde o Ciclón terminou a dois pontos do campeão Boca. A seguir, o clube fez uma boa excursão pelo exterior. Em 17 de janeiro de 1970, empatou em 2-2 com o Peñarol após estar perdendo de 2-0 até os 38 minutos do segundo tempo. Em seguida, ganhou de 3-1 do Estrela Vermelha de Belgrado, segurou 0-0 com Corinthians e Internacional, ganhou de 5-3 do River (todos esses jogos foram em Montevidéu também) e então rumou à Europa.

Apesar dessas exibições no estádio Centenário, nada disso foi o suficiente para Villar ser chamado pelo Uruguai à Copa de 1970; na época, a Celeste não convocava quem jogasse fora do país. Uma pena: no Torneio Metropolitano, o San Lorenzo novamente ficou a dois pontos do campeão, o Independiente, e em agosto voltou ao exterior para brilhar na Europa: começou perdendo de 1-0 para o Sevilla, mas então fez 3-2 no Anderlecht; ganhou o Troféu Costa Brava ao eliminar nos pênaltis o Valencia e sapecar um 5-0 no Borussia Dortmund; e por fim bateu o Hércules de Alicante (2-0) e o Racing Santander (3-1) e segurou o 0-0 com o Ferencváros. No Torneio Nacional, Villar novamente esteve em todas as partidas (faltaram três pontos para as semifinais), mantendo assiduidade que fizera o clube ceder sem restrições o outrora titular Gramari ao rival Huracán.

O ano de 1971 começou com vinham os anteriores. Villar ausentava-se pouco no Metropolitano – inicialmente, na estreia e entre a 15ª e 19ª rodadas. Mas perderia da 32ª em diante e todo o Torneio Nacional em função de uma lesão no tornozelo esquerdo. Quando voltou, o time estava bem representado no posto por Rubén Glaria. Quando El Sapo voltou, em 1972, não era unanimidade, indo e voltando. Foi um ano histórico ao San Lorenzo, que tornou-se o primeiro time a vencer em uma mesma temporada tanto o Metropolitano como o Nacional. No Metro, o uruguaio atuou só na 12ª, 24ª, 25ª e da 31ª à 34ª rodadas, na maior parte como zagueiro mesmo, com Glaria seguindo na titularidade da lateral-direita. No Nacional, Villar esteve na 1ª, 2ª, 7ª e, saindo do banco, entre a 10ª e 13ª rodadas, embora tenha sido titular na final com o River.

San Lorenzo campeão invicto de 1968: Buttice (que jogaria no America-RJ, Bahia e Corinthians), Albrecht, Calics, Rosl e Telch; Pedro González, Fischer (que defenderia Botafogo e Vitória), Rendo, Cocco, Tojo e Villar

Enfim aquele ciclo dourado do San Lorenzo teria a oportunidade de jogar a Libertadores, em 1973. O time foi bem, só parando nas semifinais contra o multicampeão Independiente da época, mas Villar não atuou em nenhuma partida da campanha. No Metropolitano, continuou um nome irregular e usado em outras posições. Jogou na 1ª rodada (como meia) e também na 3ª, 4ª, 6ª, 9ª, 10ª, entre a 16ª e 24ª, entre a 26ª e 28ª e (novamente como meia) entre a 30ª e a 34ª. Um de seus poucos gols pelo San Lorenzo veio nessa campanha e foi justamente no clássico com o Huracán, que havia sido o campeão na rodada anterior e teve a faixa carimbada na visita a Boedo: 1-0, gol do uruguaio, na única vez que marcou no dérbi de bairro.

No Nacional, o San Lorenzo avançou ao quadrangular final, vencido no fim pelo Rosario Central. Villar seguia como opção e não como dono da lateral direita, jogando as duas primeiras rodadas e a sétima como titular, atuando também da 10ª à 13ª sempre saindo do banco. No quadrangular, só atuou na segunda partida. Para 1974, a seleção uruguaia já passaria a admitir “estrangeiros” na convocação à Copa do Mundo. E Villar, agora prejudicado pela instabilidade, seguiu de fora. Já tinha 30 anos e jamais defenderia o Uruguai. O concorrente Glaria, por sua vez, foi lembrado pela seleção argentina que embarcou à Alemanha Ocidental. Com este ausente com a Albiceleste, Villar atuou seguidamente no Metropolitano, só ausentando-se da 9ª rodada. Mas a campanha fraca não ajudou: 6º em um grupo de nove times.

No Torneio Nacional, após a Copa, Glaria inicialmente recuperou o posto. Villar foi utilizado só na 14ª e 18ª rodadas da primeira fase, mas já não sairia para os sete jogos do octogonal final. E o San Lorenzo, que no Metropolitano chegara a ser goleado de 6-0 pelo Boca – em Boedo -, terminou com uma história de superação para contar. Só perdeu um jogo no octogonal e terminou campeão. Foi o último título do ciclo vitorioso compreendido entre 1968 e 1974. O regulamento da época, porém, exigiu uma pré-Libertadores entre campeões e vices de Metro e Nacional. O quadrangular virou triangular pois o Rosario Central foi vice nos dois, e levaria a melhor junto com o rival Newell’s (campeão do Metro) pelas duas vagas argentinas.

Apesar da decepção, os quatro títulos argentinos fizeram de Villar o jogador mais vezes campeão profissional pelo San Lorenzo no século XX, junto com três colegas presentes naquele ciclo – Victorio Cocco, Agustín Irusta e Roberto Telch. O quarteto seria superado por Romagnoli quando este levantou a Libertadores em 2014. Pouco a pouco, o time vitorioso foi se dilapidando e Villar, novamente dono praticamente absoluto da lateral-direita, realçaria a idolatria pela fidelidade em meio às agruras que viriam. O clube ainda beliscou algo no Torneio Nacional de 1975, onde terminou em terceiro, no ano embalado pelo recorde individual de gols do atacante Héctor Scotta – logo vendido ao Sevilla – municiado pelas assistências de Oscar Ortiz, repassado ao Grêmio…

Reconhecimento ao recorde de Villar em edição especial em que a revista El Gráfico elegeu os cem maiores ídolos do San Lorenzo, em 2011

Em 1976, o San Lorenzo no Metropolitano avançou ao dodecagonal final, onde terminou em último (Villar não atuou em nenhuma partida dessa fase final), ao passo que no Nacional terminou em 8º em um grupo de nove times, além de perder os cinco clássicos travados com o Huracán no ano. A gradual ladeira abaixo seguiu em 1977: o Ciclón lutou para não cair, terminando três pontos acima dos degolados mais bem colocados. Houve uma recuperação nos torneios seguintes: no Nacional, os cuervos terminaram em segundo no grupo (mas só o líder avançava) e no Metropolitano de 1978 terminaram em quarto, e nesses dias até empataram em 3-3 com o Tottenham Hotspur em amistoso alternativo no Japão. Um espasmo: no Nacional de 1978, Villar e colegas foram lanternas da sua chave, atrás até do Alvarado de Mar del Plata. Em 1979, o clube ficou em 7º em chave de dez times no Metropolitano e em 4º entre sete no grupo do Nacional. Foi, sobretudo, o ano da perda do estádio Gasómetro, o maior do país.

Villar seguia na turbulenta metade final dos anos 70 como o referente, o remanescente dos tempos áureos. A história começou a mudar em 1980. Embora capaz de vencer por 4-1 a seleção da Hungria em amistoso de verão, ainda com o uruguaio em campo, o time depois salvou-se a muito custo do rebaixamento, terminando na última posição antes do trio descendido. Villar, com 36 anos, foi um bombeiro: só foi usado pelo técnico Carmelo Faraone a partir da 28ª rodada. No Nacional, esteve entre a 3ª e a 5ª apenas – vitória de 2-0 no Colón, mas derrotas de 2-1 para o River e para o rival Huracán. Em 1981, não houve escapatória, em um ano trágico desde o início: colega de Villar na defesa, Hugo Pena faleceu eletrocutado em acidente doméstico três dias após o 36º aniversário do uruguaio. O outrora colega Victorio Cocco era o novo treinador e manteve ausente o veterano, que só foi usado nas três rodadas finais. O técnico já era o mesmo do histórico ano de 1972, Juan Carlos Lorenzo.

A “reestreia” na antepenúltima rodada foi diante do River e o Ciclón ganhou por 2-1 e em seguida segurou o 0-0 na visita ao Vélez, mantendo a sobrevida para a rodada final: o empate salvava, mas o time perdeu para o concorrente direto Argentinos Jrs e se tornou o primeiro gigante argentino a ser rebaixado. Foi o último jogo de Villar como azulgrana. Estendeu a carreira por mais um ano, mas no All Boys. Novamente, brigou para não cair: com a segunda pior pontuação, empatado com o Talleres de Remedios de Escalada, o Albo precisou superá-lo nos pênaltis de um jogo-extra. Mais lembrado foram os reencontros de Villar com o San Lorenzo, agora como adversário, ambos no alugado estádio do Ferro Carril Oeste (vitórias de 2-1 e de 2-0 do ex-clube). Na primeira, foi ovacionado pelos antigos torcedores e recebeu uma placa, em duas mostras de reconhecimento.

Já na segunda, a recepção foi mais fria e até com algumas vaias, pois o uruguaio entrara contra o clube na justiça para receber salários atrasados. Mágoa curada com o tempo. Villar voltou a trabalhar no clube em 1999, como olheiro interior argentino afora, junto com colegas antigos como Rafael Albrecht, Telch e até mesmo com o antigo desafeto Cocco. Tempo que também tratou de lhe angariar reconhecimento no Uruguai: no museu do futebol instalado no Estádio Centenário, Villar figura em um quadro que destaca os cinco uruguaios que mais atuaram na elite do futebol argentino, acompanhando Jorge González (recordista geral de jogos na Argentina e no Rosario Central), Ricardo Pavoni (daquele Independiente multicampeão da Libertadores), Guillermo Sanguinetti (dos anos saborosos do Gimnasia LP noventista) e Carlos Goyen. No Futebol Portenho, Villar, claro, foi eleito o lateral-direito do time dos sonhos para os 110 anos do San Lorenzo, em 2018.

O retrato de Sergio Villar pelo San Lorenzo no museu do estádio Centenário, entre os cinco uruguaios com mais partidas na elite argentina (foto do autor da nota)
https://twitter.com/sanlorenzo/status/1081523204395388929?s=21

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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