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Talleres de Córdoba fracassa de novo e sua torcida chora no Mario Kempes

Mario Kempes lotado. E o que era para ser uma festa virou lágrimas e violência
Mario Kempes lotado. E o que era para ser uma festa virou lágrimas e violência

Nada de novo na história. Novamente o tradicional Talleres de Córdoba falha na hora H e frustra sua imensa torcida. Mas não estamos falando de qualquer frustração. Trata-se de um acesso praticamente garantido e tudo levava a crer que somente um milagre tiraria essa glória de La T. E foi justamente o que aconteceu. Seria indispensável falar do rival, pois o maior deles todos, para o Talleres, é justamente o Talleres. Todavia, por uma questão de justiça e de nobreza, convém dizer que o rival de La T foi o Gimansia y Esgrima de Mendoza, uma equipe modesta, mas que soube vencer o rival em duas oportunidades e ficar com a vaga na B Nacional. Quanto ao Talleres, convém dizer que se a maioria novamente chorou na imensidão do Mario Kempes, uma minoria não aguentou a humilhação e partiu para o pau. E a coisa foi feia. Vejamos.

O drama começou no primeiro duelo pelo acesso, entre o pequeno Gimnasia y Esgrima de Mendoza e o Tallleres de Córdoba. Na cancha do Lobo, La T foi para o campo de ataque e saiu na frente logo aos 39 minutos de jogo. Vale lembrar que poucos minutos antes, a equipe havia perdido um pênalti. Na segunda etapa do jogo, o Lobo soube usar de seus limites e de seu coração para virar a peleja. o gol da virada aconteceu aos 44 minutos da etapa final. Os 12.400 torcedores que lotaram a cancha, que só suporta 11,5 mil, foram à loucura. Algo bárbaro de ver. Coisa linda mesmo, mas que simbolizava algumas coisas. Uma delas era que dificilmente o Lobo mendocino conseguiria suportar a pressão no Kempes.

Porém, a principal mensagem deixada foi a de que novamente a sorte deixou o Talleres de lado. E que isto poderia voltar a acontecer no jogo de volta. O jogo foi neste fim de semana. E foi dramático.

O jogo da tristeza

La T recebeu 42 mil pessoas no Mário Kempes. E não deu outra: a equipe tomou conta da cancha e encurralou o rival em seu campo de defesa. Assustado, o Lobo jogava a redonda para o lado que dava. Não conseguia aplicar o contragolpe, não conseguia passar do meio-campo. Não conseguia absolutamente nada. Só que também não levava gol e isto era o que importava para o Lobito que tem 106 anos de história.

Problema é que a pelota de La T não entrava no arco. Em parte porque Carabajal, Lucas Bovaglio e Patricio Rodríguez estavam contundidos e apenas viam o jogo num setor reservado do estádio. Em parte porque o nervosismo era demasiado e se materializava nos arremates ao arco. Aos 22 minutos, a equipe teve a chace de ouro, um pênalti e a oportunidade de mandar o excesso de nervos para os ares. Diego Martínez cobrou e novamente perdeu. Novamente o porteiro do Lobo pegou. Era mais um sinal de que a tarde seria de horrores.

Na tarde do Kempes, o herói é outro: Matías Alasia, o brioso guardametas do Lobo
Na tarde do Kempes, o herói é outro: Matías Alasia, o brioso guardametas do Lobo

Só que aos trinta minutos aconteceu outro evento interessante. Díaz cruzou para a área e López pegou de primeira. A torcida já comemorava, mas a pelota acertou a trave de Alasia. Para facilitar as coisas, o zagueiro Vilariño foi expulso e deixou o Lobo com 10 homens em campo. Porém, o Talleres sumiu. A partir daí, nada mais deu certo.

O técnico fez de tudo. Modificou a equipe, mudou o esquema tático; fez o que pode. Mas não deu. Na segunda etapa, La T era uma sombra dos primeiros minutos de jogo. Não que faltasse alma. Sobrava até. Faltava categoria; trato com a pelota, criatividade e calma. Efeito disso foi que a pelota era constantemente alçada para a área para fazer a glória da desfalcada defesa do Lobo de Mendoza. Nas arquibancadas do Kempes, a torcida chorava de desespero, de mágoa e de dor. Ela mais uma vez foi fiel ao Talleres como poucas na Argentina e como nenhuma outra em Córdoba. Novamente ela acreditou na mística de uma camisa poderosa, embora hmilhada como poucas no cenário do futebol argentino e por décadas.

Na base do desespero, La T foi para o ataque e já não levava a sério nenhum esquema tático de Hoyos. Mas havia situações em que a redonda chegava nos pés do atacante e ele a deixava sair pelo linha de fundo ou pela lateral. O constrangimento parecia tomar conta dos jogadores mesmo antes dos 10 minutos finais. Ninguém gritava pela bola; ninguém conseguia assumir a devida responsa de arrematar a pelota rumo ao arco. E os passes de um jogador para outro eram os passos de um tango sem solução. Christian González era só um torcedor nas tribunas. Ao seu lado estava o filho e o neto de seis anos de idade. Tinha a certeza de que o jogo mostraria ao neto o que ele, González, poucas vezes mostrou ao filho ao longo dos tempos: que vale a pena torcer por La T.

As câmeras espalhadas pelo Kempes flagraram muitas crianças com os olhos vermelhos. Por certo que o neto de González foi um deles. E as coisas ficaram ainda piores quando aos 47 do segundo tempo, na única chance em toda a partida, o Lobo foi lá e guardou. Sergio Oga foi o nome do gol que chancelou o desespero, a desesperança e, para alguns, a violência. “Meu nome é José”, falou um hincha de La T. “Durante a semana sofri; não dormia; não sorria: apenas esperava por esse jogo. Vim aqui para torcer, para acompanhar e acalentar o meu time. Mas estava seguro de que não suportaria mais uma humilhação. E de que engrossaria o coro daqueles que protestam até com violência”. José era somente um torcedor comum. Mas a tristeza de uma década de frustrações foi demais.

José, um torcedor comum, que teve o seu dia de barra
José, um torcedor comum, que teve o seu dia de barra

Ele se juntou aos barras e partiu para a confusão. A polícia interveio e disparos foram ouvidos de todos os lados. Ensaguentado, José foi apenas um dos mais de 100 feridos. Dezenas partiram para cima da polícia e também feriram alguns dos homens da lei. A briga saiu do Kempes e se instalou nos seus arredores até altas horas. Muitos xingavam, quebravam e batiam. Enquanto isso, famílias inteiras voltavam para casa em mais uma tarde de frustração. Esta é a história natural de La T nos últimos tempos. Contudo, coisas piores já aconteceram sem que a mais fanática e massiva torcida de Córdoba deixasse de lado a La T.

Por mais uma temporada, ela vai acompanhar o seu time no agora chamado Torneio Federal A. Isto porque um dos gigantes do interior da Argentina não conseguiu retornar à segunda divisão nem mesmo quando havia sete vaga oferecidas para o acesso. Por outro lado, a pequena torcida do Lobito mendocino comemora o que pode ser considerado como o maior feito futebolístico de sua história.

Mesmo com o fim do jogo, vários torcedores não deixavam o Kempes. A maioria chorava por mais uma decepção de La T
Mesmo com o fim do jogo, vários torcedores não deixavam o Kempes. A maioria chorava por mais uma decepção de La T

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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