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Top 13 torcidas sofredoras no futebol argentino

Anteontem o futebol viu um dos duelos mais cósmicos possíveis. Dois clubes marcados pelo enorme azar incompatível com o nível merecido de glórias duelaram no mata-mata da Copa Sul-Americana. Como não era ainda a final, nenhum meteoro caiu, mas as partidas só poderiam dar em empate: 1-1 em La Plata entre Ponte Preta e Gimnasia LP, eliminado pelo critério do gol fora de casa (em Campinas, havia sido 0-0). Duelo que faz lembrar de outros clubes próximos na vivência do sofrimento.

Há cerca de dez anos, a revista El Gráfico foi notícia mundial ao elaborar um sugestivo Top 13 de clubes mal assombrados de todo o mundo. As decepções recentes da própria Ponte, do Atlético de Madrid e (momentaneamente?) do Feyenoord, que incrivelmente levaram todos de 3-0 em espaço de pouquíssimos dias, inviabilizando sonhos há muito tempo guardados de todos, são um bom gatilho para um Top 13 argentino. Os critérios foram subjetivos, envolvendo desde falta de títulos, afastamento da elite, perda de grandeza que um dia já teve e/ou desvantagem em rivalidade contra um adversário mais vencedor/campeão:

13. Almirante Brown. Os aurinegros são tradicionais animadores da segunda divisão (daí a especial revolta no rebaixamento à terceirona em 2014). A ponto de ser o clube que mais vezes a disputou sem jamais chegar na elite. Seu principal rival, o Deportivo Morón, conseguiu o acesso uma vez, em 1968. Já a equipe de Isidro Casanova calhou de ser vice da segundona em 1970, quando a posição não oferecia vaga automática nem ao campeão (o Ferro): ambos precisaram jogar um quadrangular com os dois últimos não-rebaixados da elite. La Fragata foi lanterna…

Um dos últimos clássicos entre Los Andes e Banfield (sim, é Camaronesi à direita), nos anos 90. Almirante Brown rebaixado à terceirona em 2014: a faixa dizia “orgulho em ser os piores”…

12. Los Andes. Sinal de decadência é quando seu rival original lhe “esquece”. É o caso dos Milrayitas (“Mil Listrinhas”, em alusão às finas e inúmeras listras características da camisa alvirrubra), vizinhos mais próximos do Banfield – ambos são da municipalidade de Lomas de Zamora. O clássico lomense só ocorreu na elite na virada dos anos 60 para os 70. O Los Andes ainda esteve ocasionalmente na primeira divisão em outros momentos (incluindo a temporada 2000-01), mas há décadas o Taladro passou a direcionar suas rixas ao Lanús, da municipalidade vizinha de Lanús.

11. Talleres de Escalada. Caso análogo ao do Los Andes (até nas cores alvirrubras): o Talleres era o rival original do Lanús, com ambos na mesma municipalidade. Foi um dos dezoito fundadores da liga profissional, em 1931, um ano após ceder à seleção o goleiro argentino titular na Copa do Mundo (Ángel Bosio). Revelou quem por mais tempo deteve o recorde de jogos pela seleção (José Salomón, dono da marca entre os anos 40 e 70) e o atual recordista (Javier Zanetti), mas não frequenta a elite desde 1938. É o fundador há mais tempo ausente e seu lugar na rivalidade lanusense e na assiduidade na primeira divisão foi tomado pelo Banfield. Atualmente, falar em Talleres na Argentina e fora dela remete primordialmente ao de Córdoba.

10. Estudiantes de Buenos Aires. Primeiro Estudiantes do futebol argentino, daí seu nome oficial ser apenas “Club Atlético Estudiantes”, foi fundado em 1898, enquanto que o xará mais famoso é “Club Estudiantes de La Plata” exatamente por ter surgido depois, em 1905. Também conhecido como Estudiantes de Caseros (cidade do seu estádio atual), os alvinegros foram o primeiro clube argentino a excursionar pelo Brasil e tinham jogadores na seleção até os anos 20. Vice-campeões argentinos em 1907 e em 1914, se atrofiaram com a permanência no amadorismo após 1931. Só disputaram uma vez a elite profissional, em 1977, ao contrário do rival Almagro. A última relevância foi revelar Lavezzi.

Zanetti pelo Talleres de Escalada e Lavezzi no Estudiantes de Buenos Aires. À direita, o Sportivo Barracas ganhando do Barcelona em Les Corts nos idos de 1929

09. Sportivo Barracas. Como o Estudiantes de BA, o Barracas foi outra força do amadorismo, principalmente nos anos 20, atrofiada ao ficar inicialmente de fora da era profissional. Seu estádio chegou a sediar a Copa América em 1925, tinha jogadores na seleção (Juan Evaristo foi titular na Copa de 1930) e até venceu o Barcelona na Espanha em 1929. Venceu a elite oficial de 1933, que era a amadora, desvalorizada por público e mídia. Se acostumou com a quarta divisão.

08. Racing de Córdoba. Orgulha-se do vice nacional de 1980, algo só alcançado por outro clube cordobês, o Talleres de 1977. Mas, dos quatro principais times de Córdoba, é o que mais tempo demorou para conquistar o campeonato provincial (só nos anos 60), o menos campeão nela e quem há mais tempo está distante da elite nacional, desde 1990. La Academia Cordobesa não joga a segundona desde 2005. Seu clássico com o Instituto, o segundo dérbi mais importante da província, não ocorre oficialmente desde 2002. A ponto de atualmente a torcida ter de se contentar em pegar o “quinto grande” da cidade como clássico, o General Paz Juniors

07. Argentino de Quilmes. Como alguns acima, perdeu relevância após o amadorismo. Mas o Mate foi nada menos que o primeiro clube argentino fundado por hispânicos, em 1899, daí o nome e as cores alvicelestes (foi o primeiro time a usa-las no país) em resposta ao vizinho Quilmes, ainda restrito aos pioneiros britânicos (daí as cores branca da Inglaterra e azul marinho da Escócia). O Clásico Quilmeño é a rivalidade mais antiga da Argentina, mas não ocorre em jogos oficiais desde 1982, com o último triunfo oficial do Argentino sendo nos anos 60. O clube, que outrora cedeu o goleiro Juan Bottaso para a final da Copa de 1930, é justamente a única equipe da quinta divisão que já jogou a primeira. No profissionalismo, a participação na elite só se deu em 1938. E não venceu um único jogo!!

Racing de Córdoba rebaixado à quarta divisão em 2013. Torcedora-símbolo do Argentino de Quilmes: piada pronta. E o caixão do Platense no festejo do Tigre em 2007

06. Platense. Falamos no início da semana: dos fundadores do profissionalismo e considerando que o Huracán era visto como “sexto grande”, o Tense foi justamente o último time pequeno a ser rebaixado, em 1955, após clubes como Argentinos Jrs, Vélez, Rosario Central e Estudiantes. Junto com o River, foi uma das bases do celebrado Millonarios do Eldorado Colombiano. Nunca recuperou esse patamar após a queda. Entre 1977 e 1999, brigou contra o rebaixamento cerca de metade das vezes, com direito a escapadas das mais milagrosas. Mas está longe da elite desde 1999 e é mais famoso no mundo só como um clube marrom que revelou Trezeguet (que jogou pouquíssimo). 

Quando esteve mais perto de voltar, em 2007, o Calamar perdeu a última vaga no clássico com o Tigre, que não jogava a elite desde 1958 (e dali embalou para ser vice da primeira divisão já no ano seguinte e vice continental em 2012, na Copa Sul-Americana). A ponto da torcida do Platense ter criado nos anos 80 outro rival para si: “só” o fortíssimo Argentinos Jrs campeão de quase tudo na época…

05. Atlanta. Dos clubes historicamente mais assíduos na elite, é o ausente há mais tempo, desde 1984, e o único a jamais ter sido campeão da primeira divisão, glória alcançada em 1969 pelo rival Chacarita – que emendava lanternas nos anos anteriores, só escapando por não haver rebaixamento, enquanto o Bohemio fazia suas melhores campanhas. Os auriazuis decaíram ainda mais a ponto de se acostumarem à terceira divisão. Não vencem desde 1997 o Clásico de Villa Crespo (que não ocorreu de 1999 a 2011 tamanho o sumiço do Atlanta) e não fornecem jogadores à seleção desde o início dos anos 70. Ficou comum desencontros de divisão com o rival, cuja ala mais jovem criou então rivalidade com o Tigre (mutuamente reforçada por este não encontrar o Platense).

Atlanta rebaixado à terceirona em 2013, um ano após ter voltado à segundona após doze anos

04. Ferro Carril Oeste. Ausente desde 2000 da elite, apesar de patrocinado pela Parmalat, esteve até na terceirona, decadência notável para quem em 1988 foi premiado até pela UNESCO pelo incrível sucesso poliesportivo na década. Passou dourados anos 80, a única década em que mais venceu do que perdeu para o rival Vélez, que chegou a ser ultrapassado em títulos argentinos (os dois únicos dos verdolagas foram naqueles anos). Nos anos 90, a ascensão velezana foi tão meteórica que já ali o Clásico del Oeste era visto como desvalorizado pelo lado fortinero. Não ajudou a goleada de 6-1 em 1999 contar com três gols de José Luis Chilavert, talvez o único hat trick de um goleiro.

03. Racing. Talvez o que tenha razões mais famosas na lista. Nos anos 60, La Academia tinha mais vitórias do que derrotas no clássico com o Independiente, chegou a ser o recordista de títulos nacionais e o primeiro time argentino campeão mundial. Já era o único hepta nacional seguido, nos anos 10, e o primeiro tri seguido no profissionalismo, entre 1949-51. Nos anos 70, viu o rival virar sinônimo de Libertadores, ganhar também um Mundial, ultrapassa-lo em vitórias em clássicos com direito a dois 4-1 e dois 5-1 em anos seguidos. No mesmo dia em que o Independiente conseguiu o recordista tetra seguido na Libertadores, o Racing perdeu de 4-3 um jogo em que vencia o Boca por 3-0.

Em 1983, foi rebaixado e derrotado pelo rival que ao mesmo tempo sagrava-se campeão argentino – título que o colocaria em 1984 em nova Libertadores vitoriosa, que, por sua vez, o colocaria em novo mundial vitorioso. Tudo enquanto o Racing não conseguia subir da segundona (só em 1985). Seu estádio virou depósito de batatas; o clube viveu 35 anos de jejum nacional, com taças escapando por detalhes; falido em 1999, chegou a ser dado como oficialmente inexistente. E quando o jejum enfim ruiu, só os fanáticos deram atenção: foi no auge da pior crise argentina, em 2001. Essa e demais desventuras foram detalhadas neste Especial.

Chilavert faz três gols para ninguém ver: o clássico com o Ferro estava desvalorizado para o Vélez. À direita, imagem icônica do dia em que “o Racing deixou de existir”

02. Huracán. Já teve mais títulos argentinos que o rival San Lorenzo, o Independiente e o River. Foi nos anos 20, tempos de Guillermo Stábile. Revelou ainda o mais efetivo artilheiro da seleção; o maior carrasco do Brasil; e o maior artilheiro da Copa América. Mas só ganhou uma única outra vez a elite, em 1973. Perdeu torneios ganhos em 1939, 1994 e 2009 (nestes dois, calhou de fazer confronto direto na última rodada na casa adversária). Foi vice em 1976 mesmo somando mais pontos que o campeão (!) Boca. Tanto em 1975 como em 1976, anos em que River e depois Boca venceram os dois torneios anuais, perdeu o tira-teima de vices que daria a outra vaga na Libertadores.

Se ainda era visto como “sexto grande” nos anos 80, os quatro anos seguidos na segundona entre 1986 e 1990 desbotaram o orgulho. Assim como os outros três rebaixamentos que viriam (todos os grandes que caíram só vivenciaram isso uma vez e não demoraram mais de dois anos). O Globo não vence duas vezes seguidas o clássico com o San Lorenzo desde 1976, só ganhando-o uma vez no Nuevo Gasómetro, e porque o rival poupou titulares para a vitoriosa final da Copa Mercosul 2001, primeiro título continental sanlorencista. Levou a pior goleada do clássico, em 1995 (5-0), ano em que o rival quebrou jejum de 21 anos na elite. Rebaixado após dérbi em 2003, levando de 4-0, e praticamente em 1986, em 1-1 (resultado que colocou os quemeros na repescagem na qual cairiam).

A subida de 2007 foi ofuscada semanas antes por título do rival na elite. O ano de 2014 seria festivo por voltar a ganhar um título expressivo (na Copa Argentina) e subir uma vez mais à primeira divisão, mas também foi o ano em que o vizinho enfim venceu a Libertadores. O bairro de Parque Patricios perdeu a única chance que teve de título continental, a Sul-Americana 2015. Está do lado desfavorável do clássico mais desparelho na Argentina em confrontos diretos: menos vitórias até em casa!

01. Gimnasia LP. Não há mais o que acrescentar sobre o pobre Lobo. Um Especial inteiro já foi dedicado à uruca, visível por si só ao ser rival do Estudiantes. Sua história supercentenária inclui o mais longo jejum de quem já venceu a elite (em 1929) e segue na ativa; a perda de mais de um campeonato quase ganho, com um dos vices ocorrendo exatamente por não vencer o clássico (em 1996). Ou uma escapada épica de rebaixamento ofuscada por três dias depois ver o vizinho voltar a vencer a Libertadores após 39 anos (em 2009). Por só vencer uma vez o clássico desde 2006, quando só tinha uma vitória a menos, levou de 7-0 e viu o Pincha voltar a ser campeão da elite após 23 anos. Ou desistir de participar de uma Copa Conmebol para ver seu substituto ganha-la (o Talleres, em 1999)…

Vélez tira o título do Huracán de Pastore, Bolatti, Toranzo e Defederico em 2009 por um gol irregular (o goleiro sofrera falta) no finalzinho de confronto direto na última rodada…

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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