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Surpresas da Copa Argentina: Deportivo Riestra, o triunfo de uma comunidade

Fundado em 1931 o pequeno Deportivo Riestra, de Nueva Pompeya é uma das grandes surpresas da Copa Argentina. É o único representante da Primeira D que ainda resta na competição. Agora, corre o risco de encarar o Boca Juniors ou River Plate. Se isso não parece muito é porque não estamos considerando o que significa esse pequeno e bravo clube para o bairro de Nueva Pompeya.

Um pouco de história

As origens do Riestra estão ligadas a encontros de jovens moradores de Del Bañado e Nueva Pompeya na simpática leiteria de uma italiana chamada Melucha. Depois do trabalho iam para esse local para jogar cartas. Em 1929 resolveram fundar o clube. Alugaram um pequeno espaço junto a Dom Mutti, italiano e açougueiro do bairro, e fizeram do espaço a primeira sede do clube. Daí foi natural que jogassem as partidas de futebol nas chamadas ligas de bairro que eram comuns na época. A sede ficava na calle Riestra, que daria nome à instituição. Foi o começo para los Malevos de Pompeya. Uma das poucas exigências das ligas era de que as equipes atuassem uniformizadas. Porém, os atletas do novo clube não possuíam uniformes nem tampouco dinheiro para comprá-los. Foi então que los Malevos foram socorridos pelo club El Trueno, que dispunham de algumas camisetas velhas e que não utilizava mais. As cores brancas e pretas das camisas até hoje fazem parte do uniforme do Riestra em agradecimento ao velho El Trueno que não existe mais.

Fato marcante na vida do pequeno clube é que a Ditadura lhe fez o mesmo mal que ao San Lorenzo. Em 1981 “os governantes” decidiram construir um braço da Autopista Presidente Héctor Cámpora no local onde estava o estádio do clube. Não adiantou a negativa dos dirigentes malevos e a instituição simplesmente foi desalojada do local onde sequer existe até hoje o tal braço da autopista. Se os conhecedores do futebol argentino lamentam o que sofreu o San Lorenzo por ter de sair de Viejo Gasómetro é porque não têm noção da humilhação sem precedentes que o pequeno clube de Nueva Pompeya sofreu dos mesmos “governantes”. A instabilidade foi tamanha que a equipe caiu para a Quinta Divisão do futebol argentino.

A sorte do clube é que dois anos antes adquiriram um terreno em Bajo Flores a custas de muitos esforços e poupança de alguns de seus dirigentes históricos. Ali o clube pretendia construir apenas um ginásio poliesportivo, porém se viu na obrigação de fazer sua nova cancha. O estádio ficou pronto somente em 1993, quando foi inaugurado na vitória de los Malevos contra o Atlas de General Rodrígez por 1×0. Até a inauguração da nova cancha, o Riestra ficou jogando de 81 até 1993 em estádios alugados e sempre distantes de sua hinchada. Uma tragédia na vida do pequeno clube, que só sobreviveu pela história de identificação com sua comunidade. Desde sua fundação havia se voltado para ela; quando precisou dela, ela não o abandonou. O nome do estádio, Guillermo Laza, é uma justa homenagem a um daqueles dirigentes que amam seu clube e fazem tudo por ele. Hoje o Deportivo Riestra não é só um clube de futebol, é um centro considerável de diversão para sua comunidade. Na sede, em Nueva Pompeya, e no Centro Poliespotivo, de crianças no jardim da infância a aposentados são beneficiados com as atividades do Riestra. Esqueça aquela história de marcar um baile na casa de amigos. No bairro todos os bailes são no Riestra. Assim como o teatro e o cinema que animam os moradores do local. Esqueça aquela história de que é preciso se deslocar a uma distante biblioteca pública para ler um livro. A biblioteca do bairro fica no clube, e não tem inveja de nenhuma outra. Os idosos desfrutam no clube de dedicação e respeito que somente hoje em dia as Nações começam a oferecer aos seus. O espaço para os bailes dos aposentados é reservado somente pare eles.

O clube se filiou à AFA em 1946, data em que fez a primeira partida oficial na derrota para o San Telmo por 3×2. Na cancha, a seguinte formação: Liusi; Cándido Álvarez, Vicente Passarello, Blanco, Malfatti, Luis Passarello, José Álvarez, Naredo e Amado, Pandulfi e Núñez. Em 1950 houve uma reestruturação na AFA, que tinha o objetivo de acomodar o grande número de equipes. O Riestra foi para a Quinta Divisão, onde foi campeão em 1953. Então o clube permaneceu na Quarta de 1954 até 1981, quando foi rebaixado novamente à Primeira D. Em 1986 conseguiu o acesso à C por uma nova reestruturação da AFA. Um ano depois, voltaria à Primeira D. O novo acesso ocorreria somente em 1994. Permaneceu na C por 12 anos até retornar à D em 2006. A vida não é fácil para o clube de Nueva Pompeya. Contudo, todos ali são muito alegres por disporem de uma entidade que realmente abraça a sua gente.

Manchete da festa do acesso em 1994

Feitos históricos

Ficou em terceiro lugar na C de 1977, atrás apenas do Sarmiento Junín e Deportivo Español, campeão e vice, respectivamente. Campeão da Primeira D em 1953 e acesso à Primeira C em 1994.

Campanha na Copa Argentina

Deportivo Riestra 1×0 Deportivo Muñiz – Atuando em sua cancha diante de outra equipe da Primeira D, los Malevos venceram em partida dramática. Após um primeiro tempo sem grandes emoções, o conjunto de Nueva Pompeya teve J. Goya expulso logo no primeiro minuto da segunda etapa. Ainda assim buscou a vitória diante de seus hinchas. Acertou a trave em uma jogada, correu riscos em outras. Até que aos 30 minutos de jogo, a equipe fez o gol da vitória com Toselli, para o alívio geral.

Jogadores comemoram gol na dramática vitória sobre Muñiz

Los Andes 0x0 Deportivo Riestra (2×4 pênaltis)- Ninguém imaginava que o Riestra sobreviveria na Copa Argentina depois desse duelo. Não somente em razão do rival ser de uma Categoria acima, quanto pelo fato de se tratar do Los Andes, equipe de Lomas de Zamora que é muito difícil de ser batida em sua cancha, até porque seus hinchas costumam se apresentar em peso quando atuam em casa. No duelo, o Riestra praticou um jogo tático perfeito. No primeiro tempo se postou atrás e procurou sair somente na boa para o ataque. Na segunda etapa, a partida ficou aberta e o visitante parecia atuar em sua cancha. Foi para cima do Los Andes e por pouco não saiu vencedor durante os 90 minutos. Com o 0x0 do tempo regulamentar ficou um sabor um tanto amargo, já que foi possível ao Riestra que vencesse o confronto no tempo normal. Porém, ao final das cobranças de pênaltis, o resultado foi de 4×2 para a equipe de Nueva Pompaya.

Uma das grandes apresentações do arqueiro Matías Lescano, do Riestra

Acasusso 0x0 Riestra (3×4 pênaltis)- Mesmo tendo passado pelo Los Andes, quase todos imaginavam que los Malevos não passariam pelo Acasusso, já que a distância de uma categoria metropolitana a outra é muito grande. Acrescenta-se a isso o fato de que los Malevos ainda teriam a desvantagem de atuar na cancha adversária, assim como ocorreu diante dos Milrayitas. Realizada em Vicente López, cancha do Platense, o duelo apresentou los Quemeros partindo para a pressão e tentando a vitória rápida sobre o Riestra. Porém, a equipe de Nueva Pompeya conseguiu manter a consistência de suas duas linhas de quatro e na encharcada cancha do Platense conseguiu manter a igualdade na primeira etapa. O segundo tempo foi de muito sofrimento para o Riestra. Nos 15 minutos finais, o cotejo ficou aberto e o Albinegro também teve ao menos uma grande chance de fazer o gol. Já o conjunto que era local na cancha do Platense teve mais chances de vencer. Porém, graças a uma atuação histórica de seu arqueiro Matías Lescano a equipe conseguiu levar o empate sem gols até o fim. Já na segunda cobrança de penal do Acassuso, o arqueiro Lescano defendeu e deu a vitória para los Malevos. O Club Deportivo Riestra estava classificado à fase final da Copa Argentina.

Em meio a tempestade torrencial, jogadores comemoram triunfo sobre Acassuso

Continuar fazendo história

Após os sorteios da fase final, o Riestra foi para a Sede 3, em San Juán, onde deverá enfrentar o Quilmes. Certo é que los Cerveceros são os favoritos, assim como eram o Los Andes e o Acassuso. O sonho de enfrentar o Boca Juniors ou River Plate porém, algo impensado 80 anos atrás, quando de sua fundação, já existe em Villa Nueva Pompeya. Para isso o Albinegro terá o duro confronto diante do Quilmes. Até agora o Riestra repartiu com seus jogadores os prêmios em dinheiro que ganhou. Um grande prêmio se considerarmos que todos os atletas têm outra ocupação profissional. Se passar pelo Quilmes o elenco será beneficiado novamente com parte dos 200 mil pesos (cerca de 90 mil reais), que irão aos cofres de Nueva Pompeya. Não importa se será vitória nos pênaltis ou no tempo normal. O que vale é que o pequeno Riestra escreverá mais um capítulo na história recente que já construiu na Copa Argentina de futebol. Um prêmio para quem foi tão castigado pela nefasta ditadura que manchou de sangue a nobre história da nação argentina.

Frases típicas dos hinchas, que não perdem oportunidade de mostrar amor ao clube

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

8 thoughts on “Surpresas da Copa Argentina: Deportivo Riestra, o triunfo de uma comunidade

  • Vicente

    Mais uma equipe vítima da ditadura. O SL (Sem Libertadores) todo mundo reconhece e fala, mas um time pequeno ninguém fala nada. Muito boa a matéria, mas uma vez o site mostra que o futebol e política estão relacionados. Só que para a Argentina essa aproximação não é nada boa.

  • Alexandro Ventura

    Fascinante essa história. Linda mesmo. Parabéns pelo texto.

  • Wilson

    Legal a foto do acesso 94. Mas os caras pareciam mais um time de Rugby. Mas é compreensível, se hoje os caras ainda não são apenas profissionais do futebol imagine antes, em 94? O lance da Ditadura é bacana de lembrar; eu sempre me interessei por esse assunto,mas confesso que não sabia que um time desse porte também tinha sido prejudicado.

  • Mauricio

    Belo post, cara. Mas esse time não vai muito longe mais, vai? Ainda está na primeira D?

  • Ernesto

    Cara, moro no rio faz mais de 4 anos. De que tenho saudade? Dos clubes de bairro!!! Cresci neles, vida social e esporte, e pratiquei esporte neles até vir para cá com 32 anos. Ainda não entro nessa de morar em condominio fechado, que tipo de socialização é essa? Isolados dos outros!.

    Boa materia!

  • Luciana Marins

    Concordo com o Marcelo: bela história, mais um textaço sobre um clube pequeno da Argentina. Belo clube de bairro; por isso consigo entender o comentário do Ernesto sobre os clube de bairro. Linda história, espero que vocês continuem cobrindo a Copa porque eu vou ficar torcendo por esses jogadores e pelo time.

  • Eduardo Marini

    Caro amigos,
    Já conhecia a historia do Club Desportivo Riestra. Mas para quem como eu que gosta de acompanhar os clubes pequenos (C.A. Ypiranga, Jabaquara A.C.), esta prova de superação nas tres vitorias na recem criada Copa Argentina é deliciosa. Na Argentina é muito bonita as historias de clubes de bairro centenarios que infelizmente não existem mais no Brasil. Eu como o Ernesto nasci, me criei e joguei num deles (Pirituba F.C.). Mas na Argentina êles continuam com muito orgulho e dignidade, êles amam seus clubes e seus bairros, tendo um vinculo muito forte com estas entidades; depois tem brasileiro que fala mal dos argentinos, em muitas coisas êles são muito melhores.
    um abraço
    eduardo

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