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Elementos em comum entre Flamengo e Independiente

A decisão da Sul-Americana 2017 também será “brasentina”, como a da Libertadores, opondo dois times com diversos momentos e personagens em comum. Rojos e rubro-negros já decidiram o continente em 1995, na Supercopa, em uma década morna para ambos perto do encantamento produzido pela dupla nos anos 70 e 80 – década em que os dois foram campeões mundiais batendo o maior Liverpool da história e eram simbolizados pelos maiores (e longevos) camisas 10 que já tiveram: Zico e Ricardo Bochini. Os argentinos conseguiram isso em 1984, ano em que a final da Libertadores (torneio onde nunca se encontraram) poderia ter sido com os cariocas se esses não caíssem para o vice Grêmio nas semifinais. Já pensou essa decisão? Vale resgatar mais elementos em comum.

Os primeiros encontros entre os dois envolveram na realidade quatro clubes. Em agosto de 1939, um combinado River-Independiente (fazendo jus ao nome, com uma camisa metade vermelha e metade branca com a faixa diagonal vermelha…) enfrentou um combinado Flamengo-Vasco, com duas vitórias por 3-1 para os hermanos. No mesmo ano, em dezembro, houveram os dois primeiros jogos propriamente entre os finalistas de hoje, promovendo a estreia de Zizinho pelo Mengo. Na véspera de natal, deu Rojo 4-3, em partida lembrada por Leônidas da Silva marcar de bicicleta e apresenta-la aos vizinhos. Já no dia do réveillon, os cariocas se impuseram por 2-1.

Com os argentinos ainda no Rio no início do ano seguinte, enfrentaram no dia 12 de janeiro, em combinado com o San Lorenzo, um combinado entre Flamengo, Vasco e Botafogo: ganharam de 6-1 com dois gols de Antonio Sastre, que encantaria o futebol brasileiro pelo São Paulo anos mais tarde. Outro ano depois, um jogão pelo Torneio Relâmpago de Buenos Aires: Independiente 6-5, com quatro gols do paraguaio Arsenio Erico, maior artilheiro do futebol argentino. Dez anos mais tarde, um jogo quase tão alucinante, um 5-5 em 1º de dezembro de 1951, já no Maracanã. O obscuro Ángel Omarini marcou três para os rojos.

Em 1955, a dupla de Avellaneda, Independiente e Racing, veio ao Brasil participar de um quadrangular com a dupla carioca Flamengo em Vasco em homenagem póstuma ao presidente flamenguista Gilberto Cardoso. Os rubro-negros venceram por 3-0 os diablos. Houve ainda um encontro de combinados de cariocas e argentinos, com o Flamengo-Vasco vencendo por 3-1 o Independiente-Racing. O craque Dida marcou um gol nessas duas partidas. O encontro seguinte, em 1970, rendeu um 6-1 para o Urubu, pelo Torneio Internacional de Verão que envolveu ainda o Vasco e a seleção romena. E quem brilhou mais foi um argentino, mas para os cariocas: Narciso Doval, autor de dois gols.

À esquerda, Ronaldão contra Gustavo López na final da Supercopa 1995. À direita, Manrique contra Petkovic na Mercosul 2001

Flamengo e Independiente só viriam a se reencontrar em 1995, na decisão da Supercopa. O Rojo impôs a única derrota rubro-negra naquele torneio e conseguiu o título no ano do centenário do oponente, virando a única equipe argentina campeã no Maracanã, onde foi o jogo da volta (Romário marcou o único gol, mas não adiantou diante do 2-0 para os hermanos na ida em Avellaneda). Desde então, porém, só deu Flamengo nos seis encontros seguintes: 0-0 e 1-0 pela Supercopa de 1996; 1-1 e 4-0 em 1999 e 0-0 e novo 4-0 em 2001, todos pela Copa Mercosul. O zagueiro Juan, hoje de volta ao Mengão, chegou a marcar dois nesse segundo 4-0, disputado em Brasília.

De torcidas que exigem um futebol vistoso e refinado (de paladar negro, na gíria argentina) e que se gabam de superioridade em troféus e vitórias em relação aos rivais clássicos, ambos foram campeões por torneios de 1939 (Argentino; Estadual), 1963 (idem), 1965 (Libertadores; Estadual), 1972 (idem), 1974 (idem), 1978 (Argentino; Estadual) e 1983 (Argentino; Brasileiro). A seguir, abordaremos quem passou pelos dois clubes, dentre os quais não se inclui o brasileiro Paulo Berg – rotulado na mídia argentina como importado pelo Independiente em 1963 do Flamengo, sendo desconhecido pelos vizinhos que Berg vinha na realidade do Flamengo gaúcho, o atual Caxias.

Bibi: apelido de Felipe Jorge, foi promovido pelo Flamengo em 1931. Em 1934, foi importado à Argentina junto com o colega Moisés, pelo Boca. O time foi campeão com ambos na dupla de zaga, mas o desempenho deles foi questionado; os auriazuis então contrataram outro brasuca, o astro Domingos da Guia, que suplantou Bibi à reserva. Bibi seguiu na Argentina, inclusive casando-se com uma renomada atriz local, abandonando o futebol. Antes, esteve em 1936 no time B do Independiente.

Raimundo Orsi: nome histórico do futebol mundial. Já lhe dedicamos este Especial. Em tempos menos globalizados do futebol, o ponta-esquerda conseguiu ser campeão argentino (nos primeiros títulos do Independiente, em 1923 e 1925), italiano (pela Juventus penta de 1931 a 1935, período que a popularizou na Bota), uruguaio (em 1938, quando o Peñarol emendou um quarto título seguido, então um recorde no país) e enfim carioca, jogando algumas partidas pelo Flamengo em 1939. El Mumo tinha o cartaz ainda de ser prata olímpico pela Argentina em 1928 e campeão da Copa do Mundo de 1934, marcando já veterano até gol no final pela Itália. Mas no Fla foi no máximo um reserva de luxo, sendo dispensado após não aceitar jogar pelo segundo quadro – nome do “time B” na época.

Brito: participante da Copa do Mundo de 1938 como jogador do America-RJ, Hermínio de Brito destacou-se sobretudo no Corinthians, seu clube anterior. Após a Copa, foi ao Flamengo. Esteve no time recheado de argentinos campeão carioca de 1939, encerrando o maior jejum estadual do clube (doze anos). Mas o defensor só jogou as primeiras partidas, perdendo espaço para Jocelino. Ainda em 1939, passou ao Independiente, que também seria campeão naquele ano. Mas sem contribuição do reforço, que, já decadente e lesionado nos meniscos, só jogou amistosos e no campeonato paralelo dos times B, conforme informação do excelente @ArchivoHistóricoCAI, perfil no twitter dedicado à história roja. O suficiente para ser o primeiro brasileiro do clube. Em 1940, voltou ao Brasil.

O astro internacional Orsi, campeão em ambos e da Copa do Mundo, e o canadense (!) Reuben

Emilio Reuben: nascido no Canadá e criado na Argentina, despontou no Vélez antes de ganhar pelo Independiente os campeonatos de 1938 e 1939. Titular na meia-esquerda principalmente na primeira conquista, perdeu paulatinamente a posição para Sastre. Apareceu em 1941 no Flamengo, jogando pouco, na reta final do campeonato. A posição dele era o ponto fraco dos rubro-negros, com ninguém se firmando até Perácio aparecer no ano seguinte – em que Reuben foi repassado ao Lanús.

Sabino Coletta: beque do “clássico” estilo brucutu. Ganhou no Independiente os títulos de 1938 e 1939, os primeiros do clube no profissionalismo. Ainda como jogador do Lanús, chegou a pegar suspensão perpétua, tachado de mal intencionado. Foi perdoado, mas coincidência ou não se tornou em 1938 o primeiro jogador expulso da seleção argentina, que ainda assim venceu por 3-2 o Uruguai no Centenário (apesar dos celestes marcarem o gol mais rápido que a Argentina já sofreu, aos 20 segundos). Com essa banca, ele chegou para substituir Domingos da Guia no Flamengo em 1944, ano do primeiro tri estadual rubro-negro. Foi reconhecido como bom zagueiro, mas virou desfalque na reta final, com problemas físicos, fazendo assim poucos jogos: Quirino se firmou na titularidade.

Armando Renganeschi: zagueiro do Independiente de 1933 a 1937, Renganeschi iniciou nos anos 40 uma larga trajetória por clubes brasileiros, conseguindo títulos estaduais por Fluminense (como tricolor, esteve no célebre Fla-Flu da Lagoa de 1941) e São Paulo (marcando o gol do título de 1946 no clássico com o Palmeiras, rivalidade que vivia seu auge político). Renga voltou ao Independiente como treinador em 1963 (função em que havia sido vice da Libertadores de 1961, pelo Palmeiras, sendo o técnico que trouxe Ademir da Guia ao Verdão), comandando-o na maior parte da campanha campeã nacional, encerrada já sob Manuel Giúdice. No Flamengo, foi campeão carioca em 1965. Era daqueles treinadores de estilo “boleiro”, de bom papo com seus jogadores.

Sergio Ramírez: eternizado pela encrenca com Rivellino em 1976, o uruguaio, que defendia apenas times pequenos em seu próprio país, acabou “descoberto” pelos brasileiros. Importado pelo Flamengo em 1977, o defensor saiu-se bem no time que seria tricampeão estadual, sendo uma figura querida no elenco. Em 1979, foi emprestado ao Independiente, campeão nacional de 1978. Em uma equipe já consolidada, não conseguiu se firmar, atuando só três vezes oficialmente pelo Rojo.

O casca grossa Coletta foi campeão nos dois, e Borghi, campeão de Copa do Mundo, um fiasco

Claudio Borghi: primeiro “novo Maradona”, Borghi é o único capaz de competir com ele como nome maior do Argentinos Jrs. Somente El Bichi esteve em todos os títulos expressivos do time, como jogador no Metropolitano de 1984, no Nacional de 1985 e na Libertadores de 1985 e como técnico do Clausura 2010. Campeão da Copa do Mundo de 1986, começou o mundial como titular, mas já não era o mesmo. De personalidade retraída, rodou por diversas equipes, incluindo Milan e River antes de passar por Flamengo (em 1989) e Independiente (1990). Só no Colo-Colo voltou a ter prestígio. Teve no Rojo um segundo ciclo, como treinador, em 2008 – também infrutífero. Ironia: nunca escondeu antes ou depois ser torcedor assumido do rival Racing…

Alejandro Mancuso: revelado no Ferro Carril Oeste, torcia justo pelo rival Vélez, onde despontou nos elencos anteriores ao ciclo vitorioso de 1993-98. Como jogador do Boca, marcou gol pela Argentina sobre o Brasil e foi à Copa de 1994. Sua primeira estadia no Brasil foi no Palmeiras em 1995, sendo em 1996 a resposta de Kléber Leite ao insucesso em contratar Dunga. Agradou a massa rubro-negra no primeiro semestre, em um time campeão carioca invicto e da Copa Ouro, além de semifinalista da Copa do Brasil. Depois, entrou em declínio como o resto da equipe e passou em 1997 ao Independiente, onde não superou a concorrência com Raúl Cascini (Mancu veio na expectativa de que Cascini iria à Sampdoria) no esquema de César Menotti. Descontente, pediu para sair em 1998.

Carlos Gamarra: um dos maiores zagueiros do futebol não vingou na Argentina, no início de carreira, onde El Colorado (apelido oriundo dos cabelos ruivos e não pela estadia no Rojo nem na que teria pelo Internacional) jogou pouco em 1992, sendo devolvido ao Cerro Porteño. Veterano, veio rebaixado do Atlético de Madrid ao Flamengo, onde estreou em setembro de 2000. Fez boa dupla de zaga com Juan e participou no ano seguinte do título estadual e da Copa dos Campeões. Mesmo deixando boa recordação, já não estava no auge e sofria com lesões, sobretudo em 2001, quando foi emprestado ao AEK Atenas em julho. Gamarra sairia da Gávea vendido aos 31 anos à Internazionale. Coincidência ou não, o time sofreu seríssimas ameaças de rebaixamento ainda em 2001 e em 2002.

Diego Gavilán: nome obscuro na história dos dois clubes, após relativo destaque no futebol gaúcho (três estaduais pelo Internacional e um vice de Libertadores pelo Grêmio). O volante paraguaio até participou do título carioca de 2008, mas foi repassado ainda naquele ano à Portuguesa. Dali veio ao Independiente, onde também jogou pouquíssimo, terminando 2009 no Olimpia.

Federico Mancuello: hoje rubro-negro, Mancuello pode ser o primeiro campeão internacional nos dois clubes, pois esteve no elenco rojo vencedor da Sul-Americana de 2010, o último troféu do Independiente. Promovido da base em 2008, ainda era reserva, só participando de dois jogos da campanha, sendo meses depois emprestado ao Belgrano (recém-ascendido à elite após rebaixar o River). Veio a despontar em Avellaneda só em 2014, no elenco que tirou o Independiente da segunda divisão. O time e Mancuello em seguida engataram um bom torneio no Transición, ofuscado pelo título do rival Racing, e o meia acabou estreando na seleção em 2015 – foi o primeiro jogador utilizado pela Albiceleste após o rebaixamento do time, e o primeiro em muitos anos. Assim, em 2016 chegou com expectativa ao Flamengo, mas sem conseguir ainda uma regularidade de boas partidas.

Com agradecimentos especiais aos historiadores Emmanuel Do Valle, editor da página Flamengo Alternativo, e Esteban Bekerman, dono da Entre Tiempos, a única livraria voltada a futebol em Buenos Aires. Para relembrar todos os argentinos flamenguistas, clique aqui (nota de 2015).

Marcadores eficientes com estilos bem opostos, Mancuso (em imagens dos clássicos contra Vasco e Racing) e Gamarra foram ambos benquistos na Gávea e sem êxito em Avellaneda

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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