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Elementos em comum entre Racing e Colón, os finalistas da Copa da Superliga

Não teremos Clásico de Avellaneda decidindo ineditamente uma final argentina (os títulos do Independiente em pleno dérbi em 1967, em 1970 e em 1983 se deram casualmente em torneios de pontos corridos, e o troco do Racing na decisão da liguilla em 2015 valia oficialmente apenas a vaga na Libertadores), mas história não faltará à decisão do Racing com o Colón, especialmente do lado do Sabalero: afinal, nenhum time de sua cidade de Santa Fe conseguiu títulos nacionais para além da segunda divisão.

Vale um breve contexto: até o fim dos anos 30, o campeonato “argentino” só o era no nome, pois a federação restringia oficialmente seus participantes à Grande Buenos Aires e La Plata. Assim, a dupla santafesina Colón e Unión tinha que se limitar à liga municipal, assim como Newell’s e Rosario Central ficavam restritos à liga rosarina ou Talleres, Belgrano e Instituto, à cordobesa.

Em 1913, 1914, 1916, 1918 e 1925, o Colón sagrou-se campeão santafesino enquanto o Racing comemorava os títulos “argentinos”. Em 1939, então, a liga argentina admitiu diretamente na primeira divisão a dupla Newell’s e Central, para em 1940 colocar o Unión na sua segundona. Para a torcida colonista, foi preciso aguardar até 1948 para, também na segunda divisão, serem admitidos na federação argentina. Embora demorasse oito anos depois do grande rival e chegasse até a descer à terceirona, o Sabalero subiu primeiro à elite, ao conquistar a Primera B de 1965.

Gigliotti, ao meio, comemora a classificação em Avellaneda na Sul-Americana 2012: até jogaria na seleção na época

O ano de 1965 também teve seu toque especial para La Acadé, cujo quinto lugar final ofusca uma sensacional campanha de recuperação de um time que rondou inicialmente o rebaixamento. A recuperação veio sob a batuta do treinador Juan José Pizzuti, a assumir na 19ª rodada. A partir da 21ª, o time de Avellaneda iniciou uma invencibilidade de 39 partidas, um recorde na era profissional, e que embalaria um título argentino conquistado com folga em 1966.

Outro ano marcante a ambos foi o de 1995. Após anos seguidos na primeira divisão, o time de Santa Fe caíra em 1981 e desde então penava para voltar, até conseguir o acesso no mesmo ano em que La Academia começou treinada por Maradona para então beliscar no segundo semestre um título nacional que não vinha… exatamente desde aquele ano de 1966. Foi preciso contentar-se mesmo com o vice do Apertura daquela temporada 1995-96, mas ele possibilitou que o Racing estivesse na Libertadores de 1997. E, mesmo em crise, fez bonito, tirando River e Peñarol nos mata-matas até cair nas semifinais – enquanto paralelamente o Colón fazia sua melhor campanha nacional até então, com o vice-campeonato no Clausura.

Desconsiderando-se amistosos, Racing x Colón têm um retrospecto de muito equilíbrio. São 25 vitórias racinguistas contra 21 colonistas na primeira divisão. Enquanto conviveram na segunda divisão (1984 e 1985), o Sabalero venceu duas vezes, perdeu uma e empatou outra. Embora nunca tenham se enfrentando na Copa Argentina e nem na Copa da Superliga, já se encararam na Copa Sul-Americana, em 2012. E os santafesinos souberam ganhar os dois duelos, por 3-1 em casa e por 2-1 em Avellaneda – assim, ao todo, o duelo direto está oficialmente em 26-25. A torcida racinguista tem engatado ainda a derrota em casa em 2019 que lhe custou a vaga na Libertadores enquanto o oponente inesperadamente se garantia na Sul-Americana.

O volante Pastoriza e o ponta Balbuena: muito mais ligados justamente com o Independiente

É difícil cravar alguém ídolo em comum na dupla, mas não faltam nomes que se destacaram em pelo menos um dos finalistas de hoje – sendo curioso notar o alto índice de quem esteve também no Independiente. Curiosamente, os dois treinadores finalistas trabalharam no adversário: o técnico racinguista Juan Antonio Pizzi, de óculos na imagem que abre a matéria, teve no Colón, seu time do coração, justamente o seu primeiro clube como treinador (só três partidas em 2005); enquanto o barbudo comandante colonista Eduardo Domínguez foi justamente um vira-casaca (sem brilho) em Avellaneda como jogador, em travessia direta feita em 2005. Eis outros personagens:

José Omar Pastoriza: entre 1960-63, o Colón esteve na terceira divisão e foi essa a primeira realidade de Pastoriza no futebol. El Pato profissionalizou-se por lá em 1962 e rumou ao Racing em 1964. Participou ativamente do início daquela invencibilidade de 39 jogos, credenciando-se para ir à Copa do Mundo de 1966 – embora se transferisse ao Independiente semanas antes do Mundial. E o volante se ligou tanto ao outro time de Avellaneda que é difícil auferir que ele teve um desempenho honroso como racinguista, o que incluiu um retorno decente como treinador, em 1981. Tudo ofuscado pelo título da Libertadores (como jogador, já havia levantado a de 1972) e do Mundial em 1983, novamente pelo grande rival…

Agustín Balbuena: profissionalizou-se no Colón exatamente na campanha campeã da segunda divisão de 1965, embora ainda fosse um coadjuvante naquela ocasião. Continuou se desenvolvendo em Santa Fe até o fim da década, tendo seu grande momento ao dar a vitória em amistoso em 1967 contra o então campeão mundial. Outro a ter na camisa do Independiente a que mais lhe caiu bem: o ponta integrou todo o tetracampeonato seguido do Rojo na Libertadores entre 1972-75, sendo nesse período duas vezes carrasco do São Paulo e indo a uma Copa do Mundo. No Racing, El Mencho esteve muito discretamente, no time que brigou para não cair em 1976.

López e Villarroel tiveram momentos interessantes no Racing. Nada comparado ao que fizeram juntos no meio-campo do Colón

Carlos López: não, ele não jogou no Independiente, mas virar a casaca foi com ele mesmo também. Revelado no Excursionistas, pareceu no River em 1972. Não firmou-se e já em 1973 seguia carreira no Argentinos Jrs. Esse talentoso meia-esquerda então chegou ao Colón em 1974, onde realmente despontou. Lembrado na revista El Gráfico que elegeu em 2012 os maiores ídolos rojinegros, cavou transferência ao Estudiantes para o Torneio Nacional de 1975, onde integrou o elenco vice-campeão. Ainda vestiria bem a camisa do Racing, time pelo qual chegou à seleção, simplesmente brigando por uma vaga com Maradona na Copa América de 1979. Já fazia um pé de meia na Colômbia quando esteve, sem brilho, no Boca em 1984.

Hugo Villarroel: o que fez Carlos López passar ao Estudiantes em 1975 foi a grande campanha colonista no Metropolitano, um 6º lugar a três pontos do pódio, só ofuscado pelo desempenho ainda melhor do rival Unión (4º). Villarroel fazia com López a dupla de meio-campistas, ocupando o flanco direito com muita categoria e jogo de cintura ciente de quando devia prender e quando devia passar rápido a bola. Foram mais de 200 jogos pelo Sabalero entre 1973-80 e igual inclusão na El Gráfico dos ídolos do clube. Esteve no bom Racing do Metropolitano de 1981, treinado por Pastoriza, mas então uma série de lesões lhe decaíram.

Walter Parodi: formado no Quilmes, foi no Colón que ele virou o Waltergol, na temporada 1986-87. Desde 1981 na segundona, o clube triscou o acesso na esteira das comemorações dele, parando nas semifinais. Se o time não subiu, Parodi sim: foi contratado pelo cascudo Deportivo Español na época, tornando-se o maior artilheiro de Los Gallegos na primeira divisão. Carrasco diversas vezes do Racing, dizia-se torcedor do time e teve sua chance via empréstimo na liguilla pré-Libertadores de 1991. Não rendeu. E, ironicamente, se sairia melhor no Independiente, como um reserva útil no elenco campeão em 1994 do Clausura e da Supercopa.

Embora torcedor do Racing, o atacante Parodi deu mais certo no Independiente. O uruguaio Chabay talvez seja o mais próximo de um ídolo em comum nos dois: campeão mundial no Racing, treinou o Colón que subiu em 1995

Nelson Chabay: formado no Racing de Montevidéu mesmo, passou ao de Avellaneda em 1966. Em tempos onde não se convocava quem atuasse fora, isso custou a esse uruguaio dos mais argentinos um lugar na Copa do Mundo. Mas o zagueiro se deu bem, inicialmente como um bom reserva a Roberto Perfumo no título argentino daquele ano. E teve seu momento em 1967, improvisado na lateral-direita na conquista do Mundial Interclubes (o primeiro do futebol argentino) após lesão do titular Rubén Díaz. Chabay permaneceu útil na Academia até 1972, quando seguiu fazendo história, integrando o vistoso Huracán campeão de 1973. Como técnico, virou um “rei do acesso” na Argentina, o que incluiu o de 1995 com o Colón, desatolando o Sabalero de 14 anos na segundona.

Claudio García: um dos mais carismáticos jogadores argentinos na virada dos anos 80 para os 90, El Turco tinha bola para ir às Copas de 1986, 1990 e 1994 e não foi a nenhuma delas mais por certa displicência combinada à concorrência com gente mais aplicada. Com experiências prévias por Huracán, Vélez e Lyon, chegou ao Racing em 1991 e logo requisitou lugar na seleção vencedora da Copa América daquele ano (e na de 1993 também). Não foi exatamente um artilheiro e sim um ponta arisco, virando folclore em Avellaneda seja por improvisar-se como goleiro ou pelo gol de mão que eliminou o Independiente em clássico pela Supercopa de 1992. Turco García rumou inicialmente ao Internacional em 1995, mas, já em declínio pelo vício em cocaína, foi descartado nos exames médicos e reforçou sem brilho o Colón como reforço na temporada de reestreia na elite, a de 1995-96.

Marcelo Saralegui: recentemente, esse meia uruguaio fez 50 anos e desde ali destacamos o fato de ele ser outro vira-casaca em Avellaneda, com a particularidade de ser odiado pelos dois enquanto pôde brilhar no Colón – inclusive como carrasco da dupla de gigantes. Cria do Nacional, esteve primeiramente na Academia, emprestado na temporada 1994-95, entressafra de dois vice-campeonatos argentinos. Até foi à vitoriosa Copa América de 1995, mas dali seguiu a Santa Fe como outro reforço renomado para a reestreia colonista na elite. Na rodada final de um Apertura, fulminou as chances de título racinguistas com três gols em um cruel 5-1. E, em 1997, foi a vez de marcar o gol que colocou o Sabalero na Libertadores às custas do Independiente, em jogo-extra pela vaga. Acabou disputado pelos dois em 1999 em uma celeuma judicial que, no fim das contas, rendeu passagens sem brilho no Rojo naquele ano e em volta ao Racing em 2000.

“Turco” García brilhou apenas no Racing e Saralegui, apenas no Colón

Esteban Fuertes: começou no Independiente de Dorrego, sua cidade natal, de onde foi pinçado pelo de Avellaneda. Mas só pôde jogar oficialmente uma vez no Rojo, em 1992, passando por sucessivos empréstimos até firmar-se no Platense, na temporada 1995-96. El Bichi terminou adquirido pelo Racing, mas veio a ser mais um doblecamiseta em Avellaneda que só triunfou de verdade no Cemitério de Elefantes: deixou seus gols pela Academia e foi titular nos semifinalistas da Libertadores de 1997, mas nada que impedisse que a diretoria o usasse como moeda de troca em uma primeira tentativa de repatriar Saralegui, naquele ano. O troca-troca não foi feito, mas Fuertes foi mesmo repassado ao Colón. Para virar talvez o maior ídolo da história do clube.

Foram quatro passagens de Fuertes pelo Sabalero, a incluir a artilharia do Clausura 2000 (foi o primeiro rojinegro a ser artilheiro da elite), com 17 gols em 18 jogos que incluíram os 4-0 no Unión, a maior goleada de um dérbi historicamente equilibrado feito o Clásico Santafesino no campeonato argentino. Crescia contra os cinco grandes, onde colecionou 37 gols, e em 2009, em sua última passagem pelo Colón, pôde tornar-se o mais velho estreante na seleção argentina. Tinha quase 37 anos e muitos serviços prestados: naquele ano, o time foi 4º no Clausura e 3º no Apertura, cavando vaga na pré-Libertadores de 2010 e dois convocados à Copa do Mundo (os colegas Diego Pozo e Ariel Garcé).

Eduardo Coudet: El Chacho foi adquirido via empréstimo pelo Colón no início de 2010, na ambição de uma boa Libertadores. Mas o time caiu na fase preliminar e o veterano volante não disse a que veio em Santa Fe. Não tinha passado em Avellaneda e sim por Rosario Central, River e San Lorenzo quando foi contratado como treinador do Racing em 2017. E foi talvez na Academia que ele teve seu maior protagonismo somando as duas carreiras, comandando os campeões da Superliga de 2018-19 e da Supercopa Argentina ao fim daquele ano, credenciais que o levaram ao Internacional. O resto é conhecido dos brasileiros.

Fuertes é talvez o maior ídolo do Colón. Coudet não foi tão bem por lá em fim de carreira no jogador, mas foi no Racing que ergueu seus primeiros títulos como técnico

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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