Especiais

Nostalgia da Copa – Argentina 2×4 Uruguai – 1930

A final da primeira copa do mundo da FIFA é frequentemente desmerecida. Nesse argumento, o mundial do Uruguai foi esvaziado pela ausência de muitas seleções européias, o que se refletiu na decisão, disputada apenas por equipes da América do Sul.

Mas é uma visão absurdamente parcial. Presume que naquele momento havia seleções européias em quantidade capazes de enfrentar uruguaios e argentinos em um mundial.
Argumento que é muito difícil de sustentar. Afinal, na década de 1920 o equivalente da copa do mundo eram as Olimpíadas.

E em 1924 e 1928, em duas edições disputadas na Europa (Paris e Amsterdã, respectivamente), ambas repletas de seleções européias, o campeão foi o mesmíssimo Uruguai. Em na edição disputada apenas dois anos antes do mundial de 1930 a final foi precisamente contra a Argentina. Em dois jogos duríssimos o Uruguai acabou sendo o campeão.

E a Celeste de 1930 tinha uma base parecida com a de 1928. Os jogadores essenciais da conquista de Amsterdã estavam em campo naquela decisão, como o capitão José Nasazzi, o grande meiocampista Jose Leandro Andrade (a “maravilha negra”) e os atacantes Pedro Cea e Hector Scarone (o último, provavelmente o maior jogador de seu tempo, voltava de uma temporada no Barcelona). A essa equipe, baseada em jogadores do Nacional se somavam novos talentos, como o habilidoso ponteiro direito Pablo Dorado.

Os uruguaios tiveram alguma dificuldade na estréia, batendo os peruanos pela contagem mínima, gol de Hector Castro. Mas não deram a menor chance a romenos (4-0) e iugoslavos (6-1), chegando à grande decisão cheios de moral. Scarone não era o mesmo das conquistas olímpicas, mas Pedro Cea comandava, com quatro gols, o ataque da Celeste. Nasazzi era o líder do ótimo sistema defensivo, enquanto Andrade reinava no meio campo.

Já a Argentina tinha mais modificações em relação ao time olímpico de 1928. Raimondo Orsi e Roberto Cherro, por exemplo, não estavam no Uruguai. Mas haviam sido substituídos por uma nova dupla brilhante: Guillermo Stabile (Huracán) e Pancho Varallo (Gimnasia y Esgrima), para não falar em Carlos Peucelle, ponteiro direito que se transformaria em lenda do River Plate. Os dois se juntavam ao lendário Manuel Ferreira, do Estudiantes, capitão em 1928 e 1930, para compor um ataque demolidor. Outro destaque vindo da seleção de 1928 era Luisito Monti, do San Lorenzo, o xerife do meio campo argentino, capaz de contribuir com seus formidáveis chutes a gol (desempenharia papel semelhante no mundial de 1934 pela Itália, quando foi campeão e se transformou no único jogador da história a disputar duas finais de copa do mundo por seleções diferentes).

Aquela albiceleste encarou o grupo mais difícil da primeira fase, e logo na estréia venceu os franceses por 1 a 0, gol marcado num chutaço de Monti. Bateu facilmente mexicanos (6-3), chilenos (3-1) e norte-americanos (6-1), para chegar forte à grande decisão. O destaque era Stabile, o artilheiro do mundial. Apesar disso, a Celeste era a favorita. Havia vencido o rival na decisão de 1928 e jogava em casa. Mas os argentinos teriam o apoio de milhares de torcedores que atravessaram o Rio da Prata naquele dia. O mais famoso era Carlos Gardel, frequentador da concentração argentina, onde cantava seus tangos para alegria dos craques portenhos.

Quando a bola rolou, os uruguaios saíram na frente logo aos 12 minutos, quando o jovem Dorado se transformou no primeiro atleta a marcar numa final de mundial, completando uma verdadeira linha de passe do ataque de seu time. Mas aos 20 Peucelle mostrou que na Argentina também havia ponteiros artilheiros, e empatou o jogo. A poucos minutos do fim da primeira etapa, Stabile chutou quase sem ângulo e virou a partida para a albiceleste, se consolidando como goleador do primeiro mundial. A torcida visitante delirava no Centenário.

O segundo tempo seria vertiginoso. Aos 12 minutos Cea marcou mais um de seus gols, e deu o empate à Celeste. Mais onze minutos e o ponteiro-esquerdo Santos Iriarte, do Peñarol, virou o jogo com um chutaço de longa distância, para delírio da torcida local. Mas o jogo não estava definido. A Argentina foi para cima e pressionou bastante os uruguaios. A dez minutos do fim Varallo quase empatou, sendo contido no momento final por Andrade, em um bloqueio espetacular.

Aquela final só seria decidida em seu último lance. Um longo cruzamento da direita caiu na marca do pênalti do ataque uruguaio. Hector “El Manco” Castro conseguiu bater o zagueiro De la Torre e cabeceou a bola no alto da rede argentina. O Uruguai havia vencido uma das mais emocionantes decisões da história das copas e se sagrado o primeiro campeão, consolidando sua hegemonia no futebol mundial daquele tempo. Infelizmente o pensamento eurocêntrico impede muitos de verem a beleza do que se passou naquele dia no gramado do Centenário.

Uruguai 4
Ballesteros; Nasazzi e Mascheroni; Andrade, Fernández e Gestido; Dorado, Scarone, Castro, Cea e Iriarte
Técnico: Alberto Suppici

Argentina 2
Botasso; Della Torre e Paternoster; Juan Evaristo, Monti e Suárez; Paucelle, Varallo, Stabile, Ferreyra e Mario Evaristo
Técnico: Juan Tramutola

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

3 thoughts on “Nostalgia da Copa – Argentina 2×4 Uruguai – 1930

  • Caio Brandão

    Texto bacana. Adoro os especiais de vocês.

    Mas uma correção e um adendo:

    Cherro foi para a Copa, mas teve um cagazo depois da estreia. Stábile entrou então no seu lugar a partir da segunda partida.

    E Gardel também cantou para os uruguaios, que também têm o tango como música nacional. Há versões, inclusive, que sustentam que o rei do tango, argentino de alma e coração mas oficialmente nascido na França, teria vindo ao mundo na verdade do lado deles do Rio da Prata.

  • Tiago Melo

    Sobre Cherro tens razão, o texto não foi suficientemente preciso. Ele estava no grupo mas foi reserva na maior parte do tempo.

    Sobre Gardel, é um assunto bem complicado. Ninguém sabe ao certo onde ele nasceu: as duas versões mais famosas apontam Toulouse, França, ou Tacuarembó, Uruguai como possivel local de nascimento. Ele dizia ter nascido em Buenos Aires aos dois anos e meio de idade, rsrs. Mas ele tinha, sim, vínculos com o Uruguai, sempre ia a Montevideu e era adorado por lá tambem.

    Agora, o tango não é reconhecido como música nacional uruguaia. O tango e o candombe existiram por muito tempo dos dois lados do rio da prata, mas entre as décadas de 10 e 20 foi apropriado especificamente pelos argentinos. Os uruguaios embora nunca tenham deixado de ouvir e produzir tangos, nao tem esse sentimento nacional com esse genero. Se sentem mais vinculados aos candombes e murgas. E há ainda a milonga, riquissima dos dois lados.

  • Ariel

    En realidad la música del Uruguay es el Candombe.En Argentina este tipo de música se conoce por la cercanía que existe con el Uruguay,pero su desarrollo es muy limitado,en comparación con el que existió y existe en el Uruguay hasta el día de hoy.
    Lo inverso sucede con el Tango.El desarrollo que existió y existe en Uruguay,es ínfimo en comparación al que existió y existe en Argentina,en cantidad y calidad de obras.Es más,el 95% de los autores,intérpretes y compositores de Tango,son argentinos.No por casualidad se lo conoce en el mundo como Tango Argentino.Su epicentro es Buenos Aires,por ese motívo,el Tango hace permanente referencia a dicha ciudad.Allí,hasta el día de hoy,se realizan los más prestigiosas festivales a nivel mundial sobre esta disciplina.Es más,en la actualidad,el país sudamericano con mayor cultura tanguera ,después de Argentina,es Colombia.
    Con relación a Carlos Gardel,no hay mucho para decir.Para la Justicia Uruguaya,Para la Justicia Francesa,para la Justicia Argentina,y para cualquier enciclopedia;”el morocho del abasto” fué de nacimiento francés,cuya patria de adopción fué Argentina.Por tal motívo,y no por casualidad,sus restos descansan en el Cementerio de la Ciudad de Buenos Aires,junto con los de su madre (única heredera conforme al testamento) y en la misma bóveda.
    Lo demás,son cometarios de algunos mal informados,ó de algunos mal intencionados.
    UN DATO LLAMATIVO: Al día de hoy,y después de tantos años de la muerte de Carlos Gardel,ninguna persona se presentó ante los estrados judiciales de los paises mencionados,con pruebas concretas que permitan a los jueces de dichos paises,reabrir la causa. “Como dice el refrán,donde sentencia la Justicia,mueren las palabras”.
    Para conocer más sobre lo anteriormente mencionado y todo lo relacionado con el Tango,les dejo la dirección del site más prestigioso y premiado que existe sobre la materia.Sus miembros pertenecen a la Academia Nacional del Tango,el Centro de Estudios Gardelianos (entidad que tiene a su cargo el cuidado de la Bóveda de Carlos Gardel y su madre) y la Academia Nacional del Lunfardo,entre otros.Cuenta además con el aval de la Secretaria de Cultura de la Nación Argentina.Para los que amamos el Tango,dicho site es como la Biblia,por la abundante calidad de información y de sus autores,además de todas las novedades sobre esta lindisima música.
    Su dirección es: http://www.todotango.com

    Cordiales saludos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

2 × um =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.