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11 jogadores para os 110 anos do Huracán

“A história dos bairros portenhos está escrita nos livros de atas dos clubes de bairro”, refletiu o tangueiro Homero Manzi, que nomearia uma esquina no bairro de Boedo que é atração de tango em Buenos Aires. Heresia: não por Boedo não ser um reduto do tango (o é). Mas por Manzi, nascido em um 1 de novembro, ter sido em vida fanático pelo Club Atlético Huracán, do bairro vizinho de Parque de los Patricios, parte da genuína alma, poesia e cultura portenha naqueles arredores do sul da capital federal. Hoje tambem é aniversário do “seu” Huracán, “a bonita desculpa que encontrou um bairro para ser feliz”, na poesia do treinador César Luis Menotti, que celebra 110 anos oficiais de uma história na verdade bem mais antiga, iniciada em outros arredores.

O encontro entre a Avenida Barco Centenera com as ruas Esquiú e Tabaré ficaria conhecida como “esquina de poetas”, mencionada inclusive em tango do próprio Manzi, “Manoblanca”. Hoje há até mesmo o “Museo Manoblanca Esquina de Poetas” na área, que não se situa em Parque Patricios, e sim no vizinho de Nueva Pompeya. Também há um bar em memória de Manzi ali, justamente onde se situava o Colégio Luppi, onde ele estudou. Outro aluno era um certo Tomás Jeansalles, líder de uma molecada de quinze ou vinte pibes, alguns deles perdidos na memória. Quando enfim escreveu-se a primeira ata dessa história, registrou-se como pioneiros os nomes de Carlos Caimi, Gastón Brunett, Ernesto Dellisola, Juan Fariña, Américo Stefanini, V. Luján, J. López, O. Palacios, Serradell, A. Cambiasso, A. Villar, E. Verni, Vicente Chiaranti, E. Leroy, R. Guruchaga, A. Salgado, R. Hernández e J. Sapagarino, mencionando-se ainda que existiam dois ou três apagados de identidade já não recordada.

Antes da oficialização, Caimi teria sido o primeiro presidente, Jeansalle era tesoureiro e Brunett, o secretário, enquanto o posto de capitão ficou com Villar e o de vice-capitão, com Dellisola. De tão humildes, não chegavam a ter nome como conjunto. Eram apenas os “muchachos de Jeansalle”, que registrariam para a história partidas contra La Luna (2-0) e El Triunfador (derrota de 1-0) naqueles primórdios oficiosos. Ou os “chiquitos de Pompeya”, ou ainda Defensores de La Ventana (nome da rua em que morava Jeansalle), como lembrado já na revista El Gráfico de 19 de janeiro de 1924 por outro tesoureiro dos primórdios, Raúl Gombert. Segundo aquele testemunho, o mais velho dos fundadores não teria mais de 14 anos e já havia jogos competitivos de liga na altura de 1905. Ainda hoje há um solar no endereço de Jeansalle, no número 859 da Ventana, fazendo referência à primeira fundação do Huracán por ali, declarada como em 25 de maio de 1903.

Na hora de escolher um nome definitivo, Defensores de Nueva Pompeya, proposta de Cambiasso, e até mesmo Defensores de Villa Crespo (bairro longe dali, mas cuja sonoridade agradava quem sugeriu, Caimi) foram ventilados. Mas aqueles jovens se empolgaram com o ingênuo “Verde Esperanza y No Pierde”, ideia de Stefanini. Um selo era sinal de clube sério. E levaram mesmo a sério o primeiro nome escolhido. A quatro quadras do Colégio Luppi, na esquina da Esquiú com a Avenida Sáenz, ficava a livraria de um italiano, Antonio Richino. O próprio Stefanini organizou a coleta, que juntou $ 2,50 pesos. Richino, porém, baixou a empolgação; para registrar um nome tão comprido, seria necessário mais dinheiro, de onde a garotada já não sabia tirar. Partiu de Richino a sugestão por um curto “Huracán”, que caberia no orçamento. E aqui a história diverge um pouco.

Placa no endereço do “Uracán” (note o selo original à esquerda) na rua Ventana, em Nueva Pompeya, e o aviador Jorge Newbery, que hoje nomeia o Aeroparque de Buenos Aires

A enciclopédia do Clarín diz que a referência seria uma marca de plumas apreciada pelo sujeito; a edição especial da El Gráfico (ambas publicações lançadas no centenário huracanense, em 2008), já afirma que a inspiração foi mesmo o balão El Huracán. Em 1935, a revista Caras & Caretas seguiu essa outra versão; fato é que no primeiro selo, entregue na semana seguinte, constava Uracán, sem H. Segundo a Caras & Caretas, o primeiro a notar o erro foi Dellisola. Talvez Richino, de idioma materno que não costuma usar a letra em iniciais, tenha se atrapalhado. Ainda segundo a Caras & Caretas, a justificativa dele é que a palavra castelhana que significa “furacão”, ao designar o vento, levaria o H, mas o balão não. O Clarín alega que foi uma simples questão monetária, pois o dinheiro gasto não seria suficiente para uma última letra, e Richino unilateralmente escolheu aquela que não faria falta na pronúncia.

O primeiro elenco do Uracán foi Verni, Leroy e López, Fariña, Billard e Guruchaga, Dellisola, Salgado, Luján, Fernández e Cambiasso, logo engrossada por garotos de outro time de bairro que se dissolvera. O mais destacado deles, Agustín Alberti. Mas precisavam de mais gente e em 21 de agosto de 1908 publicaram um pequeno anúncio no diário La Argentina: “Huracán. Aceita Sócios. Ventana 859”. Apesar disso, o clube esteve para ser dissolvido, após derrota de 2-1 para o Soler Boca. Um dos novatos, José Laguna, um argentino negro migrante da província de Salta, demoveu-os da ideia, em reunião nas esquinas Garay e Paseo Colón. Algumas reuniões posteriores na casa de Dellisola definiram uma reorganização.

Cinquenta anos depois, quando Jorge Newton escreveu em 1968 Historia del Club Atlético Huracán, viria a metáfora: “acontece o mesmo que com a cidade de Buenos Aires, que, havendo sido fundada duas vezes, reconhece oficialmente a última”. Pois a própria ata fundacional, de 12 de novembro de 1908, assinada apenas por Laguna como presidente e Alberto Rodríguez como tesoureiro, reconheceu que o clube “funda-se em Buenos Aires na data de 25 de maio de 1903 o Club Atlético Huracán, reorganizado no dia 1º de novembro de 1908, com o fim de fomentar o jogo atlético, especialmente o football“. Acabava o Uracán e (re)nascia oficialmente o Huracán.

Na nebulosa história dos primórdios huracanenses, essa ata, embora datada de 12 de novembro de 1908 e registrando uma refundação no dia 1º, na realidade teria sido redigida já depois de 28 de dezembro de 1909. Foi quando o Santos Dumont argentino causou sensação ao quebrar um recorde continental de distância e duração de voo, em viagem trinacional da Argentina até Bagé, no Brasil, passando pelo Uruguai. Tudo a bordo do tal balão El Huracán. Tal impressão é corroborada até porque a ata nº 2 já é de 20 de julho de 1910. Em 1911, após anos restritos a diferentes ligas de bairro, a equipe enfim buscou filiação à associação argentina, inicialmente negada – fazendo com que Laguna rumasse por um tempo ao Independiente.

Time do primeiro pódio, em 1917: Feliciano Medina, Jorge Idiarte, Agustín Alberti, Alfredo Larmeu e Natalio Carabelli; Pedro Martínez, Mario Bassadone, José Laguna, Jaime Chavín, Miguel Ginevra e Francisco Pazos

Por outro lado, foi em fevereiro de 1911 que designaram como membro honorário o aviador Jorge Newbery, na expectativa de que ele autorizasse o uso do El Huracán como distintivo do clube. O aviador, afinal, era também um multiesportista, com títulos de boxe e participação no primeiro time argentino de rúgbi de fora da comunidade britânica, o da Faculdade de Engenharia. A resposta: “tive o agrado de receber sua muy atenta nota com data 3 do atual (mês) na qual se serve me comunicar que fui nomeado delegado honorário deste Centro. Ao agradecer a distinção de que sou objeto, dou minha conformidade, já que se serve você solicitá-la, para usar o distintivo que menciona, esperando que o team que o levará sobre o peito saberá fazer as honras correspondentes a esse balão que em um voo cruzou sobre três Repúblicas”. Daí surgirá o desenho e apelido de Globo (“balão”, em castelhano).

É sob o mecenato de Newbery que virá a mudança para Parque de los Patricios. Era naquela zona mal afamada pelas inundações, pelas rãs e pela queima de lixo, que renderia as alcunhas de Quema ao bairro e de quemeros a seus habitantes, que havia terreno disponível para servir de campo nos padrões oficiais da liga argentina. Foi arranjado na avenida Almafuerte (atual Avenida Arena), entre Pedro Chutro e Los Patos, por um entusiasmado Newbery, usando suas conexões com a prefeitura por ser diretor de iluminação pública. Ainda faltava alguns outros requisitos, “contornados” após Newbery usar do seu prestígio (tamanho que o blindava de vaias dos conservadores após ter escrito leis de segurança trabalhista com seu amigo Alfredo Palacios, primeiro deputado socialista eleito nas Américas) ao conversar com Hugo Wilson, presidente da liga.

Outro ano se passou e em 1912 o Huracán enfim foi aceito na associação argentina, inscrito na terceira divisão. O acesso veio apenas por chegar à final, após eliminar na semi, por 6-1, o Alumni de Olivos. Perderia pelo mesmo placar na decisão, contra o time B do Boca. Mas como o Boca já tinha equipe na segunda divisão, o acesso aos quemeros já estava garantido. Um ano depois, uma história similar; em pleno natal de 1913, se atravessou recordadas semifinais (3-1 de virada no estádio do Racing sobre o Gimnasia y Esgrima de Flores, com Martín Salvarredi de talismã ao empatar a nove minutos do fim do tempo normal e por dar a assistência ao desempate de Laurenzano já no segundo tempo extra) para garantir o acesso por antecipação. Pois o outro finalista era outro time B de um clube que já tinha time principal uma divisão acima, o Ferro Carril Oeste.

O segundo jogo contra o Ferro B (o primeiro terminou em 1-1 após prorrogação e forçou jogo-extra) foi perdido por 2-0, mas nada que estragasse o festejo dos huracanenses, que em telegrama assim informaram a seu maior apoiador: “cumprimos. O Club Atlético Huracán, sem interrupção, conquistou três categorias, ascendendo à Primeira Divisão, tal como o balão que cruzou três repúblicas”. Newbery esteve vivo para celebrar o acesso final, mas não para ver o time na elite: querendo impressionar com piruetas algumas damas em solo de Mendoza, manobrou mal seu avião e estatelou-se nas montanhas andinas em 1º de março de 1914, a 28 dias da estreia na elite. No dia 29, o time ganhou por 4-2 sobre a própria equipe principal do Ferro, mas a homenagem maior veio no segundo jogo, em 5 de abril: 10-1 sobre o Comercio, até hoje a maior goleada favorável ao Globo.

Time campeão de 1928: Pablo Bartolucci, Hugo Settis, Horacio Souza, Rafael Negro, Máximo Federici e Juan Pratto; Adán Loizo, Juan Spósito, Guillermo Stábile (no destaque à direita), Ángel Chiessa e Cesáreo Onzari

O Huracán perdeu ímpeto e ficaria só em sexto, mas já despertava paixão no novo bairro: um dos seus vizinhos, Enrique García, contaria aos 98 anos de idade, em 2000, que as tribunas do estádio da época eram baixas e não inibiam a malandragem daqueles que, não querendo ou podendo pagar para assistir, apoiavam os pés em bancos ou escadinhas e as mãos nas cercas: “mais de uma vez, eram tantos os que trepavam que terminava tudo indo ao chão: os bancos, as escadinhas, as cercas e os curiosos…”. Ainda em 1914, inaugurou-se o estádio na Avenida La Plata com Chiclana, primeiro campo mais longevo do clube até ser sucedido nos anos 40 pelo palácio Tomás Adolfo Ducó (imortalizado “naquela cena” do oscarizado filme O Segredo dos seus Olhos). Foi em 1-0 sobre o River, gol do regressado Laguna.

Laguna, que treinaria o Paraguai na Copa de 1930, também fez o primeiro gol huracanense no primeiro encontro com um time vizinho, que estreou na elite em 1915 – o San Lorenzo, sedimentado no bairro de Boedo (dali a ironia do endereço da Esquina Homero Manzi). Em 1916, foi a vez do gol mais famoso e pitoresco dele. A Argentina sediava a primeira Copa América, ocasião que inclusive rendeu o primeiro quemero na Albiceleste, o lateral-esquerdo Pedro Martínez, que defendeu o clube de 1913 a 1918. Para a partida contra o Brasil, alguém faltou. Laguna, que estava na plateia, foi “convocado” ali mesmo, se trocou e nessa curiosa estreia sua pela seleção, marcou o gol argentino no 1-1. Em 1917, veio o primeiro pódio, com um 3º lugar a sete pontos do multicampeão Racing (e nova convocação de Martínez à Copa América).

O ano de 1918 rendeu a primeira vitória sobre o San Lorenzo, um 2-0 com gols de Miguel Ginevra e do onipresente Laguna, pela Copa Honor. Mas o que ganharia aura de clássico seria outro duelo: em 1919, um cisma no futebol argentino levaria à criação de dois campeonatos paralelos, um liderado por River, Racing, Independiente e San Lorenzo e outro, o reconhecido pela FIFA, tendo Huracán e Boca como potências. Esse seria o Superclásico do amadorismo, pois somente eles dois foram campeões da sua liga, reunificada com a outra em 1927. Foram três títulos huracanenses – o primeiro deles, em 1921, ainda conservava Laguna e outro dos pioneiros de 1908, o beque Agustín Alberti, que também serviria a seleção.

O sucesso dos dourados anos 20 inspirou diversos Huracáns país afora, como os de Corrientes ao norte, Las Heras no oeste mendoncino ou Comodoro Rivadavia na Patagônia, bem como os de Ingeniero White e Tres Arroyos, todos participantes alguma vez da elite nacional. Não há time com mais “xarás” pela Argentina. Um pouco do resto dessa história será contado pela escalação dos nomes a seguir, a apresentar diversas dificuldades ao eleitor. Afinal, é possível que do meio para a frente o Huracán seja o clube argentino com concorrência mais acirrada entre as diversas opções disponíveis – assim, o sarrafo altíssimo foi cruel com alguns cujos predicados o colocariam sem grandes dificuldades na escalação dos sonhos de outros times, mesmo gigantes. Nosso critério procurou espaçar o quanto possível jogadores de diferentes épocas para cobrir diferentes campanhas marcantes, mesmo sem títulos, o que serviu de desempate em diversos casos; a preponderância na seleção também pesou, em segundo lugar.

Setor defensivo: Marcos Díaz, Pablo Bartolucci, Pedro Barrios e o recordista Jorge Alberti

GOLEIRO: A posição não é exatamente carente na história quemera, a contar até com campeão de Copa do Mundo como jogador do clube, El Chocolate Héctor Baley (reserva em 1978, após o vice argentino de 1976). Ernesto Kiessel foi o goleiro dos dois primeiros títulos argentinos, no bi de 1921-22, figurando como reserva na primeira Argentina campeã da Copa América (em 1921). Juan Estrada foi ídolo no time vice de 1936, chegando à seleção. Bruno Barrionuevo defendeu o arco por nove anos, no período forte na virada dos anos 30 para meados dos 40, e Edgardo Madinabeytia sairia de Parque Patricios para se consagrar no Atlético de Madrid no fim dos anos 50. Héctor Roganti foi o titular na única conquista profissional na elite argentina, em 1973, e Agustín Cejas defendeu os vices de 1975. Goleiro do acesso em 2007, Mariano Andújar faturaria a Libertadores 2009 pelo Estudiantes e iria à Copa de 2010…

A posição estaria bem servida com qualquer um deles, mesmo que Barrionuevo, Madinabeytia e Roganti jamais tenham servido a seleção oficialmente (o único jogo de Madinabeytia, por ter sido contra a seleção paulista, em 1957, costuma ser ignorado). Mas nenhum deles exerceu protagonismo acima dos jogadores de linha. Ao menos não como um nome mais recente: Marcos Díaz. E em tempos de quarentona decadência, ao contrário da maioria dos nomes citados. Desde 2014 no Globo, Díaz também não chegou a jogar pela Argentina, mas foi o grande herói do renascimento huracanense recente. Suas luvas foram essenciais para o título na Copa Argentina daquele ano, decidida nos pênaltis para devolver após 41 anos tanto uma taça de primeiro nível como a vaga na Libertadores, sobressaindo-se ainda na caminhada rumo à primeira final continental, na Sul-Americana 2015. Dono também de uma Supercopa Argentina em 2015, Díaz segue fazendo a diferença a ponto de ser seriamente sondado pelo Boca na reta final da Libertadores atual, após a lesão maxilar de Esteban Andrada contra o Cruzeiro.

DEFENSORES: Para poder acomodar tanta gente boa nas posições ofensivas, vamos optar pela linha defensiva em três, no 3-2-2-3. O grande senão é sacrificar dois nomes essenciais no time mitológico de 1973, o xerifão Alfio Basile (outro a fazer aniversário hoje) e o lateral Jorge Carrascosa. O primeiro sempre foi um nome mais viril do que técnico. O outro seria simplesmente o capitão da seleção campeã mundial em 1978 (desistindo por fatores políticos), mas a idolatria incondicional em Parque de los Patricios não ia muito além, sendo frequentemente cornetado quando jogava pela Albiceleste. Títulos mais frequentes, dedicação longeva e protagonismo sobre as demais peças foram os fatores preponderantes nos escolhidos, pesando contra o currículo de Eduardo Domínguez (torcedor quemero e presente no Clausura 2009 e nas alegrias de 2014) o fator veterano.

Pela direita, Pablo Bartolucci, lateral campeão com o Globo em 1925 e em 1928. Se em 1925 o Huracán não teve a concorrência nem mesmo do Boca, que se fora em excursão europeia, a história foi outra na outra taça: àquela altura as duas ligas já estavam reunificadas, em um torneio longo só finalizado em meados do ano seguinte. Bartolucci acabou convocado à Copa América realizada pouco depois, ganha pela anfitriã Argentina. A pesada concorrência na primeira geração dourada do futebol argentino o barraria da Copa do Mundo de 1930, mas foi pela Albiceleste que imortalizou o cabeceio de peixinho, a partir dali chamado de Palomita (“Pombinha”) por ser o apelido do defensor.

Meio para frente: Mario Bolatti, Norberto Méndez, Emilio Baldonedo, Herminio Masantonio (os três homens que mais fizeram gols na seleção brasileira), Miguel Brindisi e René Houseman

Pelo meio, Pedro Barrios. O uruguaio já tinha mais de 30 anos quando apareceu no Ducó, em 1993. Vinha de passagem consagradora pelo Deportivo Mandiyú, levando o clube de Corrientes à elite em 1988 e participando das campanhas cascudas do Algodonero, que lutava pelas cabeças no início dos anos 90 e começou a decair quando desfez-se desse caudilho sóbrio. No Globo, Barrios notabilizou-se também pela eficiência em pênaltis, convertendo-lhe em um zagueiro-artilheiro de 18 gols. Foi líder de uma equipe sem estrelas que chegou a sonhar com o título do Clausura 1994, taça que esteve com o Huracán no intervalo da penúltima rodada. Porém, o concorrente Independiente virou sua partida contra o Gimnasia LP e manteve-se um ponto atrás, revertendo tudo no confronto direto em casa com Barrios e colegas, então líderes, na rodada final. Por esse protagonismo maior, fica ele e não o também veterano Domínguez que citamos.

Na outra banda, Jorge Alberti, que normalmente jogava no flanco esquerdo do miolo de zaga; aqui o deslocamos um pouco mais, para a lateral. Irmão caçula do citado Agustín Alberti, Jorge também serviu a seleção e é daqueles nomes incontestáveis em uma eleição desse tipo. Afinal, é o jogador que por mais tempo e partidas serviu o Huracán: cerca de 400 jogos entre 1930 e 1947. Faltaram taças no campeonato argentino em meio ao jejum de 1928-73, mas sobraram pódios (sobretudo na grande campanha de 1939) e títulos nas copas argentinas da época, casos da Adrián Escobar e da Británica, ambas prestigiadas naqueles tempos. Sem Alberti na zona, o clube brigaria pela primeira vez contra o rebaixamento já em 1949. Dez anos antes, o timaço de 1939 se tornava o primeiro a bater “os cinco grandes” em um mesmo campeonato, liderando-o por boa parte e fazendo o número de sócios explodir, justamente o requisito que faltava para a grandeza ser oficializada como nos casos de Boca, River, Independiente e San Lorenzo; em 1935, quando a AFA instituiu essa diferenciação, a Quema não atendeu ao mínimo de 15 mil, mas na altura de 1945 já tinha 23 mil, só quinhentos a menos que o Boca.

VOLANTES: uma barbada para Osvaldo Ardiles, correto? Afinal, foi nessa posição que El Pitón, como jogador huracanense, ganhou a Copa de 1978 e onde se consagrou no Tottenham Hotspur. Só que isso foi uma invenção do técnico César Menotti, e não por acaso Ardiles era um dos nomes mais cornetados antes do título mundial da Albiceleste. Afinal, no Huracán sua posição era outra, de meia-ofensivo e às vezes até mesmo de centroavante. É ídolo na Quema, é claro. Mas, além de chegar no máximo a um vice argentino pelo clube, ainda que na grande campanha de 1976 (ano em que o time venceu os cinco clássicos com o San Lorenzo, algo inédito em qualquer rivalidade do país), na posição houve gente ainda mais destacada por lá. Miguel Ángel Brindisi é um desses, além de ser cria da casa (Ardiles vinha do Instituto de Córdoba). A ponto de estrear pela seleção em 1969, ainda antes do renascimento setentista do Globo.

Brindisi sabia não se limitar àquela zona, a ponto também de ser o segundo maior artilheiro quemero e de, já trintão, fazer uma dupla artilheira com Maradona no Boca campeão de 1981 (título em que não são poucos que veem nele um jogador ainda mais essencial que Dieguito; fez só um gol a menos que o ET no auge e sem drogas). Brindisi também chegou a ser o jogador com mais partidas pela seleção, estatística que só não foi maior por ter ido jogar na Europa após a Copa de 1974 – na qual marcou, de falta, o gol argentino sobre o Brasil, no mundial em que o Huracán foi o time mais representado na Albiceleste. Mesmo levando o modesto Las Palmas à sua única final de Copa do Rei e marcando nela na derrota de 3-1 para o Barcelona, na época ir à Europa mais atrapalhava que ajudava a manter-se na seleção (por retardar-se a ir lá, chegou a ser condecorado pelo presidente Perón em 1973), ficando de fora da Copa realizada semanas depois em 1978.

Cesáreo Onzari, criador do gol olímpico, e o técnico César Luis Menotti com pupilos de 1973 (Houseman é o mais à direita)

Outros volantes com predicados quemeros seriam Manuel Giúdice, do timaço de 1939; os xarás Oscar Rossi e Néstor Rossi ou Sebastián Viberti e Alberto Rendo, todos oásis de talento nos mornos anos 50 e/ou 60; ou Carlos Babington, parceiro de Brindisi na meiúca consagradora de 1973 e outro nome presente na Copa de 1974. El Inglés ainda treinaria o time nos títulos da segundona em 1990 e 2000, mas arranhou-se como presidente. A escolha é polêmica, mas buscando representar diferentes épocas, optamos por Mario Bolatti. Esqueça o declínio por Internacional e Botafogo: Bolatti teve um nível superlativo no deslumbrante tik-tik do Clausura 2009, vice com a controversa arbitragem na rodada final com o Vélez. Tamanho que fazia o parceiro Matías Defederico (cuja queda foi mais acelerada) também jogar o que deixou de saber. A volância não impediu cinco gols nas 19 rodadas, embora o mais lembrado tenha sido pela seleção: como huracanense anotou a vitória agônica no Centenário para garantir a desorganização do técnico Maradona na Copa de 2010.

MEIAS: pela direita, Norberto Tucho Méndez. Pela esquerda, Emilio Baldonedo. Ambos foram colegas nos anos 40, quando o clube ainda ficava frequentemente entre os três primeiros e ganhava algumas copas, justificando a alcunha de “Sexto Grande”, que chegou mesmo a ser oficializada na época. Nome presente já na grande campanha de 1939, Baldonedo é o terceiro maior artilheiro do Huracán. E o jogador que mais gols fez sobre o Brasil: foram sete, todos no ano de 1940 (Pelé, maior goleador do clássico, marcou só um a mais, mas levando treze anos e mais partidas). E o terceiro maior carrasco dos vizinhos é justamente Méndez, com cinco gols.

El Tucho é ainda o maior goleador da história da Copa América, torneio do qual foi um dos seletos cinco jogadores presentes no recordista tri seguido da Argentina nos anos 40, marcando 17 gols – em 17 jogos. Liderou um Huracán que teve o segundo melhor ataque de 1945, com só dois gols a menos que o campeão Boca, mesmo terminando apenas em 7º. Em 1944, ambos marcaram no 5-1 sobre o San Lorenzo, a maior goleada quemera no clássico (e, até 1995, a maior goleada geral da rivalidade). Aliás, Baldonedo marcou duas vezes em outra goleada no rival, o 5-2 na grande campanha de 1939, no que ainda é o mais elástico triunfo huracanense na casa adversária. Eis porque Ardiles não tem como ser encaixado também nesse setor, assim como nomes de algum destaque posterior como Daniel Montenegro ou Javier Pastore.

ATACANTES: à antiga, um tridente com dois pontas e um centroavante. Pela direita, o recém-falecido René Houseman, a figura que faltava para o bronze em 1972 virar título em 1973 – ano em que reforçou a Quema vindo do campeão da terceira divisão (o Defensores de Belgrano) para em seis meses já estrear pela seleção, uma ascensão meteórica nunca repetida. Os dribles de El Loco deram o toque de magia naquela conquista. Foi Houseman o primeiro a superar Brindisi em jogos pela seleção, sendo um dos poucos nomes da Copa de 1974 (da qual foi artilheiro argentino, com três gols) mantidos para 1978, credenciado pelas campanhas seguintes do Globo: semifinais da Libertadores de 1974 e vices argentinos em 1975 e 1976, quando o regulamento deu o título ao Boca mesmo com o pessoal de Parque Patricios acumulando nove pontos a mais. Ainda houve a campanha de 1979, quando o time ficou a um ponto de avançar aos mata-matas no lugar do River, que terminaria campeão. No duríssimo regulamento, só o líder do grupo avançava.

O celebrado Huracán de 1939: Manuel Giúdice, o técnico Guillermo Stábile, Rafael Luongo, Carlos Marinelli, Bruno Barrionuevo, Jorge Titonell e Jorge Alberti; Rubén Perdomo, Ramón Guerra, Herminio Masantonio, Emilio Baldonedo e Plácido Rodríguez

O centroavante, ao leigo, deveria ser Guillermo Stábile. Afinal, El Filtrador foi o artilheiro do título de 1928 e, ainda mais notoriamente, o artilheiro da primeira Copa do Mundo. Stábile, que também treinou o timaço de 1939, porém, jogou pela Argentina somente naquelas quatro partidas de Copa, onde chegara como reserva. Quem verdadeiramente foi um artilheiro muito mais longevo, representativo e regular por clube e seleção foi seu sucessor Herminio Masantonio. Que também é o maior goleador do Globo. O “Morteiro de Ensenada”, sua cidade-natal, simbolizou uma era entre 1930 e 1943, com breve retorno em 1945. Chegou a ser o maior artilheiro do clássico com o San Lorenzo (com destaque aos dois em um 4-1 fora de casa em 1933, ano em que o título foi do rival), posto que ainda é seu entre os huracanenses; na seleção, ficou só no vice da Copa América, embora artilheiro das duas que jogou (em 1935 e 1942), mas conseguiu fazer 21 gols em 19 partidas: dentre os que defenderam a Albiceleste mais dez vezes, sua média de gols ainda é a mais alta, e a única que ultrapassa um gol por jogo.

Para arrematar: Stábile faleceu em 1966, menos tempo antes do clube enfim ser em 1973 campeão argentino após 45 anos. Mas a única lamentação em meio ao título não foi por Stábile não vivencia-lo como torcedor, com a ausência mais sentida nos registros da imprensa sendo a de Masantonio – levado muito mais tempo antes, vitimado por tuberculose em 1956. Ah: se Baldonedo é o maior e Méndez é o terceiro, é Masantonio o segundo maior carrasco do Brasil, sobre quem marcou seis gols. De desempenhos reconhecidos localmente, podemos citar ainda Roque Avallay, Claudio Morresi, Jorge Iglesias, Antonio Mohamed, Jorge Cruz, Gastón Casas e Ramón Ábila. De fama internacional, além de Stábile, também Alfredo Di Stéfano, que desabrochou no futebol como quemero em 1946, ou seu ídolo Adolfo Pedernera. Nenhum deles passa perto dos números e idolatria gerados por Masa.

A ponta-esquerda poderia ficar com um colega de Houseman no Huracán de 1973 e na seleção campeã da Copa de 1978: Omar Larrosa, até por ter sido ele o artilheiro do elenco campeão. Como metade dos dezesseis gols foi de pênalti e como só foi valorizado com o passar do tempo (era xingado na época e só passou a servir a seleção em 1977, já como jogador do Independiente), ficamos com Cesáreo Onzari. Muito mais que o autor do primeiro gol olímpico, em 1924, Onzari serviu o Huracán de 1921 a 1934, vivenciando a época mais áurea do Globo. Foi um dos raros nomes presentes no ciclo dos quatro títulos levantados no período, que faziam do time de Parque de los Patricios ter mais troféus que o vizinho San Lorenzo, que Independiente e que o River na inauguração do profissionalismo em 1931. Onzari contribuiu com 76 gols em 216 jogos, ótimos números para um ponta, que na época mais prestigiado que o próprio colega Stábile.

TÉCNICO: não havia técnico no início dos anos 20, com o posto de capitão sendo o que mais se aproximava a esse papel; só a taça de 1928 teve um treinador de fato, o velho José Laguna. Assim, a escolha não é difícil. Entre os vices Stábile (1939), o brasileiro Delém (1975), Miguel Ángel Juárez (1976), Héctor Cúper (1994), Ángel Cappa (2009) e Eduardo Domínguez (Sul-Americana 2015), o bicampeão de segunda divisão Carlos Babington (1990 e 2000), o ídolo-mor da decadência Antonio Mohamed (que obteve a terceira vaga do acesso à elite em 2007 após, como jogador, ser o artilheiro do time de 1990), é o recente Néstor Apuzzo quem mais teria gabarito em tese. Apuzzo foi o treinador que em 2014 obteve a Copa Argentina e o reacesso à primeira divisão, bem como a Supercopa Argentina de 2015.

Time de 1976 com quatro vencedores da Copa de 1978: René Houseman, Carlos Leone, Víctor Longo, Alberto Fanesi, Jorge Carrascosa e Héctor Baley; Abelardo Cheves, Miguel Ángel Brindisi, Osvaldo Ardiles, Omar Larrosa e Augusto Sánchez. Seriam cinco se Carrascosa não desistisse

Essa listagem é apenas para reconhecer o mérito de toda essa galera (sobretudo Delém e El Gitano Juárez, que conseguiram cada um oito vitórias seguidas, melhor marca quemera no profissionalismo), porque o posto de César Luis Menotti é indiscutível. O 3º lugar em 1972, o mágico título de 1973, encerrando jejum de 45 anos, e as semifinais da Libertadores de 1974 levaram El Flaco a assumir a seleção após a Copa daquele ano, a despeito de o Huracán ser seu primeiro trabalho como treinador. O resto é história.

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105 anos do Huracán: é um grande com história

Há 100 anos, a Argentina perdia seu Santos Dumont, padroeiro do Huracán

Há 100 anos, no 1º Brasil x Argentina da Copa América, o gol hermano foi de um espectador negro

Huracán Corrientes: da primeira divisão às ligas regionais

Luis Monti, o homem que jogou finais de Copa do Mundo por países diferentes

Futebol argentino relembra o passado

Há 90 anos, os argentinos inventavam o gol olímpico

87 anos do gol olímpico

Time que encantou em 2009: Gastón Monzón, Eduardo Domínguez, Mario Bolatti, Paolo Goltz, Federico Nieto e Javier Pastore; Patricio Toranzo, César González, Matías Defederico, Carlos Arano e Ezequiel Filipetto

50 anos sem Guillermo Stábile, muito mais que o artilheiro da 1ª Copa do Mundo

Eternos emergentes no Futebol Argentino

60 anos sem Herminio Masantonio, maior artilheiro do Huracán e da seleção

Maior carrasco do Brasil, Emilio Baldonedo faria cem anos

20 anos sem o maior artilheiro da Copa América: Norberto “Tucho” Méndez

15 anos sem o maior artilheiro da Copa América

Recortes da carreira de Di Stéfano

Uma joia escondida em Buenos Aires

1950 e os dois quase-rebaixamentos do Huracán

Mario Boyé, “El Atómico”: conheça a versão argentina de Rivellino

Néstor Rossi, o “Patrão da América”

75 anos do 1º jogador argentino do Corinthians: o goleiro Buttice

Miguel Ángel Brindisi, mito do Huracán e “irmão mais velho” de Maradona no Boca

70 anos de Héctor “Bambino” Veira

Há 45 anos, Doval e o Huracán estagnavam o Vélez

70 anos de Omar Larrosa, campeão da Copa de 1978 e artilheiro do lendário Huracán vencedor de 1973

Adeus, René Houseman! Um dos tantos ponteiros loucos do futebol, ídolo do Huracán e da seleção campeã de 1978

Noite do Futebol em Catamarca, ou “Por que vale a pena torcer por um time pequeno”

Azul é uma camisa reserva tradicional, vestindo Herminio Masantonio e Emilio Baldonedo nos anos 30, Miguel Ángel Vidal nos 60, Alfio Basile e Omar Larrosa nos 70 e Javier Pastore em 2009

70 anos do jogador que renegou ir à Copa 78: nada menos que o capitão Jorge Carrascosa

Huracán, campeão pela última vez há 45 anos: o time que ressoou na Copa 78 levando Menotti à seleção

Huracán de 1973, a versão argentina do Corinthians de 2017?

40 anos do Huracán campeão pela última vez

Huracán 1973: O único título del Sexto Grande

Huracán, a 38 anos do último título

70 anos de Rubén Suñé

Huracán e Independiente já lutaram por muito mais há 40 e 20 anos

Huracán e Peñarol já fizeram semifinais da Libertadores, em 1974. Relembre

“O Segredo dos seus Olhos” foi antológico no futebol. Mas com erros…

70 anos de Agustín Cejas

Héctor Baley, o argentino negro campeão mundial na Copa de 1978

José Raúl Iglesias: o Martín Palermo dos anos 80

30 anos do primeiro rebaixamento do grande Huracán

Meia década da emocionante e polêmica final de Huracán e Vélez

Antonio Mohamed x Huracán: fonte de suspeitas

Os “Turcos” do futebol argentino

Pastore: O verdadeiro ‘novo Messi’

Huracán: do céu ao inferno em 2 anos

Huracán: um “ex-grande” no caminho do River

Huracán x Santa Fe, que decidem hoje a Sul-Americana, têm rivalidades interligadas

Perdemos a nossa alma

Vermelho também é outra cor alternativa e foi a usada no título cardíaco na Copa Argentina de 2014, revertendo desvantagem nos pênaltis

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

2 thoughts on “11 jogadores para os 110 anos do Huracán

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