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Um ano sem Maradona: Ele e a (música) Mão de Deus

Não havia palavras no Futebol Portenho em 25 de novembro de 2020. O que sim haviam eram muitas palavras já escritas. Recompilamos há um ano jesuíticas 33 matérias, cada uma sobre os principais passos cronológicos da trajetória de Maradona, desde a que relembrou o aniversário de sua estreia no time adulto do Argentinos Jrs. Sempre há uma história não contada; a última publicada, há uma quinzena, resgatou os vinte anos do jogo de despedida de Dieguito, onde ele reforçou a seleção argentina de Bielsa contra um combinado de estrelas. Mas já exibíamos naquela compilação uma pérola. Vale resgata-la.

Trata-se da música “La Mano de Dios”, lançada em 2000, pouco após Maradona livrar-se de um morte ainda mais precoce, quando se sujeitou a uma overdose de medicamentos em Punta del Este – a canção não esconde nos versos finais o vício em cocaína que tanto atormentou o astro. Em tristíssima ironia, quem cedo partiu foi justamente o compositor da obra: um acidente automobilístico levou o músico Rodrigo Bueno ainda em junho daquele 2000.

Anos depois, foi disponibilizada uma versão ao vivo cantada pelo próprio Diego – no documentário Maradona by Kusturica. É ela quem embala o vídeo de outra ocasião ocorrida em 2000, a render precisamente a última nota que o Futebol Portenho compilou há um ano. Foi quando Maradona, recuperado da overdose, viajou diretamente de seu tratamento em Cuba até Munique apenas para prestigiar o jogo de despedida de Lothar Matthäus (que retribuiria o favor ao suar na Bombonera no ano seguinte, na partida festiva que relembramos há duas semanas). El Diez vestiu a camisa do Bayern no amistoso contra a Alemanha.

O vídeo mostra que o argentino tomou conta da própria festa do alemão – além de ser o único abraçado pelo ex-líbero antes do apito inicial, enquanto os demais convidados recebiam apenas um aperto de mão. A versão de Maradona adapta os versos de Rodrigo para a primeira pessoa, exceto o primeiro da terceira estrofe (que é também o refrão) e também os dois finais dela. O vídeo começa já pelo segundo verso da canção (“fue deseo de Dios”).

Segue abaixo a tradução do Futebol Portenho, com ligeiras outras correções às versões automáticas presentes nos Letras.com.br e Vagalumes da vida. Como, por exemplo, a palavra villa ter conotação de “favela” e não o significado literal de vila ou cidade, empregado nesses sites; enquanto as gírias futebolísticas potrero, cebollita e a torcida organizada La 12 também foram traduzidas fora desse contexto. Há ainda o duplo significado futebolístico do termo Primera, por vezes significando a primeira divisão como também o time adulto/principal do departamento de futebol de algum clube. O cover maradoniano acrescenta ao fim os gritos de “Olê, Olê, Olê, Olê/Diego, Diegol.

En una villa nací
Em uma favela nasci.
fue deseo de Dios
foi desejo de Deus.
crecer y sobrevivir
crescer e sobreviver,
a la humilde expresión
à humilde expressão
de enfrentar la adversidad
de enfrentar a adversidade
Con afán de ganarme a cada paso la vida
com afã de me ganhar a cada passo a vida

En un potrero forjé una zurda inmortal
Em uma várzea forjei uma canhota imortal
con experiencia, sedienta ambición de llegar
com experiência, sedenta ambição de chegar
de Cebollita soñaba jugar un mundial
de juvenil sonhava jogar um Mundial
y consagrarme en primera.
e consagrar-me na primeira [primeira divisão/futebol adulto]
Tal vez jugando pudiera a mi familia ayudar.
Talvez jogando pudesse a minha família ajudar

A poco que debutó (Maradó! Maradó!)
Tão logo estreou (Maradô! Maradô!)
La 12 fue quien coreó: Maradó! Maradó!
La 12 foi quem [cantou] em coro: Maradô! Maradô!
Mi sueño tenía una estrella
Meu sonho tinha uma estrela
llena de gol y gambeta
cheia de gol e drible
y todo el pueblo cantó: Maradó! Maradó!
e todo o povo cantou: Maradô! Maradô!
Nació la mano de Dios (Maradó! Maradó!)
Nasceu a mão de Deus (Maradô! Maradô!)
Sembró alegría en el pueblo
Semeou alegria no povo
Regó de gloria este suelo
Regou de glória este solo

Cargo una cruz en los hombros por ser el mejor,
Carrego uma cruz nos ombros por ser o melhor
Por no venderme jamás, al poder enfrenté.
Por não vender-me jamais, o poder enfrentei
Curiosa debilidad, si Jesús tropezó,
Curiosa debilidade, se Jesus tropeçou
Por qué no habría de hacerlo yo?
Por que não haveria de fazê-lo eu?
La fama me presentó una blanca mujer
A fama me apresentou uma branca mulher
De misterioso sabor y prohibido placer,
De misterioso sabor e proibido prazer
Que me hizo adicto al deseo de usarla otra vez
Que me fez viciado ao desejo de usa-la outra vez
Involucrando mi vida.
Envolvendo minha vida

Y es un partido que un día
E é uma partida que um dia
un día voy a ganar…
um dia vou ganhar…

 

 

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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