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Elementos em comum entre Colón e Talleres

Se uma das oitavas-de-final “argentinas” da Libertadores resgatará um duelo com aura de clássico nos anos 90, outra não é menos saudosa a respeito daquela década – pelo menos, sobre a metade final dela. Ainda sem títulos argentinos, mas com mais de uma classificação à Libertadores, Colón e Talleres renderão um confronto a destacar uma Argentina “mais real”, de um país que não pode ser limitado à Grande Buenos Aires e à cobertura dos “cinco grandes” (Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo). Santa Fe e Córdoba, respectivamente as cidades da dupla, estão precisamente entre os municípios em que as forças locais (tão frequentemente minimizadas na mídia nacional) resistentemente são mais localmente populares que os gigantes Boca e River. E que não deixaram de partilhar figuras, entre Sabalero e La T.

Boa parte dessa popularidade em meio à falta de títulos argentinos na primeira divisão que as duas cidades ainda sentem (a conquista colonista em 2021 foi na Copa da Liga, um torneio que a AFA considerou à parte da liga argentina) se deve aos prestígio que torneios municipais ou regionais tiveram nos tempos em que o campeonato argentino – apesar do nome – era restrito de modo oficial aos clubes da Grande Buenos Aires, La Plata e Rosario. Em 1940, pela primeira vez admitiu-se um time santafesino, mas na segunda divisão, o Unión. O rival Colón teve de aguardar até 1948 para igualmente ser afiliado à segundona. Como precisaram ambos esperar até meados dos anos 60 para conseguirem subir à elite, a liga santafesina manteve bastante apelo local.

No caso do Colón, vencer, ainda como time de segunda divisão, o Santos de Pelé em 10 de maio de 1964 (2-1) foi outro troféu simbólico – o apelido “Cemitério de Elefantes” ao estádio rojinegro advém de vitórias assim. Curiosamente, também em 1964, o Santos visitou também a casa tallarin, por sua vez apelidada de La Boutique; os praianos venceram, também por 2-1, ainda em 8 de março, mas levariam troco (outro 2-1, agora como derrotados) em reencontro em 16 de novembro de 1977. Contexto em que a a liga cordobesa chegava a ser mais importante que a inglesa para fins do radar das convocações à seleção argentina nos anos 70, quando o futebol do interior como um todo desfrutou de uma geração dourada, bastante representada nas Copas do Mundo de 1978 e 1982. Muito por conta da vitrine conferida pelo extinto Torneio Nacional, que entre 1967 e 1985 agrupou os melhores times do interior com as equipes do campeonato argentino – renomeado de “Metropolitano” naquele período.

Pastoriza é o técnico da última Libertadores ganha pelo Independiente, em 1984, e treinou por um mês o Fluminense em 1985

Em 1979, virou lei: os clubes do interior classificados a dois mata-matas seguidos ou a três alternados teriam direito de afiliação ao próprio Torneio Metropolitano, que seguia mais prestigiado para os puristas. Hexacampeão cordobês seguido entre 1974-79 e sempre avançando às fases decisivas do Nacional, o Talleres (vice-campeão argentino de 1977 semanas após vencer aquele amistoso com o Santos) foi o segundo clube mais representado na convocação da seleção de 1978 e cumpria os dois requisitos legais. Assim, em 1980 ele deixou a liga cordobesa para estrear no Metropolitano – embora quase fosse imediatamente rebaixado em 1981, em uma briga que envolveria o próprio Colón, lanterna.

Como nem o bairro Jardín e nem Cementerio de Elefantes têm em suas vitrines o campeonato argentino ainda, os anos de conquistas em comum se resumem àqueles torneios locais: 1918, 1922, 1923, 1924, 1945, 1951, 1958 e 1969. Mais numerosa é a quantidade de quem trabalhou nos dois clubes. Pinçamos uma lista do tipo contemplando quem soube se destacar no mínimo por um dos lados – como Cristian Pavón, hoje no Atlético Mineiro e cujas imagens abrem essa matéria:

José Omar Pastoriza: nascido no interior da província de Santa Fe, foi profissionalizado no Colón, em 1961. El Pato participou do acesso na terceira divisão de 1963 – em um inchaço promovido nos escritórios da AFA, é verdade. Ainda na segunda divisão, o volante foi pinçado pelo Racing em 1965 e já em 1966 integrava a seleção em uma Copa do Mundo, embora virasse ícone exatamente no rival Independiente. Já como técnico do Rojo, foi um carrasco do Talleres na final do Nacional 1977, o mais perto que La T chegou do título argentino. A segunda melhor campanha foi justamente quando Pastoriza foi o treinador tallarin: o 3º lugar exatamente na campanha de estreia dos cordobeses no Metropolitano, em 1980. Pastoriza teria diversas outras passagens entre os alviazuis, embora nenhuma tão exitosa como aquela. Foi o bombeiro que não evitou o primeiro rebaixamento, em 1993. Trabalhou em parte inicial da campanha de acesso em 1998. E ainda em 2003, um ano antes de falecer. Já lhe dedicamos este Especial.

Héctor Baley: talvez o mais famoso afro-argentino que chegou à seleção, El Chocolate estreou por ela ainda como goleiro do Colón, clube no qual registrou 79 jogos oficiais. Esse goleiro era reserva subutilizado naquele Estudiantes tricampeão de Libertadores e chegou a Santa Fe em 1973 para ser definido como um “arqueiro espetáculo”, de poses, boa antecipação e reflexos – embora deixasse passar alguns gols bobos. É o goleiro com menor índice de gols sofridos por partidas disputadas dentre os que defenderam a Argentina mais de dez vezes. Baley rumou ao Huracán em 1976 e foi o ilustre reserva da lenda Fillol nas Copas de 1978 e 1982. Elegemos ele para o time colonista dos sonhos e ele não foi menos ídolo no Talleres: foram 156 jogos até pendurar as luvas, em 1987, às vezes como jogador-treinador, e foi ao Mundial da Espanha mesmo que La T houvesse brigado contra o rebaixamento em 1981. Ponto mais alto: semifinais do Nacional 1984. Já lhe dedicamos este Especial.

Raro jogador afro-argentino de fama, só Baley jogou na seleção vindo dos dois. Foi goleiro reserva da Argentina campeã de 1978

Víctor Binello: zagueiro central com cerca de duzentos jogos pelo Talleres, seu clube entre 1973 e 1980 – participando, por tabela, da fase áurea do bairro Jardín, embora nem sempre titular. No Colón, calhou de participar exatamente da malfadada temporada de 1981, quando o Sabalero caiu por antecipação após dezesseis anos seguidos na primeira divisão.

Claudio Chena: atacante de 19 gols em 99 jogos pelo Colón (1982-1986, sempre na segunda divisão) e 4 em 27 pelo Talleres (1986-1987).

Abel Blasón: em Córdoba, ficou muito mais associado ao Belgrano, seja no elenco invicto por 40 jogos na ainda prestigiada liga cordobesa em 1984 ou no campeão nacional do interior em 1986. Bateu na trave pelo acesso em 1988, onde La B foi derrotada na final com o Banfield, e virou em seguida a casaca para La T. Mas no bairro Jardín ele esteve longe de ser o atacante temível por sua força e chute potente, com um único golzinho em 29 jogos da primeira divisão de 1988-89. Recuperou-se no Colón, como um dos goleadores na boa campanha de 1991-92 na segundona – melhor descrita através do nome seguinte dessa lista. Foram 14 gols em 36 partidas no Sabalero.

Adolfino Cañete: o meia paraguaio jogou o fino nos dois títulos do Ferro Carril Oeste, em 1982 e 1984. Chegou veterano ao Talleres para razoáveis 13 gols em 62 jogos entre 1988 e 1990. Já tinha 35 anos quando rumou em seguida ao Colón, em 1991. O clube jazia na segundona há dez anos e beliscou o acesso nas duas temporadas sob regência de Fino. Deixou 14 gols em 82 partidas, mas o Sabalero ficou no cheirinho: 3º lugar na temporada 1990-91, na de 1991-92 calhou de perder a vaga ao Banfield em partida na qual o craque perdeu pênalti. O lance lhe deixou marcado e ele não seguiu em Santa Fe, mas o passar do tempo lhe permitiu ser reconhecido entre os grandes ídolos colonistas em edição especial publicada em 2011 pela revista El Gráfico.

O refinado Cañete e o artilheiro Parodi

Daniel Mozas: volante esquerdo de boas campanhas do Colón na briga pelo acesso (1987-1992), deixou 16 gols em 106 jogos. No Talleres, apenas 14 jogos e um gol, na temporada do segundo rebaixamento à segundona, em 1994-95.

Walter Parodi: profissionalizado no Quilmes, foi no Colón que ele virou o Waltergol, na temporada 1986-1987, em que o Sabalero foi segundo colocado na temporada regular da segundona, embora caísse nas semifinais dos mata-matas. Foi o suficiente para Parodi chegar individualmente à elite, contratado por um Deportivo Español cascudo na época, clube em que tornou-se o maior artilheiro na primeira divisão. Reserva útil no vistoso Independiente de 1994 – embora, ironicamente, fosse assumido torcedor do rival Racing -, Parodi reforçou o Talleres no início de 1996, para a metade final da segundona de 1995-96. Naquela temporada, o torneio foi dividido em Apertura e Clausura, que serviam apenas para apontar os finalistas pelo título. Parodi deixou cinco gols em 17 jogos. La T venceu o Clausura, mas a taça e única vaga direta ficaria com o Huracán Corrientes nas finais. Os cordobeses precisaram recomeçar em mata-matas, caindo nas semifinais para o Unión. Que, ironicamente, levara de 4-1 com gol dele no Clausura… o suficiente para o Español, ainda na primeira divisão, recontrata-lo. Já dedicamos a ele este Especial póstumo.

Juan José Ferrer: volante central de 87 jogos e quatro gols nas contínuas lutas do Colón para subir entre 1989-1993. No Talleres, acompanhou Parodi na temporada 1995-96 da segundona, com dois golzinhos em doze jogos.

Javier Oscar López: o volante teve duas etapas no Colón: lutando na segundona entre 1985-1990, El Alemán enfim viveu o acesso na de regresso, a 1994-1995, depois de um bom período no Huracán. Ao todo, foram 24 gols em 180 partidas no Sabalé. Mas permaneceu na Primera B, reforçando o Talleres para as duas temporadas seguintes (90 jogos, cinco gols). Em Córdoba, não pôde subir com La T, mas sim com o vizinho Instituto, na temporada 1998-99.

Manuel Santos Aguilar: vindo do Estudiantes, esse coringa de lateral ou volante reforçou o Colón para a Libertadores 1998, a marcar a estreia santafesina em La Copa. Após a campanha honrosa dos estreantes – e 34 jogos e cinco golzinhos, bom número para sua posição – El Sapo reforçou o Talleres na temporada 1999-2000, sendo titular na conquista cordobesa na edição final da Copa Conmebol.

O Colón que venceu por 2-0 o clássico com o Unión no Apertura 1998. Unali é o 4º em pé, Castagno Suárez é o último em pé e Santos Aguilar é o penúltimo agachado

Darío Gigena: um dos nomes mais conhecidos dos brasileiros nessa lista, por ser um talismã na exitosa fuga de rebaixamento da Ponte Preta em 2003, na qual brilhou com hat trick no dérbi com o Guarani; desde os anos 40 o futebol brasileiro não via um argentino conseguir isso em algum clássico de expressão. Na Argentina, Gigena ficou mais marcador por virar continuamente a casaca. El Topo primeiramente defendeu Belgrano e Unión para então passar pelos respectivos rivais: esteve no Talleres na temporada 1999-2000, marcando um dos gols do título da Copa Conmebol 1999, e outros 15 em 34 jogos no campeonato argentino. Para a temporada seguinte, foi ao Colón. Fez gol no clássico, mas os números gerais caíram, saindo para brigar (inutilmente) contra o rebaixamento pelo Huracán em 2002-03. Ainda defenderia em Córdoba o Racing local, que não deve ser confundido com o de Avellaneda, na segundona de 2004-05.

Dante Unali: lateral-esquerdo que destacou-se por regularidade, boa marcação e correta projeção ao ataque (sempre com critério, sem desguarnecer a defesa) em uma carreira longeva, na qual conseguiu chegar rapidamente à seleção ainda como jogador do sumido Mandiyú de Corrientes (apenas ele e José Basualdo alcançaram isso), em 1991 – ainda que para apenas 13 minutos em campo de um 3-3 amistoso com o Brasil. Naquele mesmo ano, detectou-se um problema cardíaco que lhe obrigava a tomar medicações. E ainda assim foi peça-chave no Colón entre 1994 e 2000: ganhou a segundona de 1994-95, esteve no vice do Clausura 1997, a honrosa Libertadores 1998 e o bronze no Clausura 2000. No Talleres, esteve apenas na temporada 2000-01, no qual La T brigou seriamente pelo Apertura com a dupla Boca e River e assim classificou-se à Libertadores 2002. Mas não era exatamente titular, sendo tallarin por 19 jogos e logo repatriado pelo Colón, onde somou mais de 200 partidas, para uma temporada final.

Javier Villarreal: volante revelado pelo Talleres em 1996, viveu os momentos recordados da Era Gareca, exceto justamente os de 1999 – quando calhou de defender justamente o rival Belgrano. De Córdoba ele partiu ao Córdoba, o clube espanhol da cidade de mesmo nome e do qual foi repatriado pelo Boca no início de 2001. Villarreal vinha para substituir Gustavo Barros Schelotto (vendido ao… Villarreal) como opção recorrente de banco ao trio sólido de volantes que carregavam o piano para os recitais de Juan Román Riquelme. Titular nas Libertadores 2001 e 2003, reforçou pontualmente o Colón em 17 partidas em 2005. Sua idolatria em La T foi renovada no fim da carreira, participando ativamente no título da terceira divisão em 2013 – ano do centenário alviazul.

Diego Castagno Suárez: sem espaço no Newell’s, foi com outra camisa rojinegra que esse volante central se encontrou. Foram 177 jogos entre 1996 e 2002, exibindo boa capacidade para recuperação da bola e repassa-la de primeira, e de liderança: além de ser peça-chave com Unali naquelas campanhas destacadas do fim dos anos 90, era o capitão. E ficou invicto no Clásico Santafesino: três vitórias e cinco empates contra o Unión. Também vez ou outra sabia ser elemento surpresa, contribuindo com quatro gols no Clausura 2000, onde o Sabalero teve sua pontuação mais alta na era dos torneios curtos (36). Especialmente no cabeceio, arma usada para nove de seus quinze golzinhos pelo Colón. Saiu de Santa Fe para ser imediatamente campeão argentino com o Independiente (ainda o último troféu nacional do Rojo, no Apertura 2002) e sua passagem pelo Talleres deu-se para pendurar as chuteiras. Foi na temporada 2005-06 da segundona, com 24 jogos e três gols.

O xodó pontepretano Gigena – a seu lado no Talleres de 1999, Santos Aguilar

Diego Chitzoff: defensor que acumulou mais de uma centena de jogos (e um golzinho) entre 2004-2009 pelo Colón, participou do título do Talleres na terceira divisão de 2012-13 (às portas do centenário tallarin), onde contribuiu com 20 participações e outro gol.

Diego Pozo: tinha uma carreira sem muito ruído na segunda divisão, cenário em que defendeu o Talleres na temporada 2006-07 (36 jogos) e depois o rival Instituto. Já tinha 30 anos de idade quando o Colón o pinçou em 2008, inicialmente para ser reserva de Sebastián Blázquez. E só veio a estrear já na 9ª rodada do Apertura, mas para não sair mais: o Sabalero venceu por 3-0 o Vélez fora de casa. Para além do bom físico, segurança no jogo aéreo e elasticidade entre as traves, exibiu capacidade acima da média para defender pênaltis (cinco em quinze, nos seus três primeiros anos em Santa Fe). Pilar nas campanhas que colocaram a equipe na pré-Libertadores 2010, acabou chegando à seleção de Maradona – foi usado em três amistosos e embarcou à África do Sul como o terceiro goleiro na Copa de 2010, a única para além de 1934 em que a Albiceleste teve gente rojinegra. Saiu em meados de 2013 para o Huracán e no primeiro semestre sem Pozo, o Colón foi rebaixado.

Cristian Pavón: talvez o nome mais conhecido dessa lista, por ter figurado na Copa de 2018 e pertencer atualmente ao Atlético Mineiro. Pavón é prata-da-casa do Talleres, onde chegou aos oito anos e foi profissionalizado aos 17, na segunda divisão de 2013-14 – após já ter disputado o Mundial sub-17 com a seleção argentina da categoria. Com apenas 20 jogos e quatro gols no time adulto, mas já visto como promessa, o ponta-direita foi logo comprado pelo Boca, ainda que os auriazuis inicialmente o repassassem emprestado ao Colón para a segundona transicional de 2014. Recém-rebaixado, o Sabalero foi imediatamente promovido à elite como líder do Grupo A e Pavón foi logo reintegrado pelo Boca, vivenciando as conquistas nacionais em série – e os dissabores internacionais – que marcaram os anos recentes boquenses até chegar ao futebol brasileiro nesse 2022.

Pablo Ledesma: meia profissionalizado em 2002 pelo Talleres, não chegou a duas partidas pelo time adulto e rumou ao Boca – a tempo de converter um dos pênaltis naquelas recordadas semifinais contra o River na Libertadores 2004. Após dois ciclos vitoriosos no gigante, chegou ao Colón já em 2015 para quatro temporadas.

Terceiro goleiro da Argentina na Copa 2010, Pozo conviveu com Javier Pastore ali e (antes da fama de ambos) no Talleres. No Colón, foi colega de Eduardo Coudet

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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