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River já passou 18 anos sem títulos. Há 45 anos, quebrava esse tabu

Olhando os últimos cinco anos tão vitoriosos de Era Gallardo, é estranho lembrar que 19 anos se passaram para o River voltar a vencer, em 2015, a Libertadores – uma eternidade para uma torcida mal acostumada pelos anos 90. Ainda assim, os millonarios ao menos puderam saborear nesse meio tempo alguns títulos argentinos e também alguns internacionais (Supercopa 1997, Sul-Americana 2014). Agora imagine passar praticamente o mesmo período sem levantar um torneiozinho sequer que não fosse amistoso. Este foi o enorme drama vivido nos lados de Núñez entre 1957 e 1975. O sofrimento se potencializava com as diversas vezes em que o tabu esteve perto de terminar nesse intervalo. Incluindo, aliás, uma final de Libertadores. Há 45 anos, essa longa noite terminava, mesmo que sob anticlímax.

O ano de 1957 fora perfeito para o torcedor do Millo. O time se sagrou pela primeira vez tricampeão argentino seguido, até então uma marca exclusiva do Racing no profissionalismo e que viraria especialidade do próprio River (que conseguiu o feito outras duas vezes. Todos os demais times, incluindo o Boca, conseguiram no máximo bicampeonatos). Naturalmente, era a base da seleção argentina. E isso se voltou contra a equipe no ano seguinte, em que sete titulares do vexame da seleção na Copa do Mundo eram riverplatenses.

A Argentina voltava às Copas após 24 anos e caiu na primeira fase, sofrendo a maior goleada de sua história, o 6-1 para a Tchecoslováquia. Dentre os mais traumatizados, o mitológico goleiro Amadeo Carrizo, que recusou muitas convocações posteriores e atrofiou sua trajetória na seleção para muito aquém do merecido. No campeonato pós-Copa, o River voltaria a perder no Monumental depois de três anos e ficou em um mediano quinto lugar. A colocação se manteve em 1959, só que a treze pontos do campeão. Foi o ano em que se despediram duas lendas: o meia-esquerda Ángel Labruna, outro atingido na Suécia, e o técnico José María Minella. Então técnico mais vitorioso da história riverplatense, Minella saía após doze anos no cargo. Já Labruna saía após vinte e era o próprio River em pessoa.

Um elenco renovado terminou em 1960 a dois pontos do campeão Independiente (que ali encerrava o seu pior jejum, doze anos), mas de modo enganoso: o real concorrente do Rojo foi o surpreendente Argentinos Jrs, com uma arrancada final do Millo após um terrível primeiro turno (onde a distância chegou a ser de 7 pontos, em época, a vitória valia 2) maquiando a estatística. Já 1961 começou empolgante. O presidente Antonio Vespucio Liberti, que batiza oficialmente o Monumental, prometeu um futebol-espetáculo importando jogadores da seleção-sensação da época, a brasileira: o flamenguista Moacyr, o vascaíno Delém e o são-paulino Roberto Frojuello – Moacyr vencera a Copa de 1958 e se você não conhece os outros dois é porque ao irem à Argentina ficaram fora da órbita de novas convocações, pois em 1960 eles participaram de duas surras sobre a Argentina.

Héctor Ártico, Carlos Pintos, Alejandro Sabella, Daniel Crespo, Reinaldo Merlo, Ubaldo Fillol, Hugo Pena, Roberto Carrizo, Carlos Avanzi e Alberto Vivalda; José Reinaldi, Juan José López, Pedro González, Pablo Comelles, Oscar Más, Roberto Perfumo, Miguel Raimondo e Carlos Salinas; Héctor López, Carlos Morete, Luis Landaburu, Norberto Alonso, Pedro Bareiro e Daniel Lonardi

Com Delém acumulando quatro gols em três clássicos, o Brasil inicialmente caiu de 4-2 para a Albiceleste mas deu, dentro do Monumental, um troco de 4-1 para reter a Copa Roca consigo (Frojuello esteve nesses dois jogos) e depois ganhou de 5-1 (ao lado de Moacyr) pela Taça do Atlântico. Incorporado ao River, o trio começou dando show na pré-temporada de 1961 na Europa. O Real Madrid era penta europeu seguido e não perdia há 9 anos no Santiago Bernabéu para estrangeiros, incluindo-se amistosos; por sinal, a queda anterior havia sido para outros argentinos, os do Independiente em 1952, ainda em tempos madridistas mais humildes. Pois dois gols de Frojuello e um de Delém quebraram a invencibilidade em um 3-2. Já Moacyr fez dois em um 5-2 na Juventus e outro no 1-1 com a Internazionale, os grandes times italianos da época (tanto que a rivalidade entre eles se solidificou ali, virando o Derby D’Italia).

Mas na volta à Argentina só Delém vingou. O treinador, o húngaro Emérico Hirschl, foi dispensado no meio do campeonato em que o campeão Racing ficou longos nove pontos à frente (lembrando de novo: na época, vitórias ainda valiam só 2 pontos). Delém ficou, mas ficaria negativamente marcado em 1962. O River enfim parecia reengrenar no campeonato, disputado palmo a palmo com o Boca – algo mais raro do que parece. Os cinco anos sem vencer o torneio já eram o maior jejum profissional do Millo. E o Boca não ganhava nada havia oito! Um Superclásico na Bombonera na penúltima rodada, com a dupla então igualada na liderança, praticamente definiu os destinos. O arquirrival venceu por 1-0 em tarde marcada pelo pênalti que Delém perdeu aos 40 do segundo tempo.

O Boca voltou a impedir a festa em 1963 e em 1965. Em 1963, o River era líder com dois pontos de vantagem faltando três rodadas. Concorria com o Independiente, que venceu-o na antepenúltima e o ultrapassou graças à derrota millonaria no Superclásico na penúltima, em pleno Monumental. Em 1964, apesar de golear por 5-1 o Barcelona em amistoso em junho, um time instável teve cinco técnicos diferentes. Já em 1965 o treinador era Renato Cesarini, o mesmo que formara a mítica La Máquina dos anos 40. Boca e River voltaram a duelar pela ponta. O River voltou a ter vantagem na reta final. E o River voltou a perdê-la ao ser derrotado pelo rival em dérbi na reta final. “Renato, Renato, lhe roubamos o campeonato” era a feliz rima boquense.

Para piorar, o autor do gol do triunfo auriazul era Norberto Menéndez, antigo ídolo do River nos anos 50. Como se não bastasse, os próprios técnicos que se sucediam no Boca no período eram antigas figuras millonarias dos saudosos anos 40: Aristóbulo Deambrossi, Néstor Rossi e Adolfo Pedernera. Em 1966, mais azar. O River só perdeu quatro vezes no campeonato, mas teve pela frente um Racing que emendou 39 jogos seguidos invicto (no profissionalismo, só o Boca de Carlos Bianchi, com um jogo a mais, quebrou esse recorde, em 1999). A invencibilidade racinguista caiu justo para o River, mas o título seria alviceleste. O pior foi na Libertadores: o Millo conseguiu deixar para trás Boca e o bicampeão Independiente. Na finalíssima com o Peñarol, abriu 2-0. Perdeu de 4-2. Foi esse episódio que originou o apelido de gallinas.

González, Más e Raimondo (os três homens mais à esquerda nessa colagem) reforçaram em 1975 um time que já tinha o goleirão Fillol e o volantão Merlo

Era a sina de ter grandes times sem coroa: “o River Plate era o time mais complicado de jogar contra e o mais difícil adversário era o Daniel Onega, do mesmo time”, chegou a nos contar João Cardoso, brasileiro campeão da Libertadores e Mundial com o Racing em 1967. Daniel Onega, aliás, havia feito 17 gols naquele vice da Libertadores 1966, até hoje um recorde individual de gols em uma única edição do torneio. E seu irmão Ermindo era considerado ainda mais talentoso. Foram dois dos numerosos craques que não precisaram de títulos para ser ídolos, assim como o zagueiro José Ramos Delgado (brilhante no Santos de Pelé depois), do próprio Delém, do matador Luis Artime, autor de 70 gols em 80 jogos pelo time

Em 1967, as campanhas foram pobres em ambos os torneios argentinos (Metropolitano e Nacional, introduzidos naquele ano) e a diretoria reagiu recontratando o velho ídolo Labruna, que havia treinado um modesto Platense quase campeão daquele Metropolitano de 1967. A reação colheu frutos, mas ainda amargos, agora pelos títulos voltarem a se aproximar e voltarem a escorrer. No Metropolitano de 1968, o quarentão Carrizo, justo em seu último ano em Núñez, conseguiu um recorde de minutos sem tomar gols para a época. Só que do outro lado na semifinal tinha outro invicto, o San Lorenzo, que levou a melhor e adiante se tornaria justamente o primeiro campeão profissional invicto.

O Nacional de 1968 foi ainda mais dramático. O River pegou o Racing na última rodada e quem vencesse seria campeão. Empataram e foram igualados pelo Vélez, que forçou um triangular entre eles. Nele, o River enfim derrotou o Racing, mas só empatou com os velezanos, ainda com zero títulos argentinos. O detalhe é que o duelo com o Fortín poderia ter sido diferente se o árbitro marcasse pênalti quando um zagueiro oponente usou a mão para impedir um gol certo. O Vélez depois venceu o Racing por uma diferença superior e levou seu primeiro troféu na elite por acumular um golzinho a mais no saldo… como se não bastasse, o Millo acumularia nada menos que quatro vice-campeonatos seguidos a partir daquele.

Já no torneio seguinte, voltou-se a “desvirginar” um time nanico: na semifinal do Metropolitano de 1969, o êxtase de eliminar o Boca na semifinal virou pesadelo na decisão ao ser massacrado por 4-1 pelo Chacarita, que nunca voltou a ganhar a primeira divisão e há décadas se acostumou à terceira. Expulso logo no início, o jovem Hugo Dreyer seria defenestrado para o futebol curitibano, onde viraria ídolo. O sadismo do roteirista das desventuras gallinas não conhecia limites. Pois no Nacional de 1969, um início ruim foi no Nacional foi corrigido com uma sequência invicta sempre com vitórias no Monumental, permitindo ao River chegar ao último compromisso tendo chances desde que somasse uma nova vitória seguida em casa contra o líder, em duelo direto pela taça agendado por acaso na rodada final. O adversário? O Boca. O técnico do adversário? Ninguém menos que Alfredo Di Stéfano.

Após a taça, a revista El Gráfico exorcizou o apelido pejorativo “gallinas” com Perfumo e Alonso, que à direita aparece na capa da revista após vitória decisiva sobre o San Lorenzo, com dois gols dele

O Boca abriu 2-0 (dois gols de Norberto Madurga, depois campeão brasileiro com o Palmeiras em 1972) e o River soube buscar o empate, mas a reação se resumiu a isso. E pela primeira vez teve de ver o rival dando volta olímpica em pleno Monumental. Em 1970, o River terminou na co-liderança do Metropolitano. Mas, embora tradicionalmente o futebol argentino preveja jogos-extra em casos assim, justamente aquele torneio foi uma exceção. E esse foi a tragédia que nem Shakespeare escreveria: o River goleou por 6-0 em seu jogo final, enquanto o do concorrente terminou adiado pelas chuvas. O concorrente era o Independiente, que tinha que enfrentar ninguém menos que o rival Racing no estádio vizinho precisando de uma vitória por dois gols de diferença ou de no mínimo 3-2 para ser campeão.

A Academia esteve duas vezes na frente do placar. Mas o Rojo, após um empate cobrando um pênalti repetido não uma, mas duas vezes após o goleiro racinguista Agustín Cejas adiantar-se e defender nas duas primeiras execuções, conseguiu virar para 3-2 a dez minutos do fim, em epopeia que relembramos no fim do mês passado. Chegava ao fim o ciclo de Labruna. Seu sucessor foi o brasileiro Didi, credenciado por ter, com a seleção peruana, desclassificado em plena La Bombonera a Argentina da Copa de 1970 – e ter feito um ótimo papel no Mundial do México.

O grande mérito do “Príncipe Etíope” foi bancar muitos de juvenis que protagonizariam o desjejum, sendo talvez o mais querido técnico que o River teve dentre os nunca campeões no clube. Pois se com Labruna se sofria com o tetravice, com o brasileiro o time sequer cheirava a taça. Labruna que pôde ser campeão já em 1971. Só que pelo Rosario Central, que ali vencia a elite pela primeira vez… Foi só o Didi sair, inclusive, que o desjejum pareceu próximo. No fim de 1972, já sob comando de Juan Urriolabeitía, o River eliminou o Boca nas semifinais do Torneio Nacional, mas sucumbiu na decisão em jogo único contra o San Lorenzo. Detalhe: o autor do gol, Luciano Figueroa, era atacante, mas aquele foi justamente seu único gol naquele ano!

Para 1973, outro brasuca foi requisitado para manusear o rojão, o antigo ídolo Delém. Morno no Metropolitano, o time esteve no páreo pelo Nacional, classificado ao quadrangular final. Mas voltou a ser vice, atrás do Rosario Central, com direito a gol contra da joia Juan José López no duelo direto. Para 1974, Néstor Rossi foi o treinador de um ano medíocre, em que o Millo chegou a ser quinto colocado em um grupo de nove times no Torneio Nacional. O líder do grupo foi a sensação Talleres. Cujo técnico era Labruna. Que não titubeou em anunciar sua volta a Núñez para ser campeão.

O artilheiro Morete em ação contra o vice Huracán. Ao meio, Juan José López. À direita, festa dos juvenis pelo gol do título

Enfim chegamos a 1975. O jejum de 18 anos já repercutia até no Brasil, com a revista Placar relembrando em janeiro a dormência do gigante. Labruna veio de Córdoba com Pablo Comelles e o zagueiro Héctor Ártico, ambos do seu Talleres, e José Reinaldi, maior artilheiro do rival Belgrano. Com o Independiente supercampeão da Libertadores na época, fez-se um troca-troca: o goleiro José Pérez estava sem espaço com a afirmação em 1974 de Ubaldo Fillol, protegido de Labruna desde que ambos trabalharam juntos no Racing em 1973 (a Academia ainda estava mais prestigiada e foi sob pressão de Labruna que o goleiro embarcou ao ambiente mal assombrado de Núñez…) e foi a Avellaneda enquanto o volante Miguel Raimondo fez a travessia inversa. Do Cruzeiro que dominava Minas Gerais, veop o experiente beque Roberto Perfumo. Pedro González, ponta daquele San Lorenzo invicto de 1968, chega desacreditado do futebol peruano envelhecer feito vinho com a Banda Roja.

O resto da solução era caseira: Raimondo (31 jogos) juntou-se no meio com diversas opções classudas no setor, seja Norberto Alonso (27), Juan José López (33), Reinaldo Merlo (25 jogos de quem viria a ser o recordista de partidas pelo clube) ou ainda Alejandro Sabella (19, embora sofresse na concorrência com Alonso). Na frente, o xingado Carlos Morete era mesmo tosco mas funcionava como goleador (24 gols em 37 jogos) quase como um Martín Palermo setentista e ganhou a posição de Reinaldi. Outro prata-da-casa era o veterano Oscar Más, único remanescente dos sofridos anos 60. Segundo maior artilheiro da história do River, atrás só de Labruna, ele voltava de uma temporada no Real Madrid e foi um dos pontas servindo El Puma Morete. Já o zagueirão Daniel Passarella, ainda longe do renome, estrilou com a perda da vaga para Ártico e foi disciplinado por Labruna com mais jogos no banco: só foi usado dez vezes.

O começo foi um 0-0 com o Estudiantes dentro de casa. O resultado decepcionou porque o River jogou demais, sufocando os pincharratas. Quem não se abateu teve razão: depois dali foram oito vitórias seguidas com um futebol vistoso, ofensivo e goleador, com a série incluindo um 4-3 no Colón, um 3-0 no Chacarita e um 4-2 no Unión. A liderança isolada veio na sétima rodada, e na 12ª a vantagem era de 4 pontos. Vale lembrar de novo: a vitória valia dois. A primeira derrota veio só na 14ª rodada, mas doeu: 4-1 para o Newell’s. Mas a crença no título foi reoxigenada em cheio na partida seguinte, um 2-1 categórico sobre o Boca na Bombonera com direito a Fillol pegando pênalti. Faltavam quatro jogos para o fim do primeiro turno e todos foram vencidos, com direito a um 6-1 no Temperley e a um 5-1 no San Lorenzo.

Arrasa-quarteirão, o River tinha então 34 pontos enquanto, oito acima do segundo colocado, o Unión (que tinha os ex-River Hugo Gatti e Heber Mastrángelo, além do técnico Juan Carlos Lorenzo, treinador millonario no fraco 1967, todos depois bi na Libertadores com o rival Boca). Vale repetir mais uma vez: a vitória valia dois. Só que o fim do sofrimento teve de ser sofrido também. O segundo turno foi bem pobre: só sete vitórias em dezenove jogos. O River chegou a perder três partidas seguidas, a última delas dentro do Monumental para o grande rival – treinado por Rogelio Domínguez, outro ex-jogador do River, o Boca encostava assim como o Huracan, também treinado por um ex-River (Delém) e com o veterano Cejas no gol. A vantagem riverplatense agora era de três pontos. E em seguida, o líder só empatou com o lanterna, o Temperley.

Jometón, Ponce, Raffaelli, Vivalda e Zappia; Bargas, Labonia, Cabrera, Gómez, Bruno e Groppa: os onze usados no improviso 45 anos atrás. Só o goleiro já havia jogado no time adulto

O próximo oponente seria o San Lorenzo, que tinha o iluminado Héctor Scotta, autor de recordistas 60 gols naquele 1975, cifra anual nunca vista antes ou depois na Argentina. O Beto Alonso, espécie de Zico canhoto do River, vinha fazendo a diferença pela ausência: havia sido suspenso por seis jogos após insultar um bandeirinha. Mas retornou naquela partida-chave marcando os dois gols da vitória, já pela antepenúltima rodada. Resultado que, a despeito do complicado segundo turno, permitiria ao River ser campeão já na partida seguinte se derrotasse o nanico Argentinos Jrs. Mas é claro que haveria uma bomba no meio do caminho.

Nas vésperas da partida, o sindicato dos jogadores argentinos profissionais entrou em greve, exigindo uma convenção coletiva de trabalho assinada e o perdão no doping de Juan Taverna, do Banfield. O movimento ricochetou no sonho de glória da garotada que vinha roendo o osso em Núñez. Foi com contragosto que precisaram de ausentar da própria festa, substituídos pelos juvenis para aquele redentor 14 de agosto de 1975. Nem mesmo Labruna participou: foi seu assistente Federico Vairo (outro chamuscado na Copa de 1958) quem deu ordens à obscura formação Alberto Vivalda, Rodolfo Rafaelli, Orlando Ponce, Luis Jometón e Fernando Zappia, Héctor Bargas (Sergio Gigli), Rubén Cabrera e Rubén Bruno, Leonardo Labonia, Ramón Gómez e Francisco Groppa (Luis Giménez). O goleiro Vivalda era o único já promovido aos adultos; aquela seria sua sexta aparição na campanha. Todos os demais atuaram só naquele data.

Para eles não haveria canções ou estátuas, apenas uma ou outra lembrança quando chega o aniversário do título: os profissionais sentiram-se desrespeitados e chegariam a recusar-se a treinar com eles, a maioria logo vendidos a clubes pequenos dali a um ano; só o goleiro Vivalda conseguiria mesmo uma carreira relativamente sólida na Argentina, sobretudo pelo Racing dos anos 80. Mas nem sua pinta de galã o livrou de uma depressão profunda no pós-aposentadoria, suicidando-se contra um trem em 1994. 

Já sobre o anticlímax de 1975, Perfumo contaria em 2002 que “o golpe foi duro, sobretudo para os que não haviam sido campeões nunca como El Negro (López), Mostaza (Merlo), Alonso. Fiquei em minha casa, liguei para um, para outro e fui dormir”. 45 anos depois, Fillol foi mais sereno em seu twitter, hoje: “quero recordar Angelito Labruna, Roberto Perfumo, Pablo Comelles e Hugo Pena [todos já falecidos]. Abraço de alma para o resto do pessoal, aos garotos do clube que jogaram a última partida e ao povo millonario“.

O gol do título, do anônimo Bruno

Até a camisa usada pelos juvenis foi diferente, com a Banda Roja atravessando o peito em um desenho mais grosso que o habitual. Aqueles jovens anônimos, porém, deram conta aos olhos dos 55 mil que lotaram o estádio do Vélez, no oitavo maior público da história do Argentinão. Bruno fez o único gol, um chute rasteiro cruzado com a canhota após acreditar em roubar a bola adversária: conseguiu-a quando ela bateu no seu rosto em uma tentativa adversária falha de aplicar-lhe um chapéu e ficou livre cara-a-cara com o goleiro. Ele teve uma noite insólita para um herói histórico: “me felicitaram, festejamos, nos levaram ao Monumental, logo fui para casa no ônibus sem que ninguém me reconhecesse”, relatou. “Foi injusto, mas o tempo passa e certas feridas fecham. Hoje posso dizer que me cruzo com vários titulares daquela época e ao menos nos cumprimentamos. Nunca me arrependi de ter jogado esse encontro. Entrar na história do River não tem preço. Voltaria a fazer”.

A revista El Gráfico sentenciou: “agora sim, não cabe traição do destino. Nem um pênalti defendido, nem gol de diferença, nem quociente de gol, nem nada! O título está em Núñez”; em 2019, ela disponibilizou em seu site a versão digitalizada da recheadíssima edição pós-título. A famigerada greve terminou três dias depois e no domingo seguinte a torcida pôde festejar com os ídolos. Beto Alonso e Puma Morete, curiosamente ambos torcedores racinguistas na infância, selaram um 2-0 no Racing ainda no primeiro tempo. Não houve segundo: o time já era campeão e os torcedores não quiseram esperar o reinício após o intervalo para invadir o verde césped do Monumental e comemorar.

Verde césped era como Labruna, que ainda jogava na conquista anterior, se referia àquele palco. E outra expressão atrelada ao ambiente riverplatense, Gallinas, começou a ser exorcizada: a mesma revista El Gráfico, consumada a conquista, fez uma produção com Alonso e Perfumo afagando a ave, gradualmente cada vez mais aceita pela torcida como símbolo. Se quem invadiu o campo soubesse o que viria, talvez não tivesse tanta pressa com o fim antecipado do duelo. Pois, com basicamente o mesmo elenco, o River faturaria também o Torneio Nacional de 1975, agora com Passarella afirmado no lugar de Ártico, com Merlo superando a concorrência com Raimondo desde a reta final do Metro e com o reforço Leopoldo Luque (daquele forte Unión) suprindo a venda de Morete ao futebol espanhol.

O presidente Liberti poderia falecer em paz em 1976, mesmo com o vice na Libertadores. Os millonarios voltavam a ser ricos: Labruna e pupilos pilhariam a Argentina até 1981, com outras cinco taças acumuladas até lá a partir de 1977. Era de ouro só superada pela atual (a falta de êxito na Libertadores seria o grande calcanhar de Aquiles daquele ciclo, especialmente com o Boca sendo bicampeão do torneio em 1977 e 1978, quando contou até com gol de Carlos Salinas para superar o Superclásico na semifinal. El Loco Salinas havia sido um dos reservas do Millo em 1975 e a eliminação na fase de grupos em 1981 derrubou Labruna de vez), mesmo com um Lanús ou um Gabigol ocasionalmente aparecendo no caminho…

A festa “oficial” se deu dias depois, com os titulares erguendo o técnico Labruna. Não houve espaço nem para o segundo tempo
https://twitter.com/MuseoRiver/status/1294107201108348928
https://twitter.com/MuseoRiver/status/1294279299067977730

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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