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Violência das barras: brigas sem fim

"Marito" Becerra procurou e achou, Jaz caído no chão, quase morto
“Marito” Becerra procurou e achou, Jaz caído no chão, quase morto

Mais uma nota sobre violência no futebol argentino. Infelizmente algo que se torna comum dia após dia, sem que as autoridades consigam impedir. A insanidade é tão grande que os caras não precisam mais de rivais para a peleja. Brigam ente si, enquanto o time é completamente abandonado dentro de campo. Desta vez foram os barras do Quilmes. Uma rixa antiga com vários e previsíveis capítulos. E a polícia? Bem, a incompetente polícia apenas quer salvar sua pele. Às vezes consegue; às vezes não. Em geral prefere ficar de fora da briga, com medo de apanhar. Na briga de ontem, até o chefe dos policiais foi agredido. Mas tem muito mais que isso. Vejamos como foi.

O jogo no Centenário de Quilmes e era uma verdadeira final pela permanência de Quilmes e All Boys na elite argentina. E quem se importa com isso, quando os verdadeiros objetivos são outros? O time precisava vencer ou vencer, já que o rival da Floresta também pelejava para se manter na primeira divisão. Confronto direto, portanto. E daí? Importava muito mais para os barras a possibilidade de partir para a guerra. Contra quem? Contra eles mesmo, claro.

Por uma proibição daquelas que só esconde a incompetência das autoridades, as torcidas visitantes seguem de fora dos estádios argentinos. Assim, imaginavam as autoridades que resolveriam o problema. Não olham para o fato de que a crise econômica se agrava no país e é fator recrutante de jovens sem perspectivas para as quadrilhas que se disfarçam de torcedores. Alguns sequer vão à escola, pois não veem na educação um farol iluminista. Normal que se configurem como fantoches estúpidos conduzidos pelos mal-intencionados chefões das barras bravas. O que a maioria dos jovens têm de pobreza esses chefões tem de oportunistas. Ganham dinheiro. Mas não só por conduzirem adolescentes perdidos.

Ganham dinheiro dos clubes. Ganham vantagens incalculáveis. Entre eles estão os ingressos. Os clubes facilitam o trabalho, distribuindo milhares de ingressos subsidiados ou praticamente gratuitos para eles. Além disso, cedem espaços institucionais (algumas organizadas têm sede nos próprios clubes) e vantagens de deslocamentos e grandes viagens, ainda que não possam, hoje em dia, adentrarem às canchas dos rivais. É o tal do acalentamento ao time, que ocorre nas imediações do hotel ou coisa do gênero. Isto está ficando comum nos jogos da Copa Argentina. Por isso, dirigir a barra de um clube pode render muito para os espertalhões. Quando eles não se entendem, separam-se em facções e começam a guerra.

A partir de então, o principal inimigo não é mais a barra brava do grande rival. Os grandes adversários históricos são colocados num segundo plano ou são esquecidos. E prova de que o clube deixa de importar é justamente quando os seus grandes rivais são deixados de lado pelos torcedores. Então, o que vale mesmo passa a ser o controle do setor, dentro do estádio, em que a barra brava oficial comanda. Festas são feitas, gritos, aplausos, cantos, consignas etc. Só que não é mais pelo time que fazem isto. Fazem por eles. O time em campo apenas é utilizado como meio de manterem o controle do setor, arrecadarem mais grana dos cartolas e, principalmente, recrutarem outros jovens perdidos das imediações periféricas.

Outra prova de que não estão nem aí para o clube é que não se importam em afastar dos estádios os torcedores comuns. Em geral, toleram-lhes, mas também utilizam a presença desses torcedores para seu próprio negócio. Os cantos criados para o acalanto do time são amplificados pelos torcedores comuns. Contudo, se a direção do clube insinua algum tipo de retaliação, a primeira coisa que tentam os barras é esvaziarem a cancha, levando prejuízo financeiro aos cofres do clube. Também agridem aos torcedores comuns, quando algum deles tenta criticar ou cantar alguma coisa diferente, durante os jogos.

As barras do Quilmes

A barra cervecera está dividida entre El Monte e El Dedo, ou Álamos. Ramiro Bustamentes é o líder dos Montes, e atualmente está preso por vários atos de violência – como assalto a uma lavanderia – e por adorar bater em policiais. Sua esposa é da mesma estirpe, e também está presa com ele. Sua “gangue”, no passado, enfrentou e expulsou os “Dedos” da tribuna Indito Gómez, local da barra dentro do Centenário de Quilmes. O principal representante de los Dedos é Osvaldo Becerra. Nome quase mítico da barra e que coloca outros subchefes para comandar o negócio. Ele foi o bambambã até 2010, quando Ramiro Bustamentes tomou conta de tudo. Era o fim de dez anos de poder do grupo que tinha Osvaldo Becerra como cérebro.

Osvaldo Becerra tinha o perfil de administrador de confusão. Comandava bem a barra e liderava sozinho, com o apoio irrestrito da direção do Quilmes. Só que no interior da barra, dentro do estádio, um grupo extremamente violento, “Los Álamos”, pouco a pouco foi crescendo sem que Osvaldo fizesse alguma coisa. Em vez disso, preferiu delegar poder a este grupo, tornando-se uma espécie de seu patrono. A intenção de Osvaldo era a de se tornar uma espécie de “Poderoso Chefão”, a quem todos respeitariam e levariam parte da grana na segunda-feira. Enquanto isso, cuidaria de sua carreira política, já que contava com a admiração e apoio do Senador e “dono” do Quilmes, Aníbal Fernández.

Nas imediações do estádio, uma barra dissidente foi se formando sob o comando de Ramiro Bustamentes. A retaliação foi cruel não somente pelo grupo de Osvaldo, mas também pelo próprio Aníbal Fernández, que praticou o “derecho de admisión” contra eles. Ou seja, uma proibição legal de adentrarem ao estádio cervecero. Não adiantou. Em 2010, “los Montes” tomariam o poder e a tribuna Indito Gómez.

Contudo, o mandato nunca foi inteiramente para as mãos de Bustamentes. A direção do clube parcializava a distribuição de poder, deixando claro que tolerava, mas não aceitava o comando dos montes. Ingressos, pontos de vendas de materiais esportivos, comidas etc eram repassados para o antigo grupo que mandava na tribuna. Foi quando, em abril do ano passado (2013), teve um episódio marcante. Os montes foram atrás dos homens de Osvaldo, tocaiaram todos os pontos em que os Dedos vendiam ingressos e cercaram Osvaldo e seus parentes na lavanderia da família Becerra. Socos, balas e facas sobraram e dois foram parar no hospital. Todos os pontos ficaram passaram às mãos de “los Montes”.

A partir disso, a barra sofre retaliações constantes dos antigos mandachuvas e, até, supostamente, da direção do Quilmes. Em 2012, tiros foram disparados à casa de Ramiro, que acusou homens ligados a Juan Manuel Abal Medina, chefe de gabinete do Senador Aníbal Fernández de ter sido o responsável. A Polícia não apurou, pois o tal Senador é muito poderoso na Capital Federal.

Mais uma briga

Na noite de ontem, o Grupo de Becerra foi para o Centenário com o forte objetivo de retomar o poder aos Montes. A briga ocorreu minutos antes da partida e se seguiu fora de campo, nas imediações do estádio. Los Becerras simplesmente entraram antes do jogo e se armaram para tomar a tribuna Indito Gomez. A pancadaria foi violenta e afastou muitas pessoas do estádio. “Marito” Becerra, filho de Olsvaldo foi goleado a pauladas e facadas e se encontra entre a vida e a morte, no hospital. E a polícia?

Como sempre tentou fazer de conta que nada acontecia, como é de seu costume. Só que este comportamento tem dois motivos. Um deles é que a polícia às vezes recebe dinheiro para não intervir; às vezes não o faz, pois gosta de ver alguns barras levarem a pior. O outro motivo é que os policiais, em geral, morrem de medo dos barras bravas. É comum que levem surras; se um deles for tocaiado, dificilmente fica vivo. Na noite de ontem, três deles foram gravemente feridos e ainda seguem internados. Entre os torcedores, após as confusões, é comum que piadas em torno dos policiais sejam contadas pelo bairro. Do ponto de vista do comando da tribuna, aparentemente os Montes se mantiveram no poder.

A política por trás dos barras bravas

Desnecessário dizer que são políticos de alto escalão que indiretamente comandam as barras. Em torno do Quilmes isso não é diferente. O grupo de Becerra é ligado ao Senador Aníbal Fernández, espécie de “dono” do Quilmes e mais um político que utilizou o futebol para seus próprios interesses. Não importa se o cara vira o “presidente” do planeta Terra. Ainda assim, o seu poder vai começar no bairro e em torno do clube que o projetou. Fernández sempre apoio Becerra, independente do que o líder de “los Dedos” tenha feito ou vá fazer. Assim, mesmo como Senador da República, Aníbal Fernández está indiretamente ligado aos confrontos da noite de ontem, no Centenário.

Do outro lado está Marcelo Mallo, chefe da HUA – Hinchadas Unidas de Argentina -, um cara maluco, mas poderoso, embora representante de um poder obscuro. Ligado aos Kirchner´s, Lalo foi supostamente incentivado pelo governo argentino a dinamitar o poder do anti-Kirchner, Aníbal Fernández, no Sul de Buenos Aires. Sua missão era a de incentivar a criação de uma barra que tomasse o poder no clube cervecero. Foi fácil perceber e descobrir os insatisfeitos. Bastou dar o apoio necessário para que Ramiro Bustamentes formasse “Los Montes” e começasse a guerra.

Isto mostra o quanto o problema da violência é grave e sua solução está distante no futebol argentino. É quase uma utopia imaginar o fim das confusões. Acontecem no Quimes, em vário clubes médios, pequenos e nanicos. Acontecem também nos grandes e nos gigantes do futebol argentino. Raro é o caso de dirigente que se coloca fora disso. Até por que se um deles fizer isto dificilmente não será esbofeteado pela mão de ferro de um outro servo do poder político e ser profundamente ligado à existência dos barras: Julio Grondona.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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