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110 anos de José María Minella, craque que nomeou estádio na Copa 1978

Minella em 1941, seu último ano no River como jogador

Ángel Labruna, Ramón Díaz e, agora, Marcelo Gallardo, são os nomes que costumam vir à cabeça ao se pensar em treinadores de estadia contínua e vitoriosa no River. Se Gallardo segue há cinco anos no cargo, Labruna e Díaz, que somaram mais de um ciclo cada um, ficaram de modo mais marcante entre 1975-81 e de 1995-2000, respectivamente. Nenhum chegou perto dos doze anos seguidos de José María Minella, à frente de 1947-59, além de um epílogo entre 1962 e 1963. El Pepe era justamente o técnico millonario mais vitorioso antes desses três mais recentes, e segue líder em quantidade de títulos argentinos, calhando de trabalhar em tempos em torneios internacionais oficiais. Trajetória que não ofusca uma carreira de jogador talvez até mais brilhante de quem nasceu há exatos 110 anos em Mar del Plata – cujo estádio usado na Copa de 1978 leva o nome do ex-volante. Hora de relembrar quem também foi o único técnico argentino campeão dentro do Brasil contra Pelé e quem antecedeu Obdulio Varela no Peñarol.

Nasceu no bairro de La Perla como filho de um casal italiano, no mesmo dia do sexto aniversário de um irmão – “é um bom agouro. Este filho está predestinado. Ou me sai médico ou Napoleão” foi a previsão da mamma declarada em 1933 à El Gráfico, com a reportagem concluindo que “a velha de Minella não teve um filho médico nem napoleônico. Teve um craque de futebol, um garoto que aos 24 abris suporta todo um team, uma vez que o Gimnasia descansa sobre ele”. Não que a consagração tenha sido meteórica; o pai, desaprovando o futebol, chegava a esconder-lhe os uniformes (“sempre há quem empreste a roupa a um necessitado”, contaria El Pepe com humor). A saída foi uma rebelião em grupo: Minella e outros três irmãos ingressam no Independiente de Mar del Plata, com ele se incorporando aos juvenis em 1924 e chegando ao time adulto em 1927 após três títulos pelo time B.

Logo o sobrenome Minella era repetido à exaustão nas rádios e diários marplatenses não só pela quantidade quadruplicada no elenco como também pelas qualidades de Pepe; com uma canhota habilidosa, se notabilizava também pelo cavalheirismo e ascendência serena sobre os colegas, alternando-se entre o posto de meia-armador e o de ponta-esquerda. A distância considerável à capital federal impedia a participação dos times do balneário no campeonato argentino, que apesar do nome era restrito oficialmente à Grande Buenos Aires e La Plata; assim, Minella parecia restrito à liga marplatense, dominada na época pelo Nación. Mas foi de Pepe a artilharia da liga municipal de 1927. E ele não desperdiçou a oportunidade de um amistoso contra o Gimnasia LP em algum feriado de 1928. Convidado por um sócio do time platense, chegou ao Bosque no início de 1929 e agradou no teste contra o Estrella de Berisso, ainda pelo time B.

Minella é o primeiro jogador do Gimnasia em pé sobre a neve de Munique, onde marcaria quatro gols sobre o 1860 em 1931. A outra imagem, do mesmo ano, mostra-o em sempre renhido clássico com o Estudiantes

Ele, ainda meia-esquerda, fez sua estreia oficial na equipe principal exatamente na primeira partida (contra o Colegiales) da campanha vencedora do campeonato argentino de 1929, até hoje o único título gimnasista na competição. No segundo jogo, ele já anotava um golaço avançando e eliminando adversários desde o meio-campo para assinalar o segundo de um 4-0 no Platense. Também marcou no jogo seguinte, o segundo do 4-1 no Estudiantes de Buenos Aires, e abriu o 2-0 no quinto compromisso, contra o Argentinos del Sud. No oitavo, contra o San Fernando, deu a assistência para Ismael Morgada abrir o 2-1. Também marcou outro gol, em derrota por 2-1 na nona partida, contra o San Isidro, após driblar vários adversários. Minella ainda atuou nas duas partidas seguintes, já à altura de dezembro de 1929. Uma inoportuna lesão, porém, o tirou dos gramados por alguns meses; Jesús Díaz se consagrou no seu lugar para as finais contra o Boca. Ao voltar, já era tarde lutar por um lugar na Copa do Mundo de 1930.

Ao longo de 1930, os triperos passaram longe de repetir o título, na oitava colocação do torneio argentino de 1930, mas puderam estender o bom momento para uma vitoriosa excursão à Europa, na qual tornaram-se a primeira equipe de fora daquele continente a vencer tanto o Real Madrid como o Barcelona nos respectivos estádios da dupla espanhola. Usado também como centroavante, Minella, participando de oito jogos, foi justamente o artilheiro da excursão, com onze gols – incluindo os quatro de um 4-0 sobre neve contra o Munique 1860 e outro em 3-3 com a Internazionale, então denominada Ambrosiana. Ele próprio, porém, reiterava que o grande momento do clube foi o triunfo por 3-1 sobre o Sparta Praga, então visto como time mais forte da Europa Central, com prestígio remontando ao “Sparta de Ferro” dos anos 20. Não que houvesse glamour aos atletas, conforme esses detalhes que ele daria anos depois: “foi uma gira intensa e que poderia ter um resultado desportivo melhor, se não fosse encarada com um critério comercial. Mas havia pelo meio um empresário. Jogávamos com muita frequência, sem descanso algum. Em uma excursão de cinco meses, incluídas as largas viagens, sustentamos 27 jogos”.

Ainda segundo Minella, “saltávamos de um lugar a outro, sem descanso algum, passando por climas distintos e sobretudo por comidas nada gratas ao nosso paladar riopratense. Às vezes, nem víamos carne. Isso faz com que, fora as lembranças gratas, sejam muitos os momentos ingratos recordados. Em Munique, haviam passado um rolo sobre o campo e algumas cadeiras eram formadas com entulhos. Parecia a nós impossível jogar. Nessas condições e apesar disso, ganhamos por 4-0. Joguei de centreforward e tive a sorte de marcar todos os gols. Mas a neve não foi a única surpresa. Na Áustria, onde creio que se jogava o melhor futebol do continente, tivemos que jogar sobre o gelo. Havia chovido e fazia um frio intenso e se formou sobre a grama uma capa de geada que parecia vidro. A baixa temperatura nos produzia, também, uma forte dor de cabeça e muitos jogadores tinham as mãos ou os pés congelados. Sorteando todos esses inconvenientes, cumprimos os compromissos da viagem”. O momento mais emotivo, porém, foi aproveitar a estadia italiana para reforçar laços familiares.

Migues, o futuro palmeirense Echevarrieta e Minella em 1932. À direita, o rival como melhor volante na Argentina: Corazzo, do Independiente e avô de Diego Forlán

Foi em “uma manifestação que se realizou em um povoadinho quase ignorado na Itália, chamado Villanova, onde residiam meus avós. Consegui permissão para ir visita-los, e quando cheguei, isso pela meia-noite, resulta que me esperava quase toda a população, com uma banda de música à frente, e me fizeram uma recepção de um príncipe. Me levaram carregado e me agasalharam em forma por demais extraordinária”. Naquele vilarejo no Piemonte, “me olhavam como um Deus e me diziam coisas que eu não compreendia. Observei o efeito que significava a presença nesse povoado de um filho daqueles que trinta anos antes haviam saído rumo à Argentina, com a esperança de juntar dinheiro e voltar à aldeia” e “a emoção me sacudiu o coração. Quando cheguei, fui envolto por uma montanha de abraços dos meus tios, meus primos, meus sobrinhos. Nessa noite, dormi na casa dos meus pais – que era de pedras – e na manhã seguinte saímos a percorrer o povoadinho. Outra vez, as mostras de carinho foram incríveis: me paravam, me lembravam coisas dos meus pais, me enchiam de anedotas. A despedida foi mais emocionante que a chegada”.

Também foi naquela excursão que Minella, que já havia se oferecido ainda em 1930 para atuar na lateral-esquerda após a lesão de Jesús Díaz, foi recuado de vez do ataque para o posto de volante central, inicialmente para ser improvisado no lugar do lesionado Pedro Chalú. Nascia a célebre linha média dos três M: Oscar Montañés (capitão da Argentina em um 5-1 sobre o Brasil em São Januário em 1939, pior derrota brasileira em casa até os 7-1), Minella e Ángel Miguens. Pepe agradou e terminou mantido, ainda que inicialmente a contragosto, como declarou em 1941: “para os dirigentes, estava resolvido o problema do centrehalf. Mas eles não sabiam que a mim, particularmente, não gostava nada dessa praça. Uma coisa era ocupa-la acidentalmente e outra em forma efetiva”. Ele já havia confessado a insatisfação em 1933: “as pessoas são resultadistas e o forward com aptidões para o arremate tem uma grande vantagem sobre os homens da defesa e, em especial, sobre os halfs. Lhe basta conquistar um gol para receber o aplauso e a consideração dos parciais”.

“Não digo isto porque me interesse que me aplaudam frequentemente, e sim pela ingratidão que se comete com os homens que trabalham mais que aquele que conquistou o triunfo com um shot, que bem pode ter sido a única coisa boa que tenha feito em todo o match. Não me negarão que ocorre isso. Por isso, preferia ser forward. Existe essa possibilidade de salvar uma má atuação com um shot. Ao contrário, o half não pode apagar a má recordação de um jogo com um passe nem com um roubada por melhor realizados que sejam”. Apesar do sucesso europeu, o Gimnasia não foi bem no campeonato de 1931, o primeiro do profissionalismo oficial no futebol argentino: terminou em décimo segundo, mas roubou pontos importantes do grande rival; contra um formidável Estudiantes com melhor ataque disparado do torneio (superou os cem gols, tendo mais de vinte em relação ao segundo melhor ataque, do campeão Boca), empatou fora de casa em 1-1 e bateu por 3-2 no Bosque já na reta final.

O combinado que deu a primeira vitória argentina no estádio Centenário: Spinetto, Santamaría (depois jogador de Fluminense e Botafogo), José González, Bello, Cuello, Minella, Bosio, Wergifker e De Jonge; Tomás González, Varallo, Naón (Flamengo), Sastre (São Paulo), Arrieta, Cusatti (Fluminense), Moyano e Peucelle

Em 1932, o clube foi sétimo, mas seu volante foi reconhecido para o combinado da liga argentina reunido em 21 de janeiro de 1933 para uma partida contra a uruguaia, em derrota de 2-1 em Montevidéu. Anos mais tarde, esse jogo, em que os hermanos atuaram com uma camisa branca com detalhes verdes ao invés do tradicional manto alviceleste, foram convalidados como das seleções dos dois países – pois aqueles combinados reuniam jogadores dos principais clubes das duas nações, os quais naquele momento estavam rompidos com as associações reconhecidas oficialmente perante a FIFA. Em 1933, então o Gimnasia enfim voltou às cabeças. Treinado pelo húngaro Emérico Hirschl, o elenco, que continha ainda o mais efetivo atacante da história do Palmeiras (José Echevarrieta) e o maior goleador da história gimnasista (Arturo Naón, depois jogador do Flamengo) foi apelidado de El Expreso. Quatro derrotas nas nove rodadas finais, porém, fizeram o elenco terminar a quatro pontos do campeão San Lorenzo. Já jogador da retaguarda, Minella marcou quatro gols naquela campanha, o último deles justamente no jogo mais recordado – por motivos negativos.

Os platenses concorriam com Boca e San Lorenzo e já haviam sido derrotados na 26ª rodada pelos auriazuis em jogo de arbitragem polêmica, onde ganhavam fora de casa por 2-0 e perderam no segundo tempo por 3-2. O juiz De Dominicis seria suspenso perpetuamente após assinalar um pênalti inexistente e validar um gol em impedimento, nos lances dos dois últimos gols. Perderam a liderança para os xeneizes ali. Na 28ª foi a vez de visitarem o Sanloré. Minella, com um petardo de longe, empatou no penúltimo minuto do primeiro tempo. Sobreveio um 2-1 parcial ao San Lorenzo e a polêmica surgiu quando um pênalti claro foi apitado como falta fora da área. Pouco depois, um gol azulgrana foi validado mesmo sem que a bola passasse da linha e o tripero Miguens, expulso após chutar o juiz. Os dirigentes gimnasistas então ordenaram que seus jogadores parassem de jogar. Sentados, os visitantes sofreram então outros quatro gols em um 7-1 controverso, enlouquecendo o árbitro Rojo Miró, que se retirou do campo antes do fim para os jogadores dos dois times então se unirem em uma volta olímpica.

Ao comemorar seus 40 anos em 1959, a revista portenha El Gráfico reconheceu o Expreso como um dos maiores timaços que pudera acompanhar, definindo-o como o campeão moral de 1933. A campanha honrosa recolocou Minella em nova partida do combinado da liga, em 1-0 que foi o primeiro triunfo argentino sobre o Uruguai em algum clássico no estádio Centenário. O sucesso, porém, não bastou para que fosse à Copa do Mundo de 1934, agora por fatores políticos. O campeonato profissional inaugurado em 1931 fora fruto de um movimento rebelde contra a associação oficial, que recrutou somente amadores para representar a Albiceleste na Itália; em julho e em agosto daquele ano, Minella foi novamente recrutado para novas partidas do combinado da liga argentina contra os vizinhos: empate fora em 2-2 e triunfo de 1-0 em casa. O Gimnasia, em paralelo, terminou o torneio de 1934 apenas em nono, mas pôde emendar seis Clásicos Platenses seguidos de invencibilidade, o que incluiu cinco vitórias consecutivas – realidade hoje distante ao sofrido Lobo.

A Argentina campeã de 1937 sobre o Brasil. Minella é o primeiro na fila do meio. Celestino Martínez (Fluminense), Emeal (Vasco) e Sastre (São Paulo) jogariam no Brasil

Pouco após o fracasso na Copa de 1934, com eliminação já na estreia, a associação oficial jogou a toalha e ante à preferência de público e imprensa pela liga profissional “pirata” e foi por ela absorvida. Considerado o melhor volante central em atividade no país, ao lado do uruguaio Juan Carlos Corazzo (avô de Diego Forlán), do Independiente, Minella foi chamado pela seleção que em janeiro de 1935 disputou a primeira Copa América realizada em seis anos. Curiosamente, ainda não vestiria a Albiceleste; a Argentina usou uma camisa totalmente branca e os uruguaios, com quem decidiram o título, vestiram um uniforme alvirrubro a fim de deixar para trás as polêmicas que marcaram as finais de 1928 e 1930 entre as duas nações. Como nelas, os argentinos, embora ganhassem por 4-1 as outras partidas, precisaram se contentar com o vice, após derrota de 3-0 no clássico.

Foi na competição que Minella, titularíssimo, acertou sua transferência ao River: “o presidente do River, Sr. Liberti, se comunicou telefonicamente comigo para que ratificasse a conformidade para atuar no clube. Já antes havia conversado a respeito, mas, logrado o acordo com o Gimnasia, queria conhecer minhas condições. E não houve inconveniente em chegar a um acordo. Estranhei a mudança e sobretudo pesava a enorme responsabilidade do preço pago e de defender uma casaca tão prestigiosa. Sinceramente, os primeiros jogos foram ruins. Depois, pouco a pouco me fui assentando e já no sexto jogo me encontrava satisfeito com o rendimento do meu jogo”. O River, de fato, fez uma campanha decepcionante em 1935: quinto lugar e quatorze pontos atrás do arquirrival campeão, em tempos em que vitórias só valiam dois e não três. Minella marcou três vezes, uma delas em 1-1 na visita ao Independiente. Àquela altura, embora já fosse um clube institucionalmente grande, o Millo só tinha os títulos de 1920 e 1932 e menos torcedores do que o Racing.

Isso começou a mudar com seu primeiro bicampeonato seguido, exatamente nos torneios de 1936 e 1937, ano em que somou 31 pontos de 34 possíveis em um segundo turno demolidor. Minella só somou um gol em todo o bi – curiosamente, em jogo onde também marcou um gol contra, em 6-1 sobre o Quilmes pela sexta rodada de 1937. Foi inclusive a tarde do seu último gol na elite argentina: Pepe estava consolidado como peça central de linha média que compunha com Carlos Santamaría (em 1936) ou Esteban Malazzo (em 1937) à direita e Aarón Wergifker à esquerda. Em meio ao bi, foi campeão da Copa América realizada na Argentina na virada de 1936 para 1937. Os hermanos estavam crentes de que logo receberiam outro torneio: a Copa do Mundo, sob o entendimento de que a sede devia alternar-se entre Europa e América do Sul. Com a FIFA escolhendo a França, a AFA optou por sequer disputar as eliminatórias – e assim, novamente por fatores alheios aos gramados, Minella deixou de ir a uma Copa.

Em 1939 como capitão de um combinado River-Independiente junto com Domingos da Guia, antes de enfrentar o combinado Vasco-Flamengo, e no Peñarol em 1942: para sucedê-lo, contrataram Obdulio Varela

Seu River foi vice do torneio de 1938 e do de 1939 para o Independiente. El Pepe, chegando aos 30 anos, não chegou a ser titular absoluto; ficou até quase dois anos sem defender a seleção, entre outubro de 1938 e julho de 1940, quando regressou em um 5-0 no clássico com o Uruguai. Embora o River decaísse em 1940 (chegou a estar em 9º e recuperou-se para terminar em 3º), Minella foi chamado para a Copa América realizada em fevereiro de 1941. Agora, como capitão e presente em todos os jogos em nova campanha campeã. Em um regresso com o River à cidade natal, foi homenageado não só por velhos amigos do Independiente como recebeu medalha até mesmo do Quilmes de Mar del Plata, potência local (especialmente no basquete). Mas o título na Copa América também seria a despedida de Minella da Albiceleste, onde foi capitão em 18 das suas 24 partidas oficiais. Pelo restante de 1941, o River, germinando seu célebre timaço apelidado de La Máquina, terminou campeão.

Só que, mesmo que houvesse a Copa do Mundo de 1942, Minella dificilmente a jogaria: ainda pela 4ª rodada de 1941, lesionou-se seriamente ao fraturar uma vértebra em choque com Florencio Caffaratti (ex-colega de River e depois primeiro nativo da Argentina a defender o Barcelona), na vitória de 4-0 em visita ao Banfield. Quando retomou condições de jogo, já em 1942, não foi para voltar a vestir a Banda Roja. Emprestado ao Peñarol, foi elogiado, ganhando a Copa nacional, que precedia o campeonato. Nele, os carboneros chegaram à rodada final com chances de título, mas perderam o duelo direto contra um Nacional que emendou um inédito pentacampeonato uruguaio no período. Após tirar 1943 como ano sabático, Minella (cuja lacuna no Peñarol seria ocupada por Obdulio Varela, que reforçaria naquele ano os aurinegros) pendurou as chuteiras em 1944, no Chile, pelo Green Cross, sem evitar a antepenúltima colocação do clube que originou o atual Temuco. Quando Minella regressou ao River, foi para assumir em 1947 um time que se tornaria órfão da lenda Adolfo Pedernera.

Pedernera era o maior alicerce de La Máquina e descrito por Alfredo Di Stéfano como maior jogador que vira. Di Stéfano era reserva desse craque e enfim virou titular em Núñez para aquele ano, sagrando-se campeão e artilheiro no primeiro título do técnico Minella. Seriam doze anos, com média de títulos argentinos ano sim, ano não: seis, ainda que a glória de 1947. Após quatro anos sem novos títulos, com a Banda Roja bastante desfalcada com o êxodo de muitos dos membros da famosa greve de 1948, o River recuperou a taça em 1952. Armando uma retaguarda compacta e um ataque contundente ao deslocar Walter Gómez para centroavante, invertendo papel com Eliseo Prado, Minella venceria todas as ligas até 1957, exceto a de 1954. Era La Maquinita dos anos 50 se mostrando ainda mais efetiva do que La Máquina, logrando inclusive o primeiro tri seguido do Millo, entre 1955 (quando pela única vez a taça se garantiu com vitória em Superclásico dentro da Bombonera, e de virada) e 1957, quando garantiu-se a taça ainda na 27ª rodada a despeito da venda da estrela Omar Sívori à Juventus em maio.

Despediu-se da seleção como capitão campeão da Copa América de 1941. Eis os nomes: Salomón, Gualco, Minella, Colombo, Alberti e Sbarra; Pedernera, Sastre, Marvezzi, Moreno e Enrique García, ataque dos mais demolidores que a Argentina já teve

Minella era o comandante também em outros capítulos especiais do River, como o amistoso beneficente em prol do Torino em 1949, as quatro vitórias seguidas no Superclásico entre 1950 e 1951 ou o primeiro triunfo de um time argentino sobre ingleses – no 4-3 sobre o Manchester City, em 1952, em excursão europeia onde também bateu o Real Madrid por 4-3 e um combinado Benfica-Sporting por 5-1, só perdendo um jogo em 14 disputados. O tricampeonato fez com que Minella somasse nove conquistas argentinas pelo clube (na soma jogador e treinador), recorde que dividiu com Labruna até 1975, quando este, como técnico, somou sua 10ª taça. Ambos foram seis vezes campeões como técnicos do River, ainda dividindo o recorde de campeonatos argentinos ganhos embora no geral tenham sido ultrapassados por Ramón Díaz em 2002 e por Gallardo no ano passado. O tri também fizera o clube ser a base da seleção argentina enviada à Copa do Mundo de 1958, com o vexame na Suécia tendo o efeito reverso de provocar um declínio acentuado no desempenho millonario nos torneios de 1958 e 1959. Nesse ano, um apático Millo chegou a levar de 5-1 do Boca, terminando em 5º em ambos, encerrando a era Minella.

Pepe, porém, ainda pôde demonstrar estrela: em 1960, treinando o Cerro, levou o time alviceleste de Montevidéu à sua melhor campanha no campeonato uruguaio, o vice-campeonato em jogo-extra após dividir a liderança com o Peñarol. Técnico discreto, longe da verborragia de Labruna ou Díaz, Minella expôs em 1962 seu decálogo à El Gráfico, com orientações à frente de seu tempo, começando por “ter sempre a posse de bola”, passando por “a habilidade individual deve ser aplicada ao toque e ao drible. Se posso, escolho o toque” ou por “entre um passe largo e duvidoso, fico com três passes curtos”. Ele voltaria brevemente a Núñez em 1963, mas sem reeditar o bom momento de outrora, sendo substituído por Labruna com o torneio em andamento. Ainda assim, foi então designado em 1964 para treinar a Argentina convidada para a Copa das Nações, organizada pela CBD para comemorar os 50 anos da seleção brasileira. Preparou “um plano de trabalho para cumprir decorosamente como faz toda equipe que se crê inferior”. Isso incluiu ordens de poucas palavras a José Mesiano para focar-se em seguir Pelé, cumprida tão à risca que o Rei fraturou o nariz do argentino no surpreendente 3-0 sobre a seleção bi mundial.

A Copa das Nações seria a conquista mais expressiva da Albiceleste até a Copa de 1978, triunfando também sobre a próxima campeã (Inglaterra) e de Portugal de Eusébio. Minella seguiu no comando na disputa das eliminatórias, que renderam a primeira vitória argentina sobre a Bolívia na altitude de La Paz. Porém, desentendimentos com a já desorganizada AFA fizeram com que ele saísse do cargo ainda em 1965 e ele seguiu trabalhando como técnico do América de Cali. Reassumiu a seleção no segundo semestre de 1968, mas não ficou até as eliminatórias, anunciando de antemão sua renúncia ainda antes do fim do ano, em reação ao afastamento de Valentín Suárez, interventor da AFA que o nomeara. Os dois últimos jogos de Minella como treinador, curiosamente, foram na Mar del Plata natal, em amistosos contra Polônia (1-0) e Iugoslávia (1-1). Dez anos depois, a cidade seria sede da Copa do Mundo.

Pepe ainda pôde presenciar em vida o inédito título mundial argentino, falecendo em 1981, sendo sepultado em Santa Fe. O Estádio Ciudad de Mar del Plata desde 1998 se chama Estádio José María Minella. Justa homenagem a atrelar às Copas do Mundo um craque e quem, por tantas vezes, viu as chances de participação pessoal no torneio escorrerem pelos dedos mais por deméritos políticos do que próprios.

Como treinador (com o agasalho com letra E, de “entrenador”) do River campeão de 1947. Os outros em pé são Yácono, Vaghi, Grisetti, Ferreyra, Rossi e Ramos. Sentados estão Reyes, Moreno, Di Stéfano, Labruna, Loustau e Francisco Rodríguez

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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