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Há 120 anos, começava o 1º campeonato da AFA

O Lomas campeão de 1893. T. Bridge, Bridger, Buchanan, Rath e Cowes; Jacobs, Reynolds, diretor A. Leslie, Carter e G. Leslie; Anderson, W. Leslie e Nobili

O título deste texto, na verdade, contém um problema: rigorosamente falando, não foi o primeiro campeonato da Asociación del Fútbol Argentino, só formalizada com este nome em 1934. Não foi nem mesmo o primeiro campeonato argentino de futebol.

Ocorre que a AFA considera-se como a continuação da entidade criada em fevereiro de 1893 para voltar a promover um campeonato argentino (embora os clubes fossem da Grande Buenos Aires, ainda uma tônica do torneio) de clubes, o mais antigo do mundo fora do Reino Unido: a Argentine Association Football League. Como o nome indica, o esporte bretão estava praticamente restrito na época à comunidade britânica na Argentina, para onde o trouxera nos anos 60 do século XIX – o primeiro a praticá-lo, o Buenos Aires FC, foi fundado em 1867.

Uma outra AAFL havia promovido um certame em 1891 (com a única participação do pioneiro Buenos Aires FC no campeonato argentino), mas discordâncias entre os associados emperraram o seguimento em 1892. A entidade sucessora não reconhece a AAFL original, tampouco o campeonato de dois anos antes. Até por conta disso, a festiva Copa Centenário da AFA foi realizada no ano de 1993 e não em 1991; é o título de futebol profissional mais relevante do Gimnasia y Esgrima La Plata, na época com os jovens gêmeos Barros Schelotto.

A nova AAFL, que contou com só um remanescente da original (o time da Buenos Aires and Rosario Railways), foi fundada pelo imigrante escocês Alexander Watson Hutton, considerado “o pai do futebol argentino” também por outra razão: o Alumni, time da Buenos Aires English High School, criada por ele em 1884 no bairro portenho de Belgrano, seria multicampeão no início do século XX e primeiro celeiro da seleção argentina, formada em 1902.

Alexander Watson Hutton

Falaremos mais do Alumni amanhã. Quem cabe ser destacado hoje é o time de outra escola, a Lomas Academy, fundada pelo londrino W.W. Hayward na cidade de Lomas de Zamora, ao sul de Buenos Aires. Há exatos 120 anos, em 23 de abril de 1893, o Lomas Athletic Club esteve na rodada inicial de um certame entre cinco equipes previsto com turno, returno e novo returno. A partir de maio, cada concorrente faria cerca de duas a três partidas mensais.

A English High School folgou na rodada inicial, enquanto o Lomas vencia em casa por 3-0 as Buenos Aires and Rosario Railways (que dariam origem ao futuro rival do Alumni, o Belgrano Athletic) e o Flores Athletic saía derrotado por 2-4 como anfitrião do Quilmes (na época, Quilmes Rovers), o mais antigo clube de futebol ainda em atividade na Argentina.

A supremacia do Lomas foi clara. Ao fim do returno, era o único invicto: vencera 7 dos 8 jogos e empatara, na 3ª rodada, em 2-2 com o Quilmes, o único a vazar o campeão. Os últimos, a English High School e as Buenos Aires and Rosario Railways, somavam respectivamente 4 e 2 pontos, longes demais do anterior – o Quilmes, com 9. O Lomas, em época onde a vitória valia 2, tinha 15. Embora Quilmes e Flores (com 10) ainda tivessem chances, elas eram mais matemáticas do que realistas e o torneio acabou no 2º turno mesmo, em agosto.

O Lomas, assim, obteve o primeiro dos seus títulos em série na década; o último, em 1898. Domínio tão grande ainda faz da Lomas Academy a única instituição cuja equipe B, também denominada Lomas Academy, conseguiu ser campeã da elite argentina, o que ocorreu em 1896. De certa forma, houve um hexacampeonato seguido do Lomas, algo só superado pelo hepta do Racing (cuja façanha renderia-lhe justamente a alcunha de Academia) na década de 10.

Hoje, o forte do Lomas é o hóquei sobre grama, popular entre as argentinas, que têm grande seleção da modalidade

Os lomenses padeceram de um fenômeno típico da era amadora do futebol argentino: o envelhecimento de seu elenco vencedor, em uma fase do esporte onde se era difícil a reposição interna à altura, se traduziu em decadência. O mesmo ocorreria com o Alumni dos anos 1900 (dez vezes campeão para se extinguir em 1913) e com o Racing dos anos 10 (após os sete títulos, vieram dois nos anos 20 para o clube passar depois por jejum de 25 anos). Nos anos 20, o profissionalismo começou a ser cada vez mais usado, até ser oficializado em 1931.

O Lomas parou seu futebol em 1909 (exatamente o primeiro ano a contar com um dos futuros “cinco grandes” na elite, o River Plate), após sofrer rebaixamento e a maior derrota entre clubes no país: 0-18 para o Estudiantes de Buenos Aires. Isso não impediu que, quase cem anos depois, em 2008, apenas o River e os outros grandes (Boca, Racing, Independiente e San Lorenzo) estivessem à frente dele como maiores campeões nacionais, fora o Alumni. Agora, está atrás também do Vélez e do Estudiantes de La Plata. Hoje, sua modalidade mais forte é o hóquei na grama, cuja seleção argentina feminina (Las Leonas) tem bastante prestígio.

Na época em que parou com o futebol, voltara-se ao rúgbi; fora um dos fundadores da então The River Plate Rugby Union (os outros foram os mencionados Buenos Aires FC, Belgrano Athletic e Flores Athletic, além do Rosario Athletic), em 1899, mas só obteve dois títulos, no próprio 1899 e há cem anos, em 1913. Mesmo assim, demonstrando o alto nível que este outro esporte bretão tem nos vizinhos, três rugbiers brasileiros do Lomas integraram a seleção tupiniquim (ou Tupis, mesmo: este é o apelido oficial da seleção brasileira) que recentemente excursionou na Argentina: Lucas Bridger e os irmãos Guilherme e Rafael Haiyashi Garcia.

Irmãos Rafael e Guilherme Haiyashi Garcia, do rúgbi do Lomas e, agora, também da seleção brasileira

Já os titulares dos primeiros campeões da AFA demonstram a maciça presença britânica nos tempos de football: F. Carter (nascido na Escócia), Patricio Rath, o capitão C. Reynolds (este, na Inglaterra), Alexander Buchanan (na Escócia), P. Bridger e Thomas Bridge (os dois, na Inglaterra), Guillermo Leslie, F. Jacobs (na Inglaterra), William Leslie (na Escócia), Henry Anderson (na Inglaterra) e um único latino, Luis Nobili. Dentre os reservas, G. Cowes, L. Knox, A. Goodfellow e os ingleses J. Hall e C. Bridge.

William Leslie, com 7 gols, foi o artilheiro do primeiro certame da AFA e seria o único daquele elenco de 1893 a figurar na seleção argentina, nove anos depois, quando esta entrou em campo pela primeira vez – àquela altura, contudo, ele já atuava no Quilmes. Quanto ao Lomas, falamos dele há cerca de um ano e meio, neste outro especial. Ele e muitas das equipes pioneiras argentinas foram retratados em especiais da seção “Rugby” do FP.

Colocação Time Pts V E D GP GC
Lomas AC 15 7 1 0 26 2
Flores AC 10 5 0 3 19 9
Quilmes Rovers AC 9 3 3 2 12 11
Buenos Aires English High School AC 4 1 2 5 6 25
Buenos Aires and Rosario Railways AC 2 0 2 6 3 19

Acima, a tabela de 1893. Todos os times passaram a jogar rúgbi; apenas o Quilmes, que manuseou rapidamente a bola oval (em 1909), continuou no futebol.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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