Ortigoza: um naturalizado paraguaio de história na Argentina

A Argentina tem expressiva comunidade de imigrantes paraguaios, e não é de hoje: já nos anos 50 a comunidade fundava o Deportivo Paraguayo. Já houve até jogadores vizinhos na seleção argentina: Constantino Urbieta Sosa, que por sinal defendeu Nacional e San Lorenzo, jogou a Copa de 1934, Delfín Benítez Cáceres, ídolo de Boca e Racing, atuou uma vez nos anos 40 e o ex-velezano Heriberto Correa participou das eliminatórias à Copa de 1974. E há os da rota inversa – argentinos de origem paraguaia que defendem ou defenderam a Albirroja, algo acentuado nos últimos anos. Vamos relembrar todos?

A maioria dos hermanos na seleção guarani começou a carreira na terra das raízes e não na natal, e alguns sequer jogaram profissionalmente na Argentina – Adolfo Lazzarini, o pioneiro, nos anos 70, e Sergio Aquino, na década passada, passaram até pelos três grandes paraguaios (Olimpia, Cerro Porteño e Libertad). Lazzarini foi o ponta-direita reserva do Olimpia campeão da Libertadores de 1979, a primeira dos alvinegros e do futebol guarani.

Jorge Amado Nunes (anos 80), Roberto Acuña e Ricardo Rojas (anos 90 e 2000), que jogaram Copas do Mundo pelo Paraguai, começaram a carreira por lá mas depois chegaram a jogar na Argentina: Nunes no Vélez e no Chaco For Ever; Acuña por Argentinos Jrs, Boca e Independiente, de sua Avellaneda natal; e Rojas no Estudiantes, River e Belgrano.

Acuña venceu a Supercopa 1995 pelo Rojo e Rojas virou folclore no River pelo gol de cobertura (vaselina, para os argentinos) que fechou um 3-0 no Boca em plena Bombonera, em 2002, maior goleada millonaria sobre o rival no estádio dele. Como eles, Ricardo Mazacotte, começou a carreira no Paraguai mas passaria pela Argentina: se iniciou justamente no Nacional (por sinal, Acuña também) e passou pelo Unión na temporada 2012-13, quando o Tatengue de Santa Fe foi rebaixado. Mazacotte estreou pela Albirroja nessa mesma temporada. É o naturalizado mais recente.

Nunes (1986), Rojas (1998) e Acuña (1998, 2002 e 2006): todos em Copas do Mundo pelo Paraguai

Já outros quatro começaram a carreira na última década na Argentina para depois adotar o Paraguai, frente a dura concorrência na terra natal. A maioria realmente não pôde fazer muito por onde: Jonathan Santana, surgido no San Telmo, passou por River, San Lorenzo e Independiente, onde foi rebaixado no ano passado. Jonathan Fabbro (ex-Atlético Mineiro) e Lucas Barrios foram formados no Argentinos Jrs. Fabbro conseguiu jogar por Boca e River, sem transceder.

Já Barrios só triunfou no Chile, por Cobreloa e Colo-Colo, pelo qual foi o maior goleador do mundo em 2008 e de onde partiu para brilhar também no Borussia Dortmund. Foi até sondado pela seleção chilena para a Copa 2010, mas recebeu a cidadania da terra de mãe sob emergência para substituir o quase morto Salvador Cabañas. Há ainda o caso de Darío Ocampo, que pertenceu sete anos ao Vélez sem muito acrescentar. Foi ao Guaraní em 2011 e um ano depois foi convocado pelo Paraguai, embora não tenha chegado a jogar.

Néstor Ortigoza, que não é o ex-palmeirense e cruzeirense (este outro realmente nasceu em Assunção e se chama José), começou no Argentinos Jrs. O primeiro clube de Maradona não é acostumado a títulos expressivos, com a Libertadores 1985 sendo um imenso ponto fora de curva na galeria. O Bicho só tem três títulos na elite. O terceiro e último veio 25 anos depois do segundo e foi conquistado em 2010. Ortigoza já vinha jogando pelo Paraguai desde o ano anterior e foi um dos pilares da taça.

Sua dupla de volantes com Juan Mercier já existia desde ali e foi reeditada no San Lorenzo a partir de 2012, fundamental no reerguimento do clube que por muito pouco não foi rebaixado em 2012 e em dois anos enfim premiou os azulgranas com a conquista que tanto se fazia pendente. Contra um clube paraguaio, por sinal, o barrigudinho Ortigoza ontem entrou para o hall dos talismãs de um gigante. Depois de converter o pênalti do título da Libertadores 2014, justo seu único gol regular na campanha, não precisará fazer mais nada para se manter nele.

Assim como Santana, Ortigoza e Barrios, que estiveram na de 2010 – e no vice na Copa América 2011 também

Ortigoza poderia até ter defendido a Argentina mesmo, mas optou pela Albirroja em vez da Albiceleste: “nunca duvidei da decisão de me naturalizar, tampouco me arrependo. Maradona me chamou quando eu terminava os trâmites. Eu não quis ofender ninguém da Argentina, mas já tinha uma postura a respeito. (…) Me gera orgulho defender a camisa do Paraguai”, explicou em 2010.

Vale ainda lembrar os hermanos que treinaram o Paraguai: se Gerardo Martino conduziu-o à melhor campanha guarani em Copas, com muito trabalho dado à campeã Espanha nas quartas de 2010 (além de ser vice na Copa América, em 2011, posição não alcançada nem nos ótimos anos 90), na primeira Copa os vizinhos também tinham técnico argentino. Foi José Laguna, primeiro presidente do Huracán e que marcou no primeiro Argentina x Brasil nas Copas América, um 1-1 em 1916 no qual ele curiosamente estava na verdade na plateia, sendo “convocado” no improviso para substituir um titular.

Laguna também treinou o Paraguai na Copa América de 1945. Os demais argentinos foram Eduardo Luján Manera (tri da Libertadores pelo Estudiantes como jogador), nas eliminatórias à Copa de 1990, Oscar Valdez (que como jogador brilhou no Valencia e defendera a seleção espanhola) em 1990 e Héctor Corte em 1993, nenhum sem maiores êxitos.

*Já listamos argentinos que estiveram nas seleções de Chile, Colômbia e Uruguai e até Brasil neste outro Especial. E neste aqui, os que defenderam a da Bolívia.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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