Por que o “Abraço da Alma” foi com Fillol e Tarantini?

Ontem, o futebol argentino rendeu uma de suas características belíssimas publicidades. A peça da Coca-Cola relembrou uma das imagens mais marcantes do primeiro título mundial da seleção, momento protagonizado pelos recém-campeões Fillol e Tarantini celebrando com um torcedor sem braços prestes a se juntar a eles, Víctor Dell’Aquila. Na realidade, a imagem foi uma das sete fotografias da sequência daquele momento e a que acabou eternizada e bastante premiada. O “Abraço da Alma”.

Mas por que Víctor juntou-se àqueles dois e não a outros astros mais lembrados da final? Por que não o herói Mario Kempes, autor de dois dos três gols argentinos? De Bertoni, que fez o outro? Passarella, que, além de ser o capitão, exibiu todo o seu repertório de aplicação defensiva com vontade artilheira em cabeceios e petardos de falta? Ou ainda Houseman, que, embora de mundial apagado, era na época o homem que mais vezes havia defendido a seleção?

Fillol teria sua razão de ser. Salvou boas chances da Holanda, como um tiro à queima-roupa espalmado no reflexo após conclusão de Johnny Rep, com o jogo ainda em 0-0; outra, com o jogo já em 1-0 mas ainda no primeiro tempo, foi nova tentativa de Rep, num carrinho para emendar bola passada por Rensenbrink interceptada a tempo pelo goleiro; outra, uma defesa em dois tempos de uma das famosas bombas de Arie Haan, e impedindo ainda que René van de Kerkhof aproveitasse o rebote.

Os holandeses empataram nos últimos dez minutos e impuseram sufoco nos anfitriões até o fim dos 90 minutos, com uma das boas tentativas, em cobrança de falta de Rensenbrink, também sendo salva por Fillol. Seu único senão naquele 25 de junho de 1978 foi uma “catada de borboletas” mal sucedida em cruzamento de Suurbier para Nanninga no início da prorrogação. Nanninga fizera o gol de empate, oriundo justamente por uma infelicidade de Tarantini: ele tentou realizar um passe longo à outra lateral do campo e Rensenbrink interceptou, armando o início da jogada do empate.

Tarantini encerrou o jogo com a camisa ensanguentada de sangue próprio e de Luque após uma final ríspida (a Laranja Mecânica era cheia de craques de classe, mas nada santos sem a bola), mas os demais defensores se saíram melhores que ele naquele dia: Passarella, Galván e Olguín – estes dois acossaram chances boas do então artilheiro do torneio, Rensenbrink, obrigado a chutar de primeira aquela célebre tentativa que teria virado o jogo no fim se não esbarrasse na trave porque Olguín e Fillol estavam no seu encalce. Mas foi justamente por Tarantini que o torcedor juntou-se aos festejos.

O ex-lateral e zagueiro explicou à revista esportiva El Gráfico no fim do ano passado: “terminou a final, me benzi, olhei o céu e não me lembro mais. Não tenho ideia de como cheguei a me abraçar com El Pato (Fillol) porque eu estava na metade do campo e El Pato na meia-lua da área, nem me lembro de como cheguei até aí. Com o tempo, falei com o garoto sem braços, ele esteve parado como 45 minutos para me pedir a camiseta, porque era torcedor do Boca, e eu era o único que vinha do Boca”. “Terminou a partida e saí correndo buscar Tarantini. Quando o encontro, o vejo próximo de Fillol, vi os dois abraços e comparti esse momento histórico. Nos abraçamos os três”, já disse Víctor.

O Boca era o campeão da última Libertadores (a primeira que ganhou), mas a geração argentina era tão boa que Menotti deu-se ao luxo de ignorar os auriazuis na convocação final – um mês após a Copa, o Boca venceu a Intercontinental válida por 1977 (clique aqui) e o jornalista e torcedor Chavo Fucks até declarou que “a seleção nacional venceu a Copa do Mundo de 1978 sem jogadores do Boca. Mas o Boca, cavalheiro, venceu a Copa do Mundo sem jogadores da seleção. Agora, eles estão quites”. Isso porque, a rigor, Tarantini já não era do clube: saíra ainda em 1977 por má relação com o presidente boquense, Alberto Jacinto Armando, e estava sem time justamente por influência do dirigente.

Ironicamente, um ano e meio depois o ex-defensor, após passagens-relâmpago por Birmingham City (foi um dos primeiros não-britânicos no moderno futebol inglês) e Talleres, virou a casaca e foi ser colega de Fillol no River, onde também ganhou seus títulos – é um dos pouquíssimos de sucesso real nos dois principais clubes do país: clique aqui. Abaixo, a emocionante publicidade que aborda o torcedor e os dois jogadores – em um vídeo menor, focado inteiramente em Víctor, e em uma edição completa e legendada, com depoimentos complementares de Fillol e Tarantini.

Para relembrar mais detalhadamente como foi aquela final, clique aqui para ver nosso relato.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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