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Independiente de Avellaneda: crise institucional se aprofunda e afeta nível das relações

Miséria, violência, falta de perspectivas, a curto prazo, e um elenco recheado de jogadores desprestigiados e descontentes. Este é o cenário do Independiente de Avellaneda no início de 2012. Para comandar tudo isso, dentro de campo, um técnico competente e sério; para comandar fora de campo, um dirigente bem mais disposto e bem intencionado que seu antecessor. Contra ambos um desafio gigante: o risco de ficarem sobrecarregados de problemas.

A imagem do Independiente como o “Rey de Copas”, que atormentou adversários na década de 70, se desbota a cada dia da memória coletiva, apesar da conquista recente da Copa Sul-Americana de 2010. Os problemas atuais são tantos que dão uma exata dimensão do quanto a recente conquista foi apenas um acidente de percurso. A mudança na comissão técnica, de Mohamed para Ramón Díaz, não quer dizer muita coisa em termos de avanço: ambos são competentes e o destino de um, vivido a duras penas pelo “Turco”, parece ser agora o destino do outro, trilhado já com sofrimento e expectativas por Díaz. E o que oferece esse destino para qualquer um, que queira treinar, a equipe é a profundidade escura da crise institucional por que passa um dos maiores clubes da Argentina.

Falta de dinheiro é apenas a ponta do iceberg. Nada de novo, se olharmos às péssimas administrações de quaisquer clubes mundo a fora. O complicado mesmo é quando essa crise contamina, feito um câncer, o nível das relações. Aqui no Brasil, por exemplo, alguns sustentam as boas intenções do presidente atual do Palmeiras, Arnaldo Tirone, embora não o perdoe por sua imaturidade e trato demagógico e risível com o público. E o Belluzzo não estava na mesma categoria? Também ele não tinha suas boas e até honestas intenções? Então, o que acontece por lá, onde ninguém parece se entender? O mesmo acontece com o Independiente. A mesma coisa, porém com um detalhe: no campo financeiro, a dificuldade de se refinanciar, do Rojo, é infinitamente maior que a do clube de Parque Antárctica. O que piora, também para o Independiente, a perspectiva de atenuar a acidez corrosiva no nível das relações.

Em entrevista a uma rádio local, da Argentina (Rádio 10), o novo presidente Javier Cantero assegurou que não destinará mais um centavo aos barrabravas, torcedores organizados do clube. Se bem que a ideia é progressiva, imatura foi a de seu encontro com um dos líderes dos barras (que nos recusamos a dar o seu nome aqui, já que não goza de nosso respeito e não merece nossa publicação). “Estamos convencidos de que o clube está na miséria e não vai dispor de um peso para a distração dessas pessoas”, disse o administrador.

Por um lado, Cantero sabe que a briga é séria, pois os barras se incrustaram de tal modo dentro do clube que o próprio ex-presidente, Julio Comparada, agia como se fosse um deles. Disto resulta que as ameaças e a violência generalizadas pode tornar a qualquer um uma vítima no clube, que o diga Bottinelli. Por outro, o dirigente sabe que não há outro caminho a seguir, se de fato deseja por em marcha sua iniciativa de recuperar a centenária instituição de Avellaneda. Sua primeira proposta é a de colocar um sistema de impressão digital para o acesso ao clube e ao estádio. “Se não funcionar, diz Cantero, recorreremos ao ‘derecho de admisión’”, pelo qual o clube pode barrar o acesso de qualquer um aos estabelecimentos sob seu controle.

Se no campo administrativo Cantero já inicia sua gestão desgastado, o mesmo já se pode dizer do atual técnico Ramón Díaz no trato com o elenco. Não falta certo equilíbrio e bom-senso a Díaz, é certo. Mas nisso ele não chega aos pés do ex-técnico Antonio Mohamed, uma verdadeira rocha, que pouco a pouco foi sendo corroída por problemas generalizados e que vinham de todos os lados. Bombardeado de todos os lados, ainda assim, o Turco funcionava como uma espécie de vala entre dois territórios sangrentos: os dirigentes (com os barras) e os jogadores: o que vinha de um lado caía na vala e ali ficava; o que vinha do outro também. E Díaz já começa a se deparar com a aversão dos atletas a um rigor profissional que eles já conheciam em Mohamed. Esse problema da aversão não é novo. Ele nasce primeiro da insatisfação dos atletas com o fato de quase nada funcionar a contento no clube, do que surge a revolta. Depois, com o fato de essa revolta não poder ser liberada no seu comportamento pela presença de um treinador com a cabeça no lugar e que tenta fazer com que as coisas funcionem ao menos dentro de campo. Se passar por esse primeiro desafio, o novo treinador terá de lidar com outro ainda maior: as relações nada amistosas entre os próprios jogadores do elenco.

O plantel do Rojo é uma mescla de jogadores jovens desencorajados com outros, um tanto desprezados pelo mercado, como Milito, Gracián e Defederico; com alguns veteranos, como Tuzzio, Mareque e Silveira; e com outros, que não veem a hora de saírem do clube, casos de Hilário Navarro, Iván Vélez etc. Ninguém se entende e a vaidade é uma verdadeira personagem no elenco. E para os novos tampouco se alivia, como o mostra o fato de a chegada de Ernesto Farias (um dos poucos reforços que a muito custo os dirigentes trouxeram para Avellaneda) já já ter sido devidamente preparada por um dos líderes do elenco, Julián Velászquez: “será bem-vindo, mas é preciso que se dê oportunidade aos que já estão por aqui, casos de Benítez e Parra”.

A chegada do ex-atacante cruzeirense é mais um capítulo do desgaste de Ramón Díaz com o tema contratações. Muitos foram pedidos (como Dayro Moreno e Rubén Ramírez), apenas um realmente chegou. Não que os dirigentes não tenham se esforçado para isso, mas a falta de dinheiro e a conhecida crise institucional tornam o clube um destino pouco atrativo para atletas até medianos tecnicamente. Este fato, somado a todos já destacados, dimensionam bem que as perspectivas do Rojo para 2012 não vão muito além de evitar que seus “promédios” caiam ainda mais e encaminhem o clube a médio prazo para o mesmo lugar onde hoje está o River Plate: a B Nacional. Uma vez imerso neste cenário, a recuperação da centenária instituição de Avellaneda, o grande “Rey de Copas” dos anos 70, ficará ainda mais comprometida e poderá demorar décadas para acontecer.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

10 thoughts on “Independiente de Avellaneda: crise institucional se aprofunda e afeta nível das relações

  • Mauricio

    Uma verdadeira radiografia de um time de futebol. Gostei muito da analogia com o Palmeiras, acho que tem tudo a ver mesmo. E mais uma vez uma matéria bem detalhada de um assutno.

  • Carlos

    A analogia com o Palmeiras pode ser boa. Mas tem muito clube aqui no Brasil na mesma situação e eu não vejo ninguém falar nada. Tenho pena do Independente mas acho que o Verdão tá bem longe dessa situação, de uma hora para outra pode ser campeão, e o Independente nem pensar.

  • Edicarlos

    Cara, vc tem razão. O Palmeiras tá bem longe mesmo do Independiente, pois nunca vai chegar nem aos pés dele. Um gigante (embora quase adormecido) do futebol mundial não pode ser comparado com um time decadente, de expressividade regional, ou melhor dizendo, estadual.

  • Carlos

    Acho que o amigo ai está esquecendo que o Verdão já foi campeão da Libertadores na época da Parmalat, bem mais recente que o Independente que hoje é um timeco onde ninguem se entende (como o próprio texto fala). A camisa verde tem um peso que só o Corinthians conhece bem já que foi humilhado duas vezes pelo Palmeiras na própria Libertadores. Volto a dizer, é só se organizar um pouco e os títulos voltam.

  • Saulo Baldim Gandini

    Palmeiras e Independiente são dois GIGANTES do futebol mundial. Clubes recheados de várias conquistas e com torcedores fanáticos e apaixonados (sou um deles, com muito orgulho!). O problema dessas duas equipes é a má administração das gestões anteriores e as brigas políticas, principalmente no caso do Palmeiras, onde fulano quer puxar sempre o tapete do sicrano do lado. Fora isso a atual diretoria é composta por dois bananas que não fazem nada pelo clube. O Palmeiras pôde contar com os três melhores técnicos do Brasil e não conseguiu/consegue títulos. Ou seja, alguma coisa está errada.

    Sobre o Independiente eu gostei muito da vinda de Ramón Diaz um técnico muito melhor e experiente que o fraco Mohamed. A equipe já tem uma postura diferente e melhorou em relação aos tempos que o “Turco” comandava. A vinda de Javier Cantero foi extremamente positiva, pois é uma pessoa com boas idéias e que de fato se preocupa com o clube. Coisa que o antigo presidente não estava nem aí. É óbvio que ele irá encontrar dificuldades, o clube tem sérios problemas, falta dinheiro, etc…

    Talvez estou sendo inocente demais, mas acredito que ambos os clubes aos poucos se reerguerão e voltarão a dar alegrias aos seus torcedores. Eu espero…

  • Edicarlos

    Sei que o palmeiras foi campeão da Libertadores UMA vez (nos penaltis, contra um adversário sem tradição e jogando em casa). O fato de ser (relativamente) recente não quer dizer nada. Título não tem prazo de validade. E como vc deve saber, o Independiente tem SETE, isso só de Libertadores, o que já é suficiente para deixá-lo anos luz a frente do palmeiras. Muito mais recente é a Sulamericana de 2010, competição da qual o palmeiras foi ridiculamente eliminado por um adversário da 2ª divisão, jogando em casa.

  • Marcos

    Concordo com a analogia feita no texto entre o Independiente e o Palmeiras, fica claro que os mesmos problemas existem nas duas equipes. O amigo disse em um dos comentários acima, que o Palmeiras pode conquistar um titulo de uma hora para outra e o Independiente não, é só olhar para traz e ver que nesse caso,a conquista de um título não quer dizer muito,afinal o Rojo foi campeão da Copa Sul Americana em 2010 e isso não aliviou em nada os seu problemas, o que realmente falta é organização e uma administração descente, que faça jus a grandiosa história desses dois gigantes do futebol sul americano.

  • Ezequiel Nicolas

    Eu sei q ñ tem nada a ver com a matéria, mas eu sou um apreciador contínuo do site, to sempre ligado nas informações aqui..ja q na tv á cabo eles só mostram os jogos e ´ja era… e normalmente é só jogos do Boca,River,Estudiantes e Velez.. eu gostaria mt de pedir por gentileza se vcs podem algum dia fazer alguma matéria sobre o Caniggia, ou Batistuta..ou se der até os dois…rs poxa esses caras fizeram historia pelo o mundo do futbol e representaram mt bem a argentina..eu sou mt fãn do Claudio Paul Caniggia..mas só consegui acompanhar a carreira dele até a epoca em q ele jogou pelo Glasgow Rangers da Escocia..depois nunca mais vi e nem ouvi falar dele ,s´so sei q ´´el diablo loiro´´ já pendurou as chuteiras faz um bom tempo.. e o BatGol..só vi até em sua passagem pela Roma… seria um prazer ñ só pra mim,mas como pra tds bons apreciadores do futebol argentino ver uma matéria sobre esses 2.. eu acho q eu iria acabar sabendo até d coisas q eu ñ sei..até pq só tenho19anos..então só pude acompanha-los ao vivo mesmo..no final já de suas carreiras..

  • Joza Novalis

    Fala Ezequiel, tudo bom? Compartilho contigo a admiração pelo Caniggia, assim como pelo BatGol. Vou propor a pauta para os demais membros do site. Mas asseguro que provavelmente faremos as matérias. Um grande abraço e obrigado pelo prestígio ao Site.

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