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70 anos do primeiro artilheiro Cano, que defendeu Argentina e Espanha

Artilheiro de um Atlético de Madrid campeão espanhol e naturalizado pela seleção espanhola para jogar uma Copa do Mundo no país natal. O filme com Diego Costa em 2014 não foi inédito: embora não sofresse de César Menotti um “cancelamento” como engatilhado por Scolari ao hispano-brasileiro, Rubén Andrés Cano Martínez disputou a Copa do Mundo de 1978 servindo a Furia mesmo já tendo somado algumas partidas pela Albiceleste – mas não-oficiais, tais como os jogos de Costa pela amarelinha. Sem parentesco com o artilheiro vascaíno, o Cano dos anos 70 completa hoje 70 anos, justamente. Hora de relembra-lo.

Nascido em San Rafael, no interior da província de Mendoza, Cano formou-se em uma das principais equipes daquela cidade, o Sportivo Pedal, restrito à semiprofissional liga municipal; ele inclusive ia iniciar um curso universitário de arquitetura, projeto abandoando com convites que recebeu no fim de 1969 do Gimnasia e Atlanta, clube que já o havia testado como juvenil em 1966 (na época dourada da instituição, ausente da elite argentina desde 1984). Inicialmente, ele juntou-se ao time sub-19 dos platenses, sob promessa de que um bom rendimento o faria ser testado no principal na pré-temporada do ano seguinte. Desgostoso com a promessa não cumprida, usou a desculpa de que precisava voltar para casa por um inconveniente familiar para rumar ao Bohemio em 5 de janeiro de 1970. Os cartolas gimnasistas correram atrás dele, mas ter um tio na presidência do Pedal permitiu que Cano escolhesse onde preferiria ir.

Apareceu no Atlanta em 5 de janeiro de 1970 e, “sem adaptação ao ritmo do profissionalismo, mostrou condições como para converter-se em atração”, nas palavras que a El Gráfico usou para referir-se ao seu “debute promissor” – sendo descrito ainda como “alto, esguio, moreninho e possuidor de um tranco largo que o faz veloz para correr pelo campo. É vivo para se desmarcar, tocar e buscar os espaços vazios para receber novamente. Tem ademais um especial olfato de gol que lhe permitiu estar sempre na zona de definição para capitalizar acertos de companheiros e erros dos adversários”. O primeiro jogo foi um amistoso contra o rival Chacarita em 25 de fevereiro, vencido por 1-0. Já a estreia oficial se deu na rodada inaugural do Torneio Metropolitano de 1970, a marcar o debute oficial também de Juan Gómez Voglino – que, vindo justamente do arquirrival Chacarita (sendo reserva no único título dos tricolores na elite, um ano antes), viria a se tornar o maior artilheiro profissional do Bohemio e do estádio León Kolbowski, muito por conta da dupla letal que faria com Cano.

Registros de sua espetacular estreia no Atlanta: é o jogador listrado caído à esquerda, com o goleiro Fillol encoberto pela trave

O lendário treinador Victorio Spinetto os fez titulares. E parecia que desde o início eles pareceram mesmo entrosados. Cano logo marcou três gols e Gómez Voglino, outro, em um triunfo de 5-3 no Quilmes mesmo fora de casa. O goleiro adversário? Um jovem Ubaldo Fillol. Que sofreu o triplete de Cano em um espaço de apenas quinze minutos, vazado aos 4 (no primeiro gol do campeonato inteiro), aos 14 e aos 19 do primeiro tempo, levando o treinador adversário Carmelo Faraone a substituir El Pato ainda aos 27 minutos de jogo por Jorge Traverso. Como se não bastasse, Cano também forneceu a assistência para o gol do colega, o quarto dos visitantes. No segundo jogo, ainda teria marcado um belo gol sobre o Racing, mas o lance foi invalidado.

Apesar do início arrasador, Cano pareceu um foguete molhado. Nervoso com a expectativa descomunal gerada, ele simplesmente não marcou mais um gol sequer nos 27 jogos seguintes; naquele 1970, só marcou em outra partida, já em 1º de novembro, no 5-0 sobre o modesto San Martín de San Juan pelo Torneio Nacional. Deixou para recarregar as munições para 1971, a começar pela 4ª rodada do Metropolitano, onde o Bohemio sapecou com gol dele um 4-1 no Estudiantes, finalista da Libertadores pela quarta vez seguida naquele ano. Depois, marcou pela primeira vez no Clásico de Villa Crespo, ainda que em derrota em casa por 3-2 para o Chacarita na 6ª rodada. Ao todo, somou outros 14 gols, que incluíram os dois duelos contra o River (derrota de 5-3, vitória de 2-1), os grandes San Lorenzo (2-1) e Racing (1-1) e tanto o líder Vélez (2-2) como sobre o time que tirou a taça dele (derrota de 2-1 para o Huracán).

Mas foi na rodada final que ele se efetivou como herói de uma campanha contra o rebaixamento, marcando duas vezes em um 3-0 no Los Andes: quem perdesse ali, cairia. Já no Torneio Nacional, a campanha auriazul foi bem mais honrosa, a quatro pontos da classificação aos mata-matas, no grupo liderado pelo futuro campeão Rosario Central. Cano marcou só quatro vezes, mas deixou outro no dérbi com o Chacarita, agora uma vitória por 2-0. O ano de 1972, porém, foi mais modesto: apenas dez gols somando-se o Metropolitano (Atlanta 14º), Nacional (5º em um grupo de treze times) e um hexagonal de pós-temporada para definir os rebaixados. Em paralelo, o veterano goleador Luis Artime, formado no Atlanta, vivia no Fluminense o único fracasso de sua notável carreira. Convidado para um quadrangular de verão no Rio de Janeiro com Vasco, Fluminense e Argentinos Jrs, o Atlanta tentou emplacar um troca-troca com os tricolores pelo antigo ídolo.

Com as camisas de Atlanta e Elche, onde aparece com seu velho compadre Juan Gómez Voglino

Cano e Gómez Voglino foram opções oferecidas às Laranjeiras para Artime voltar a Villa Crespo, mas os cartolas argentinos, destacando a juventude de ambos em contraste com a idade elevada do astro, exigiam junto ainda 650 mil cruzeiros e 350 mil, respectivamente. A quantia assustou os cariocas e o negócio não saiu; no Rio, a dupla passou em branco, mas o time saiu com honra, caindo pela derrota mínima para o Flu e segurando o 0-0 com o Vasco. Cano, ainda assim, não voltou diretamente a Buenos Aires: interessou ao Standard Liège, do forte futebol belga de clubes da época. Ficou por dois meses em treinamentos, sem que o Atlanta pudesse fechar também aquela transferência. Revoltado, ele se fingiu de lesionado em um amistoso contra o Santos de Pelé em março apenas para poder receber o dinheiro retido pelos cartolas europeus, providenciando um voo de volta à Argentina.

Ele voltou a tempo de marcar na 2ª rodada do Metropolitano, em um 2-1 no Estudiantes. Mas só voltou a produzir gols no Torneio Nacional. Seca ofuscada pelo grande desempenho do Bohemio, na última grande campanha do Atlanta na primeira divisão: o time liderou seu grupo de quinze clubes, no embalo da dupla Cano (autor de onze gols) e Voglino (artilheiro do campeonato, com dezoito). A trajetória incluiu um 3-1 no Independiente prestes a ser campeão mundial e outro no rival Chacarita, um 5-3 no Argentinos Jrs com três gols de Cano, que também vazou o River no quadrangular final que decidiu o torneio – ironicamente, vencido justamente pela equipe que ficara atrás dos azarões na primeira fase, o Rosario Central. Restou o bronze, a colocação mais alta que o clube de Villa Crespo conseguiu no profissionalismo.

Nesse embalo, Cano ainda conseguiu cavar testes na seleção argentina no início de 1974, em amistosos pré-Copa da Albiceleste. A estreia se deu em 13 de março, três dias após deixar o dele em um 5-3 em clássico com o Chacarita na casa rival. E o debute teve ares de festa familiar: foi em San Rafael, justamente contra o Sportivo Pedal, onde jogaria o irmão, Alberto Cano. Reforçados pontualmente com outras estrelas do futebol mendoncino (especialmente o craque Víctor Legrottaglie, famoso por recusar o Real Madrid para seguir no Gimnasia y Esgrima de Mendoza), os sanrafaelinos até abriram o placar, mas a seleção arrancou uma virada por 2-1. O estreante foi ativo na reação: com o placar ainda em 1-0, cavou um pênalti que seria desperdiçado pelo colega Santiago Santamaría e realizou o cruzamento que serviu para o gol do empate. Mas sentiu uma distensão em um músculo da perna esquerda e precisou ser substituído no intervalo por Victorio Cocco.

Junto ao irmão Alberto Cano na estreia pela Argentina, em jogo não-oficial contra o Sportivo Pedal. À direita, a seleção na ocasião: Enrique Wolff, Miguel Santoro, Francisco Sá, Jorge Paolino, Rubén Glaria e Roberto Telch; Agustín Balbuena, Enrique Chazarreta, Cano, Osvaldo Potente e Santiago Santamaría

Ausente dos jogos seguintes da Argentina (4-0 na seleção da cidade cordobesa de Río Cuarto em 20 de março e 4-1 no clube Colegiales uma semana depois), ele voltou a campo em 3 de abril, nos 2-0 sobre o clube Atlético Tucumán. Foi novamente titular e outra vez substituído, dessa vez por Carlos Squeo. Em 17 de abril, na famosa humilhação sofrida pela Argentina contra a seleção rosarina, Cano já entrou no decorrer do jogo, para substituir Osvaldo Potente. Acabaria sendo sua última partida pela Argentina, e também a última de um jogador do Atlanta pela seleção adulta: embora incluso na pré-convocação de 40 jogadores, terminou entre os cortados. E nem a lesão que tiraria já em solo europeu o centroavante Roque Avallay da lista final fez a federação optar pelo atacante do Atlanta, preferindo chamar o volante Carlos Babington.

Os compromissos com a seleção privaram Cano de maiores gols naquele primeiro semestre de 1974: foram só três, ainda sim deixando outro em mais um dérbi com o Chaca, abrindo um triunfo por 2-0 em 5 de maio. A vitória foi assegurada mesmo com a expulsão da dupla Cano-Voglino, que ali também se despediu da torcida: ambos foram negociados conjuntamente com o Elche. O pequeno clube espanhol aproveitou a reabertura de La Liga para novos atletas forasteiros e passou a limpa no bairro de Villa Crespo, importando ainda Osvaldo Cortés (eleito o maior lateral-direito do Bohemio pelo Futebol Portenho em 2014, na nota dos 110 anos do clube) e o treinador Néstor Rossi. Ao todo, foram 47 gols de Cano em 161 partidas pelo Atlanta, número excelente considerando-se o declínio acentuado dos auriazuis e a tática retranqueira da equipe; foram mais derrotas (62) do que vitórias (59).

No Elche, ele não demorou a ser ídolo de um time que lutava contra o rebaixamento; fez inclusive o gol de número 500 do time na elite espanhola, na temporada 1975-76. Para não ocupar vaga de estrangeiro, foi pressionado a providenciar a cidadania espanhola, aproveitando-se de que seu pai nascera em um povoado de Almería; a medida lhe renderia frutos futuros. A começar por um salto ao Atlético de Madrid, já repleto de estrangeiros. O clube da capital inclusive reunia uma colônia de importados do futebol sul-americano – panelinha que renderia até o apelido de Los Indios para aquele elenco recém-campeão mundial sobre o Independiente em 1975: as margens do rio Manzanares já abrigavam os argentinos Rubén Ayala (autor do gol do título mundial), Ramón Heredia, além de José Gárate (nascido em Buenos Aires, embora crescido na pátria basca de seus pais) e os brasileiros Heraldo Bezerra (importado junto ao Newell’s e, assim como Gárate, aproveitado pela seleção espanhola), Luís Pereira e Leivinha.

Clássicos: o lance do gol do título espanhol de 1977, em pleno dérbi com o Real Madrid dentro do Bernabéu; e disputando junto com o colega brasileiro Leivinha contra o Barcelona em 1979

Cano ainda demorou alguns meses para se firmar em um elenco já sólido e recém-campeão também da Copa do Rei de 1975-76, mas soube escolher sua primeira grande noite colchonera: foi em 2 de janeiro de 1977, em um clássico com o Real Madrid no Vicente Calderón. Ele abriu logo no segundo minuto o placar de um 4-0, anotando também o terceiro (já aos 23 do segundo tempo). O Atlético, ao fim daquela temporada, amargou uma queda nas semifinais da Recopa Europeia para o futuro campeão Hamburgo, mas voltou a faturar La Liga após quatro anos. O jogo do título? O clássico madrilenho pelo segundo turno, um 1-1 no Santiago Bernabéu, na penúltima rodada. O autor do gol visitante? Cano. O título encostou o Atleti no Barcelona (por sinal, o vice-campeão), que passou a ter somente um troféu a mais no campeonato na época; nem a vinda de Cruijff aos catalães servira para resolver direito a seca que o Barça sofria no torneio desde 1960.

Aquela, porém, segue sendo a antepenúltima taça rojiblanca no torneio, iniciando-se jejuns longos, amenizados pelos títulos pontuais em 1996 e 2014. Sem que ninguém no Calderón desconfiasse da decadência, a rodada final ainda foi levada a sério, pois serviu de tira-teima com o Valencia para definir quem terminaria com a artilharia do torneio, que terminou mesmo com o lado adversário. E com outro argentino: Mario Kempes. Cano, do seu lado, deixou 20 gols em 25 jogos. Eram, contudo, tempos em que jogar na Europa mais atrapalhava do que ajudava a se manter na seleção. O próprio Kempes não defendia a Albiceleste desde 9 de junho de 1976, logo antes de mudar-se do Rosario Central ao Valencia.

O técnico César Menotti tinha suas razões para confiar bem mais na safra dourada abundante no esquecido interior argentino e faria de Kempes justamente o único “estrangeiro” entre os convocados, reestreando-o de última hora, em jogos-treino já em maio de 1978. Em 2013, Cano relembrou ao El País como foi sua tomada decisão pela naturalização: “tive uma conversa informal com o pessoal da federação argentina, mas nunca se comprometeram. A Espanha me convocou e me pareceu que se eu estava jogando na Espanha, era mais honrado e mais justo ir com a Espanha”.

O momento mais recordado de Cano pela seleção espanhola: classificando-a à Copa de 1978 na “batalha de Belgrado”

Como os três jogos de Cano pela Argentina não eram oficiais, ele estaria livre para ser adotado pela Espanha. Mas sua estreia, em 16 de abril de 1977, não foi imune a estresses: naquele mês, precisou desmentir que teria jogado pela seleção juvenil da Argentina, o que viria a vedar seu uso pelo novo país. E a partida, válida como estreia espanhola nas eliminatórias, terminou em derrota na visita à Romênia. A outra nação do grupo, em tempos mais enxutos de país da UEFA, era a Iugoslávia. Já a segunda partida rendeu o primeiro gol, iniciando uma virada de 2-1 sobre a Suíça em amistoso em Berna em 21 de setembro, contexto que energizou os espanhóis para os dois jogos que faltavam nas eliminatórias. Em 26 de outubro, ele fechou os 2-0 sobre a Romênia no Vicente Calderón. Restava a visita a Belgrado.

O As relembrou em 2016 o contexto de uma missão encarada sob traumas: “se tratava de nos classificarmos ao mundial da Argentina. Isso hoje em dia parece pouca coisa, mas não era então. Não havíamos estado nem no de 1970 nem no de 1974. Por duas razões: porque então não iam mais da metade de equipes que vão agora e porque, na verdade, tampouco éramos bons. Tínhamos um grupo de jogadores dignos mas, para dizer a verdade, nada extraordinário. Nossos jogadores era em sua maioria homens de complemento em suas equipes. O protagonismo era para os de fora. Havia gente séria, sim, mas ninguém para as listas da Bola de Ouro. O treinador era Kubala, que havia fracassado no intento de nos classificar para Alemanha-74, após perder um desempate frente a Iugoslávia. Precisamente a Iugoslávia”.

“Já não estava Katalinski, o enorme líbero que nos havia marcado o mencionado gol decisivo ao colher um rebote de Iribar. Tampouco estava Iribar, cuja vaga disputavam nesses anos Miguel Ángel e Arconada. Mas era a Iugoslávia, permanecia a lembrança, se estendia o fatalismo. Então naquele dia nos sentamos em frente à televisão temendo o pior. O jogo estava marcado para 30 de novembro, uma quarta-feira que o ditador Tito transformou em feriado para lotar o Marakana. Em contrapartida, o técnico Kubala, desertor do comunismo europeu, levou 18 jogadores – dois a mais que a lista oficial – para se prevenir a eventuais contingências de última hora, cuidando obsessivamente até da alimentação e hidratação dos atletas (a ponto de comprar os mantimentos de última hora e em mercado diferente do habitualmente frequentado), sob receio de envenenamentos.

O gol mais lembrado da carreira de Cano foi de canela; o argentino inclusive se desequilibrou até parar na trave iugoslava

Enfrentando faltas duras (obrigando o veterano Pirri a ser substituído com 13 minutos de jogo) e até uma garrafa arremessada em Juanito já ao fim da partida, os espanhóis na realidade podiam até sair com uma derrota por um gol de diferença que estariam classificados. Luxo esquecido naquele contexto, com o argentino se imortalizando com seu gol a 20 minutos do fim. Um gol na marra, completando de primeira e com a canela mesmo um raçudo cruzamento levantado até o segundo pau. “É verdade, dei com a canela. Se dou com o peito do pé, mandava ao alambrado”, admitiria. Em 2020, aquele triunfo foi listado pelo diário As como a terceira grande vitória da história da Furia, antecedida apenas pelas que valeram a criação desse apelido nas Olimpíadas de 1920 e o título da Eurocopa 1964.

Na temporada 1977-78, o Atlético, priorizando uma Liga dos Campeões ainda inédita, terminou apenas em 6º em La Liga (com o argentino ainda aumentando sua produção, com 21 gols, embora Kempes fosse novamente ainda melhor, com 28) e avançou na Copa do Rei até as quartas; mas, pela Europa, também caiu nas quartas para aquele forte futebol belga de clubes, que viu o Brugge decidir o torneio com o Liverpool. Na preparação à Copa, Cano jogou amistosos contra a Itália (2-1 em 25 de janeiro) e os rivais do Uruguai (0-0 em 24 de maio). Se esperava para o Mundial que a dupla de ataque espanhola fosse inclusive argentina, mas o barcelonista Juan Carlos Heredia pediu para ser desligado, revoltado com a ditadura quase ter matado por engano seu pai, confundido com um alvo subversivo de mesmo nome – ciente do incidente, seu colega Cruijff teria abandonado de vez a ideia de vir ao torneio.

Na Copa, o herói não brilhou: por conta de uma febre inoportuna, Cano foi limitado ao jogo da estreia, a derrota de 2-1 para a Áustria, no estádio do Vélez. A Furia depois segurou o 0-0 com o Brasil, mas a vitória sobre a Suécia ao fim foi inútil, com os brasileiros tomando a segunda vaga após a suada vitória sobre os líderes austríacos. Em meio à temporada 1978-79, onde o argentino deixou bons 19 gols no bronze em La Liga, ele fez suas últimas partidas pela Espanha: três, ainda em 1978, já valiam pelas eliminatórias à Eurocopa de 1980, encarando-se novamente a Iugoslávia em Belgrado (2-1) e a Romênia (1-0), além do Chipre, vencido por 5-0 com gol dele. Mas essa partida em Salamanca seria o início do fim de seu ciclo com a camisa vermelha Ele próprio pediria para sair, segundo outras declarações suas naquela nota do El País:

A comemoração com Juanito após recuperar o equilíbrio

“Naquele momento, não havia tanta paixão em toda a Espanha com a seleção. Ia pouca gente ver as partidas. Havia muitas comunidades onde as pessoas estavam contra a seleção. O regionalismo esportivo estava muito exacerbado e se trasladava à equipe. Eu senti na própria carne. Em Salamanca, toda o estádio me gritava: “Fora Índios!”. Não era xenofobia. Era desprezo esportivo, porque eu era do Atlético. Como vi que isto se acentuava, depois do Mundial de 1978 pedi a Kubala que não me chamasse mais. Em 1979, os espanhóis não levavam tão a sério sua seleção. Lembro de partidas em Madrid nas quais iam quatro gatos pingados”. O argentino ainda atuou mais duas vezes: no 2-2 com a Romênia em 4 de abril de 1979 e um amistoso contra Portugal em 26 de setembro (1-1). E começou a declinar no Atleti, caindo para dez gols na temporada 1979-80, onde o poderoso time dos anos 70 flertou mais com um rebaixamento.

Na de 1980-81, o clube já ficou a três pontos do título (tinha pinta de campeão, mas derrapou na reta final), mas sem que o ídolo contribuísse tanto: foi usado em apenas doze jogos de La Liga, marcando apenas um gol. Ele ainda permaneceu por mais uma temporada, sem entrar em acordo pela renovação de contrato. Foram ao todo 82 gols em 168 jogos em seis anos rojiblancos, ainda que saísse resmungando contra uma ingratidão dos cartolas; passou o segundo semestre de 1982 sem clube (chegou a negociar com o futebol mexicano e com o Racing, o time do coração) até o Tenerife lhe oferecer um salário seis vezes maior para convence-lo a encarar a Segunda B, a terceira divisão. Ele correspondeu com 11 gols em apenas 17 jogos, contribuindo para o acesso do clube das Canárias à segundona. Mas também sofreu tanto uma lesão nos ligamentos que afetaria severamente sua característica velocidade como também rotineiros cheques sem fundos do clube, ainda que contribuísse na luta contra o rebaixamento em 1984.

Desgastado, ele rescindiu para jogar a segunda divisão pelo Rayo Vallecano, onde o ombro foi o maior problema para que jogasse os minutos esperados. Em 1986, convidado pelo controverso cartola colchonero Jesús Gil y Gil para integrar sua chapa na campanha presidencial do ex-clube, optou por pendurar as chuteiras no time de Vallecas. O argentino foi gerente de futebol no Atlético até 1993 (o Marca publicou hoje entrevista onde ele detalha alguns episódios no cargo, como quando barrou uma sondagem a Maradona ou como inclusive  apelidava o então juvenil Raúl González Blanco de Maradonita, nunca se conformando em perder aquele prata-da-casa ao grande rival), chegando a sair temporariamente em 1991; apesar de manter boa relação pessoal com Gil, se cansara em ser o escudo dele nas ferozes críticas da imprensa, voltando a morar em Buenos Aires quatro anos mais tarde, afastado do futebol.

https://twitter.com/elchecf/status/1357631530236010496

https://twitter.com/AtletiLeyendas/status/1357685422382592004

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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