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Na Bombonera, Atlético Tucumán derrota “freguês” Boca. Que lá já levou de 6 de outro tucumano

Campeão nacional duas vezes em 2015, vencendo os dois Superclásicos do campeonato argentino e trazendo de volta Carlitos Tévez e Pablo Osvaldo. Incrível como o Boca não mantém o ritmo em 2016. Levou de 4-0 do San Lorenzo pela Supercopa Argentina na semana passada. Os azulgranas impõe uma conhecida freguesia sobre os auriazuis, mas não são os únicos na Argentina. O Atlético Tucumán também passou a ter retrospecto favorável ontem. E ainda pode se gabar de ter sido derrotado pela última vez no longínquo 1981 – e com gol de Maradona.

Está certo que a estatística é enganosa. Afinal, depois da vitória de 1981, Boca e Atlético só voltaram a se enfrentar mais três vezes – a de ontem e as duas da temporada 2009-10, quando os alvicelestes tiveram uma rápida volta à elite. E foi justamente nesses três jogos que criou-se a freguesia: os tucumanos ganharam em casa e empataram na Bombonera naquela temporada, e ontem ultrapassaram o Boca em vitórias diretas.

É o que atesta o completíssimo site de estatísticas Historia de Boca, segundo o qual eles se enfrentaram doze vezes, com cinco vitórias auriazuis e, agora, seis do Atlético: veja aqui. A maioria, nos anos 70. Tempos em que os tucumanos chegaram a ter jogadores na seleção, casos do ponta-direita René Alderete e do meia-armador Ricardo Villa, que viria a ser campeão da Copa do Mundo de 1978 (já como breve atleta do Racing e tirando vaga que poderia ter sido de Maradona) e ídolo no Tottenham Hotspur; Ricky Villa chegou a marcar gol em vitória por 3-2 em 1975, ano em que chegou à seleção.

Um dos clubes mais ricos e antigos do país (fundado em 1902, é mais velho que o próprio Boca), o Atlético, que em razão disso é apelidado de Decano, chegou a vencer por 1-0 na Bombonera em dezembro de 1976 – quando o Boca estava prestes a ser campeão nacional. E venceu-0 por outro 1-0 em setembro de 1978, cerca de um mês após os auriazuis serem campeões mundiais pela primeira vez, na Intercontinental válida ainda por 1977. Se mesmo em ótima fase os xeneizes perdiam, que dirá em uma má fase que parece tê-los pego de jeito. “E quando andas mal, te chegam e te convertem e não podes marcar nem tendo várias jogadas claras”, resignou-se o dito site.

“No primeiro tempo, se viu o melhor da equipe, mas não alcançou (o gol). No complemento, foi pura impotência”, concluiu o Historia de Boca, mesmo com a dupla Tévez e Osvaldo além de dois vice-campeões da Copa do Mundo de 2014, Agustín Orión e Fernando Gago. Tévez e Osvaldo, especialmente, tiveram uma sequência de chances evitadas quase em cima da linha.

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Maradona marcando o gol da última vitória do Boca sobre o Atlético Tucumán, em 1981

Logo aos 23 minutos, os tucumanos interceptaram uma invertida boquense e arrancaram um contra-ataque. O camisa 10 Leandro González foi habilitado e encobriu Orión mesmo pressionado por este e dois xeneizes na entrada da área. Os donos da casa chegaram a jogar com um a mais nos últimos dez minutos, após expulsão do atacante visitante Fernando Zampedri, mas continuaram impotentes.

Mas se o Atlético não é o único time da província do sanduíche de milanesa que pode gabar-se contra o Boca. O arquirrival San Martín, único clube tucumano campeão nacional em um torneio de elite (eliminando o Boca, aliás: falamos aqui), tem retrospecto desfavorável diante dos auriazuis (cinco vitórias e quinze derrotas), estatística encoberta pelo histórico 6-1 em 20 de novembro de 1988, em plena La Bombonera também. Foi a primeira vez em que o Boca levou seis gols em seu templo.

Curiosamente, o vexame ocorreu quando o clube parecia se acertar em meio à terrível década de 80. Vivendo ocaso de meia década no campeonato argentino, os auriazuis requisitaram a dólares o empréstimo de Maradona em 1981, ano em que a moeda ianque subiu mais de 200% em meio aos desmandos econômicos da ditadura, que nada deviam em relação aos governos mais recentes. A Guerra das Malvinas naturalmente piorou o cenário e, apesar do título maradoniano em 1981, o clube se afundou nas dívidas e quase fechou as portas em 1984, ano em que isso ocorreu de forma literal com a Bombonera por um tempo.

As más campanhas prosseguiam e na temporada 1987-88 os xeneizes ficaram só em 12º. Contrataram então o vitorioso técnico de um Independiente ainda poderoso, José Omar Pastoriza. A temporada 1988-89 começou mal, com derrota em casa para o nanico Deportivo Armenio, jogo que custou a carreira do veterano goleiro Hugo Gatti: Pastoriza trocou-o pelo reforço Carlos Navarro Montoya e Gatti, aos 42 anos e a uma dezena de jogos de se tornar o homem com mais partidas pelo Boca, não voltaria mais a jogar profissionalmente. As zombarias acabaram no jogo seguinte: 2-0 sobre o River no Monumental.

San Martin

O Boca de Pastoriza engatou boa sequência a ponto de, ao fim do primeiro turno, em dezembro, dividir a liderança com o Racing. No caminho, porém, veio aquele imenso ponto fora da curva diante do recém-ascendido San Martín.

Dante Unali, que chegaria à seleção nos anos 90, marcou duas vezes e ao fim do primeiro tempo os alvirrubros já venciam por 2-0. Primeiramente, com um petardo rasteiro pela esquerda no canto direito de Navarro Montoya em contra-ataque, no último minuto. O outro, novamente no último minuto, mas do segundo tempo, foi novamente pela esquerda, mas pelo alto entre Montoya e a trave.

Mas o desempenho de Unali foi ofuscado pelo dia ainda mais espetacular de Antonio Vidal González, autor de três gols entre os 2 e os 19 minutos do segundo tempo. Ele já havia sofrido o pênalti que originou o primeiro gol, convertido por Jorge López com um tiro forte no alto do meio da meta de Navarro Montoya.

Depois, sem ângulo pela direita, disparou uma bomba rasante sobre Navarro Montoya, que rebateu para o próprio Vidal González marcar na nova tentativa. Aos 14 minutos, cara a cara com o goleiro, ele tocou fraco mas por entre as pernas de Montoya.

O terceiro de González veio após ele recebeu pela esquerda, mas usando a destra para, após um quique da bola no chão, emendar com um petardo no ângulo direito do arqueiro. Walter Perazzo descontou com a partida já em 5-0 e sequer comemorou, com nenhum xeneize se atrevendo ao clássico movimento de buscar a bola com pressa nas redes para reiniciar a partida. A principal revista do país, a El Gráfico, estampou pela única vez o futebol tucumano em sua capa. Não poderia deixar de ser. O jogo voltou à tona em 2013, quando outro San Martín, o de San Juan, também aplicou (em casa) um 6-1.

Mas o Boca também tem lembranças heróicas contra tucumanos. Ainda na temporada 1988-89, deu um troco no San Martín vencendo por 1-0 fora de casa em partida tumultuada, interrompida a dez minutos do fim por arremesses de projéteis nos auriazuis (um atingiu a cabeça de Claudio Marangoni, retirado empapado de sangue do gramado) por pessoas exaltadíssimas na plateia alvirrubra, inconformadas como o iminente rebaixamento do San Martín.

A lembrança mais doce, porém, é inegavelmente a de 1992, diante do mesmo San Martín, exatamente quatro anos e um mês depois dos 6-1, o Boca garantiu em 20 de dezembro o título do Apertura. Uma conquista especial por ter desfeito o maior jejum nacional boquense – pendente havia onze anos, desde aquela maradoniana taça de 1981. Contamos neste outro Especial.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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