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Sem títulos argentinos, mas na Libertadores

Colón de 1998, o primeiro argentino ainda sem-título na Libertadores. E o primeiro a avançar de fase

Ao realizar, hoje, a sua primeira partida na Libertadores, o Tigre junta-se ao seleto grupo de clubes argentinos a participar do torneio mesmo não sendo ainda campeão nacional, o que já ocorreu com outros seis – metade, dos quais, conseguiram o título argentino posteriormente. Lembraremos todos aqui.

A raridade deve-se ao fato de que, na maior parte do tempo, apenas campeões argentinos adentravam na Libertadores do ano seguinte, embora o torneio tenha passado a admitir também vice-campeões desde 1966. Naquele ano, tal vaga extra ficou com o River Plate, o vice de 1965, que inclusive quase foi campeão do continente um ano depois. Vice nacional também em 1966, ele voltaria da mesma forma à Libertadores de 1967.

1967 foi o ano em que o calendário das grandes equipes passou a ser dividido nos torneios Metropolitano (o antigo campeonato argentino, que apesar do nome era restrito geograficamente à Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe) e Nacional (em que os melhores colocados do Metro encontravam os melhores das ligas do interior). Inicialmente, os classificados à Libertadores eram campeão e vice do Nacional.

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Boca e Central, “duas esperanças para uma Copa”, a Libertadores de 1971

Foi como vice nacional de 1967, e não como campeão metropolitano do mesmo ano, que o Estudiantes chegou à vitoriosa Libertadores de 1968, emendada com as duas seguintes. A vaga de vice nacional em 1968 e 1969 foi novamente do River, e, de 1970, do Rosario Central – que, assim, foi o primeiro novato sem títulos na Libertadores. Em uma época dura do torneio, em que apenas os líderes dos grupos avançavam, terminou eliminado na primeira fase, apesar da segunda colocação. Os canallas, naquele mesmo ano, conseguiriam vencer o torneio nacional.

Também em 1971, houve play-offs entre o campeão metropolitano (Independiente, que levou a melhor e emendaria quatro Libertadores) e o vice nacional (San Lorenzo), não necessários em 1972, em que o San Lorenzo venceu ambos os torneios caseiros e o River, vice nacional, ficou com a vaga extra. Os dois torneios foram novamente vencidos por um mesmo time em 1975 (River), 1976 (Boca) e 1980 (River), mas desta vez houve play-offs entre os vices de cada, que ficaram com os já campeões Estudiantes (contra Huracán), River (também contra Huracán) e Vélez (sobre o Unión, que seria novato). Nas demais ocasiões, as duas vagas argentinas na Libertadores ficaram com os campeões de cada torneio.

O cenário mudou em 1985, quando o calendário tornou-se “europeu”. Mesmo assim, não era o segundo quem juntava-se ao campeão na Libertadores: a vaga era disputada em repescagens que reuniam os melhores abaixo do campeão e, por vezes, algum(ns) melhor(es) da segundona: a liguilla pre-Libertadores, que remanesceu até a temporada 1991-92. Os vencedores da liguilla também já eram todos campeões argentinos: Boca (1986 e 1990), Independiente (1987), San Lorenzo (1988 e 1991), River (1989) e Newell’s (1992).

Burtovoy em sua noite de herói, celebrada por Saralegui, o assistente técnico Orlando Medina (ídolo como jogador) e Unali; jornais paraguaios lamentando a queda do Olimpia para o Colón

A partir de 1992, voltou a haver dois campeões nacionais por ano, com o surgimento dos torneios curtos, a durarem até hoje. Os play-offs de vices foram necessários em 1996 (ficou com o Racing), após o Vélez conseguir o Apertura e o Clausura da temporada 1995-96; e em 1997, após a temporada 1996-97 ter no River o campeão dobrado. Ali, enfim, surgiria novo novato argentino na Libertadores sem troféus de elite. Exatamente o rival do Unión.

Em jogo único na neutra Lanús, o Independiente, vice do Apertura 1996, perdeu por 0x1 para o vice do Clausura 1997, o Colón, gol do ídolo uruguaio Marcelo Saralegui. Reforços após o play-off, porém, seriam os nomes rojinegros mais notados na Libertadores de 1998. Um, o jovem Esteban Fuertes (que vira a ser o maior goleador da história do clube), artilheiro do time com 3 gols, já nas fases decisivas: dois nos 3×2 em Santa Fe contra o Olimpia, nas oitavas-de-final, e um na derrota de virada em casa por 1×3 em confronto caseiro contra o River, na noite da eliminação, nas quartas-de-final.

Outro foi o goleiro José Pablo Burtovoy, filho de ex-goleiro do clube. Onze dias depois de levar 1×6 do Vélez em sua estreia como titular, ele teve sua noite de redenção no Defensores del Chaco, nas oitavas: após perder por 0x1 (não havia critério de gols fora de casa), o Colón levou a melhor com Burtovoy pegando quatro dos cinco pênaltis paraguaios, sendo recebido como herói no regresso a Santa Fe.

Já outros eram destaque ali desde os tempos de segundona, vencida em 1995: o lateral-direito Hugo Ibarra (logo vendido ao Boca, onde se consagraria), o atacante Cristian Castillo (por sua vez vendido ao River), o zagueiro Pablo Morant, o lateral-esquerdo Dante Unali, o goleiro originalmente titular Leonardo Díaz e o volante Pedro Uliambre, além de Saralegui. O volante Diego Castagno Suárez foi outro eleito como eles entre os grandes ídolos colonistas pela El Gráfico, em 2011. Ele e o goleiro Díaz iriam ao Independiente em 2002, logo sendo campeões argentinos, na ainda última taça nacional do Rojo (aqui).

O Talleres de 2002. O goleiro, Cuenca, também estaria na Libertadores pelo Arsenal em 2008

Doze anos depois, o Colón voltou, após boas temporadas em 2008 e 2009. El Bichi Fuertes ainda estava lá, já como maior artilheiro da história do Sabalero e até estreando pela seleção aos 36 anos, sendo até então o mais veterano novato da Albiceleste (depois, superado por Rolando Schiavi). Maradona também chamou o volante Sebastián Prediger (depois, cruzeirense), o zagueiro Ariel Garcé e o goleiro Diego Pozo – os dois últimos inclusive iriam à Copa de 2010. Mas a equipe parou na pré-Libertadores, nos pênaltis, após um 3×2 para cada lado contra a Universidad Católica.

O próximo virgem na elite nacional a chegar à Libertadores iria em 2002. Desde 2000, ela inchara de 20 participantes para 32 na fase de grupos. A Argentina, fora os campeões, passou a fornecer outros três ou quatro melhores na tabela agregada da temporada. Assim, o Talleres, 4º colocado geral na temporada 2000-01 sob o comando de Juan José López, se garantiu para La Copa do ano seguinte.

Os de Córdoba por bem pouco não estiveram na Libertadores de 1978, como campeões nacionais de 1977, taça dramaticamente perdida para o Independiente, conforme contamos aqui. La T vinha vivendo outra grande época: em outra final emocionante (e insólita, diante dos alagoanos do CSA), conseguira em 1999 vencer a última Copa Conmebol; falamos aqui. Daquele título, ainda remanesciam o goleiro Mario Cuenca, o zagueiro Julián Maidana (autor do gol do título e que depois esteve no Grêmio), o lateral Gabriel Roth e os volantes Horacio Humöller e Adrián Ávalos

O primeiro turno foi interessante: perdeu aceitavelmente por 0x2 para o América no México, arrancou um 0x0 com o River no Monumental e venceu em casa o colombiano Cortuluá, 2×1. No returno, porém, perdeu para este, na única vitória do Tuluá (2×4) e apenas empatou contra os outros dois. Caiu na primeira fase. Federico Astudillo teve destaque solitário, com 3 gols.

Bilos contra o Independiente Medellín nas oitavas de 2005: no mesmo ano, o artilheiro do Banfield na primeira Libertadores do “Taladro” passou ao Boca e foi tentado pela Croácia, terra das raízes (recusou)

Em 2005, seria a vez do Banfield, 3º geral na temporada 2003-04. O técnico era Julio César Falcioni, que dispunha de alguns jogadores hoje mais conhecidos: Emiliano Dudar, zagueiro de passagem fracassada no Vasco; Jesús Dátolo, hoje no Internacional; e também Rodrigo Palacio, Daniel Bilos e Darío Cvitanich – que, posteriormente, iriam ao Boca. No caso de Bilos (sobre quem já fizemos um especial, aqui) e Palacio, logo após a bela campanha do Taladro; Cvitanich chegou quando Falcioni estava nos auriazuis.

Bilos teve especial destaque: mesmo como meia, foi o artilheiro do elenco, com 5 gols, sendo sondado pela seleção croata. Palacio e Cvitanich não brilharam tanto: 4 dos outros 6 gols vieram de outro atacante, também de passagem pelo Boca, Antonio Barijho. A equipe passou sem sustos pela primeira fase, venceu nas oitavas o Independiente Medellín tanto em casa (3×0) quanto fora (2×0) e endureceu contra o River nas quartas: o 1×1 em Banfield foi seguido de um duro 2×3 no Monumental. O Taladro estaria de volta em 2007, como o 4º melhor time da temporada 2005-06.

A mágica não se repetiu: caiu em casa no último jogo, ao perder de 0x1 para o Libertad, que avançou juntamente com o América do México. O artilheiro da vez marcou só duas vezes: Cvitanich, que, assim como Bilos, recebeu oferta da Croácia na época. O Banfield, enfim, seria campeão argentino em 2009, sob o mesmo Falcioni. Seu arquirrival é o Lanús, que estreou na Libertadores 2008, classificado ainda sem títulos nacionais como o 6º melhor da temporada 2006-07. Curiosamente, o Granate foi campeão do Apertura 2007, entrando na Libertadores 2008 já tendo vencido a elite. Mas essa taça o garantiu na Libertadores de 2009; tanto que, para a de 2008, teve que passar pelo Olmedo na pré-Libertadores.

Em suas duas primeiras Libertadores, Arsenal e Godoy Cruz pegaram Fluminense e Peñarol. Em ambas, não passaram da fase de grupos

A mesma Libertadores 2008 contou com o Arsenal, o 5º melhor de 2006-07. Ainda em 2007, ele levantou a Sul-Americana (ver aqui), mas na época este torneio secundário não fornecia vaga – se vencesse a de 2012, sobre o São Paulo, o Tigre teria se juntado à equipe de Sarandí, ao Talleres e ao Lanús (campeão da Conmebol 1996) também em outro aspecto: estes três foram campeões continentais antes mesmo de o serem nacionalmente.

Em sua primeira Libertadores, o Arsenal ficou no mesmo grupo dos futuros finalistas, LDU e Fluminense, levando seis gols de ambos fora de casa. Já estava eliminado após a antepenúltima rodada. Em 2012, no mesmo semestre em que conseguiria sua primeira taça na elite (sob seu mesmo técnico da Sul-Americana de 2007, Gustavo Alfaro), o Viaducto retornou à Libertadores, após 4º lugar na tabela agregada de 2010-2011. A história foi similar: reencontrou outro finalista (o Boca) e o Fluminense e já estava eliminado antes da penúltima rodada

Nos anos seguidos de 2011 e 2012, a Libertadores teve o Godoy Cruz, 3º e 4º, respectivamente, no geral das temporadas 2009-10 e 2010-11. O ótimo trabalho do técnico Omar Asad, bem sucedido pouco antes da Libertadores 2011 por Jorge da Silva, fez do emergente clube mendoncino o primeiro da região de Nuevo Cuyo no torneio. Mas, como o Arsenal, o Tomba (que contou com ex-jogador do Arse, Diego Villar) nunca passou da primeira fase; ainda tinha que cuidar-se contra o descenso, como todo recém-chegado da segundona. Os grupos fortes também atrapalharam: em ambos, encarou o Peñarol, além de LDU e Independiente (2011), a sensação Universidad de Chile e o Atlético Nacional (2012).

Há também o caso do Gimnasia y Esgrima La Plata, que participou das Libertadores de 2003 e 2007, caindo em ambas na primeira fase. Normalmente, o Lobo é considerado como tendo zero título na primeira divisão, segundo a versão (equivocada, ao nosso ver) que contabiliza somente os logros obtidos a partir da implantação do profissionalismo, em 1931, desconsiderando o rico passado amador. Nele, o GELP chegou a ser campeão: uma única vez, no torneio de 1929.

Tigre vencendo o Anzoátegui na pré-Libertadores 2013. Está no grupo do Palmeiras

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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