Especiais

Futebol e religião: os 50 anos de Carlos Roa, destaque de 1998

Nelson Vivas, Pablo Paz (de colete vermelho), Claudio López, Hernán Crespo, Abel Balbo e Mauricio Pineda celebram o herói contra a Inglaterra em 1998

Por Leandro Paulo Bernardo, com contribuição de Caio Brandão

O agora saudoso comentarista Juarez Soares disse durante a Supercopa de 1992 que aquele goleiro do Racing honrava plenamente a maravilhosa escola argentina de goleiros… Talvez ele estivesse prevendo que Carlos Ángel Roa fosse um dos últimos grandes goleiros da Argentina em Copas. Roa, de fato, tinha a seu favor a boa altura, segurança nas mãos e ótimos reflexos, fazendo o estilo voador e soube disputar finais continentais por três times que ou não conheciam a grandeza ou a haviam esquecido, sendo ainda o goleiro titular menos vazado da Copa de 1998. Sua trajetória peculiar também foi marcada pelo “e se?” e será lembrada hoje, quando El Lechuga chega aos cinquenta anos.

Nascido na província argentina de Santa Fe, Roa começou jogando como atacante, mas acabou optando em ser goleiro devido aos conselhos de amigos que viam em seu 1,92 de altura um grande potencial nas balizas. Sua formação escolar foi na Escola Adventista de Santa Fe. Sua chegada aos profissionais do Racing se deu no início de 1988; ele esteve no banco para a lenda Ubaldo Fillol durante a conquista da Supercopa pela Academia, ainda que só estreasse oficialmente já na 9ª rodada do campeonato argentino de 1988-89, em 6 de novembro. Foi um torneio de curioso regulamento: em tempos em que vitórias ainda valiam dois pontos ao invés de três no futebol mundial, a AFA testou fórmula em que triunfos valeriam sim três, enquanto empates levariam a uma decisão por pênaltis. Nesse cenário, cada time levaria um ponto, mas o melhor nos pênaltis ganharia um ponto extra. A CBF, inclusive, adotaria essas mesmas regras no Brasileirão de 1988.

Por pouco, Roa não precisou demonstrar de imediato seus dotes como pegador de pênaltis. A própria estreia em si já viria sob uma fogueira: aos 41 minutos do primeiro tempo, Fillol teve um ataque de fúria após uma entrada criminosa de Jorge Borelli; quase brigou com todo o elenco do River e acabou expulso, em confusão que rendeu o cartão vermelho também ao volante racinguista Carlos Olarán e aos adversários Borelli e Carlos Enrique. Do lado do Racing, o treinador Alfio Basile tirou o meia Mario Videla para então pôr o goleiro reserva, ainda de 19 anos de idade. O estreante, auspiciosamente, viu seu time marcar no segundo tempo os dois gols do triunfo de 2-1: logo aos 5 minutos, o folclórico Ramón Medina Bello abriu o placar. A revelação Abel Balbo empatou já aos 9, mas, a três minutos do fim, um cabeceio do ídolo Rubén Paz fechou o placar. Roa perdia a chance de maior protagonismo na decisão por pênaltis que estava quase por vir, mas seu time ganhava três valiosos pontos e assumia naquele momento a vice-liderança.

Fillol pegaria uma longa suspensão, mas isso não significou espaço instantâneo a Roa, que só participaria mesmo daquele jogo na temporada; ainda era o terceiro goleiro na hierarquia, com Julio César Balerio somando quinze aparições como reserva imediato dos 24 jogos do astro Fillol. A taça iria a Avellaneda ao fim do torneio, mas justamente para o rival Independiente, depois de uma derrocada notável do Racing a partir do último jogo do primeiro turno: foi contra o Boca, justamente co-líder com La Acadé àquela altura. Um rojão disparado pela torcida racinguista feriu o goleiro boquense Carlos Navarro Montoya e a partida foi então cancelada ao fim do primeiro tempo. O tapetão deliberou em não realizar em data diversa o segundo tempo e deu aos auriazuis os dois pontos de vitória registrada como 1-0, embora em campo o jogo estivesse no 0-0 até a interrupção. O tribunal também subtraiu três pontos do Racing. O baque psicológico (o clube, afinal, não vencia desde 1966 o campeonato argentino, jejum só encerrado em 2001) da súbita desvantagem de cinco pontos virou uma bola de neve de só três vitórias no segundo turno inteiro…

O Racing vice da Supercopa 1992: Reinoso, Vallejos, Roa, Fabbri, Distéfano e Borelli, Basualdo, Carranza, Guendulain, Rubén Paz e Torres

Assim, o elenco vencedor da Supercopa 1988 acabou precocemente desmanchado. O maestro Rubén Paz partiu ao Genoa enquanto o técnico Basile foi ao Vélez e levou Fillol junto. A diretoria inicialmente recontratou o experiente Alberto Vivalda para ser o novo goleiro principal, mas gradualmente Roa assumiria enfim a titularidade. Só não deu ainda para exibir-se como pegador de pênaltis, pois para o campeonato argentino de 1989-90 a AFA retomou a fórmula clássica de dois pontos por vitória, sem que empates levassem aos penais. Nesse período, o jovem se notabilizava pelo extracampo, que fugia do senso comum entre os jogadores; por exemplo, ganhou o apelido de Lechuga (alface) dos seus companheiros de equipe por causa de sua dieta vegetariana – algo que chamava ainda mais a atenção em um país tão devoto dos churrascos.

Roa destoava, sobretudo, pela fervorosa postura religiosa. Promotor forte da característica de estilo de vida dos adventistas do sétimo dia, viu isso escancarar-se antes do início do torneio argentino de 1990-91. Na pré-temporada, o Racing fez uma viagem de 17 dias pela África, vencendo em 1º de agosto de 1990 a seleção de Benin por 3-0. Quatro dias depois, empatou por 1-1 com um combinado de Togo, mesmo resultado contra um da Costa do Marfim. Depois, perdeu para o clube marfinense ASEC Mimosas por 3-0 e fechou aquela excursão com um empate sem gols contra Burkina Faso. Ao retornar daquela viagem, Roa foi internado por malária. Toda a delegação da Racing havia sido vacinada, menos o goleiro que, segundo o presidente racinguista Juan De Stéfano, preferiu seguir uma suposta orientação da religião adventista e se recusou a tomar a vacina.

Meses depois do episódio que o deixou à beira da morte, o arqueiro voltou ao futebol e negou que o fato teve  interferência da religião – somente em 2015 a Igreja Adventista do Sétimo Dia emitiu uma declaração oficial sobre vacinas, salientando que “incentiva a imunização responsável” e que não tem razões baseadas na fé para desencorajar os crentes de participar em programas de imunização. Mas, após o conflito e divergências da excursão, o clube preferiu novamente um medalhão: ninguém menos que o carismático Sergio Goycochea, que, embora torcedor do Independiente, queria desfrutar de perto o auge de sua popularidade na Argentina após a Copa de 1990. Para sorte de Roa, Goyco passou apenas uma temporada em Avellaneda, sem recusar uma primeira oportunidade no futebol europeu ao rumar ao Brest francês. Todavia, aqueles momentos treinando ao lado do Tapa Penales iriam surtir efeito no futuro.

Com a inauguração da Igreja Adventista em Avellaneda no começo de 1992,  Roa seguiu ainda mais os princípios da sua religião, menos a questão de guardar o sábado, algo que aumentava os seus conflitos pessoais. Profissionalmente, ele recuperou a confiança e a titularidade, conseguindo 577 minutos sem sofrer gols – marca só superada nos dois últimos títulos do clube, Sebastián Saja (587 entre 2014 e 2015) e Gabriel Arias (na temporada 2018-19), embora em paralelo naufragasse com toda a seleção juvenil no pré-Olímpico aos Jogos de Barcelona. No segundo semestre, carregou o time junto com Claudio García e Gustavo Matosas até nova final da Supercopa. O título não veio, mas a efusiva animação da torcida blanquiceleste em campanha que incluiu classificações nos únicos clássicos continentais com o Independiente e sobre Nacional e Flamengo encantou ali para sempre um certo Mauro Cézar Pereira.

O Lanús campeão da Copa Conmebol de 1996 e Roa com o troféu

O clube da dupla ofensiva Claudio López e Marcelo Delgado novamente veio a triscar uma taça no Apertura 1993, só finalizado nos primeiros meses de 1994. Chegou a lidera-lo na reta final, mas, ao deixar escapar uma vitória por 2-0 sobre o Ferro Carril Oeste na 16ª rodada (sofreu o empate após ficar com um a menos justo após marcar o segundo gol, com o autor Mariano Dalla Líbera recebendo o segundo cartão amarelo por tirar a camisa…), não se recuperou: empatou em 1-1 com o Lanús, levou de 6-0 do Boca e de nada adiantou vencer por 3-1 o Estudiantes: perdeu o título por um mísero ponto para um River mais eficiente do que encantador. Por problemas com a direção do clube e o surgimento de Ignacio González, Roa transferiu-se na época para o Lanús, então uma instituição virgem de títulos fora das divisões de acesso, mas que emergia – terminara aquele Apertura só um ponto abaixo do próprio Racing.

O tempo reconciliaria El Lechuga com a torcida: ele seria reconhecido como um dos 110 maiores ídolos racinguistas, em edição especial que a revista El Gráfico publicou em 2013 para os 110 anos do clube. Nada comparado à estatura que adquiria em La Fortaleza: o Lanús, que em 1994 participaria pela primeira vez de uma competição internacional (a Copa Conmebol, onde caiu nas oitavas para o San Lorenzo), cresceria ainda mais a partir da chegada de outro santafesino em 1995, o treinador Héctor Cúper. A chamada Cúperativa com Roa, Óscar Mena, Gabriel Schürrer, Ariel Ibagaza e Hugo Morales explodiu, com um time extremamente competitivo que conseguiu três terceiros lugares seguidos, no Apertura 1995, Clausura 1996 e Apertura 1996, tendo em paralelo sua apoteose com a conquista da Conmebol de 1996.

Na partida decisiva, o Granate perdeu por 1-0 para o Santa Fe, no El Campín com mais de 40 mil pessoas, mas ficou com o título por ter vencido o jogo de ida por 2-0, concluindo campanha que incluiu resultados agregados como 8-2 no Guaraní paraguaio e 6-1 no Rosario Central, o campeão anterior. Roa foi eleito o craque da partida, recebendo até nota 8 do site colombiano El Tiempo. De ressaca, o elenco ficou só em 11º no Clausura 1997, mas mesmo assim Roa se notabilizou: foi o primeiro goleiro a dar um troco em José Luis Chilavert, convertendo um pênalti em triunfo por 3-1 após um colega ter desperdiçado mais cedo outra cobrança. Com a instabilidade momentânea de Germán Burgos em seu próprio River (onde vinha jogando menos do que Roberto Bonano na temporada 1996-97) e a grande fase de Roa, El Lechuga estreou na seleção em 30 de abril de 1997, no 2-1 sobre o Equador pelas eliminatórias.

Após participar também do 2-0 sobre o Peru em 8 de junho, também pelas eliminatórias, foi chamado para Copa América na seleção caseira experimental de Daniel Passarella. Na última competição em que a numeração argentina foi definida pela ordem alfabética, Passarella começou revezando os goleiros, usando Ignacio González (justamente quem vestia esdruxulamente a camisa 10) na estreia, 0-0 com o Equador; Marcelo Ojeda no segundo jogo, 2-0 no Chile; e enfim o camisa 19 a partir de então: Roa atuou no 1-1 com o Paraguai onde Chilavert “vingou-se” ao converter-lhe um pênalti e permaneceu para a surpreendente eliminação para o Peru no primeiro mata-mata. Nada que tirasse sua titularidade para o restante das eliminatórias e de sua primeira transferência à Europa. Em agosto de 1997, Cúper assumiu o Real Mallorca e impulsionaria a fase áurea do clube a partir de muitas peças daquele Lanús.

O cascudo (e argentino) Real Mallorca de 1999: Siviero, Marcelino, Roa, Lauren, Stanković e Engonga; Ibagaza, Olaizola, Soler, Dani García e Biagini. Em negrito, os quatro hermanos titulares do elenco treinado pelo também argentino Héctor Cúper

Sob orientação do treinador argentino, o time das Baleares pediu a contratação imediata de Óscar Mena e Roa, além de Gabriel Amato, comandado anteriormente por Cúper no Huracán. De cara, conseguiram levar o Mallorca à sua melhor colocação na Primeira Divisão até então, o quinto lugar, mesmo que na reta final da competição o goleiro sofresse uma lesão que ameaçou sua ida para a Copa Do Mundo. Durante esse período, Roa se dedicou muito a orações e reclusão espiritual, conseguindo se recuperar a tempo: no dia 29 de abril, estava jogando a final da Copa do Rei contra o Barcelona de Figo e Rivaldo no Estádio Mestalla, em Valencia.

O Mallorca abriu o placar aos seis minutos do primeiro tempo, com um gol de Jovan Stanković, mas na segunda etapa Rivaldo empatou. Roa teve uma atuação incrível e a partida foi para as penalidades, onde o argentino defendeu as cobranças do próprio Rivaldo e de Albert Celades. Porém, Rocha chutou para fora e Campo parou no goleiro Ruud Hesp. O próprio Roa passou a chutador e converteu a última penalidade da série normal e, nas cobranças alternadas, defendeu o chute de Figo, deixando o Mallorca com a taça na mão. Mas Stanković chutou para fora e Eskurza perdeu a cobrança seguinte dos baleáricos. O Barcelona foi o campeão, mas, depois daquela atuação, Daniel Passarella, a imprensa e a torcida argentina tinham a certeza de quem deveria ser o goleiro na Copa da França: quinze dias depois daquela final, Roa reestreou pela seleção, em um 5-0 sobre a Bósnia no antipenúltimo amistoso pré-Copa.

Se a lesão provavelmente impediu-o de ter figurinha própria no álbum oficial da Panini (embora fosse possível distingui-lo no cromo da foto posada da Albiceleste), com os dois espaços a goleiros argentinos no livro ilustrado sendo ocupados ironicamente pelos reservas Burgos e Pablo Cavallero, Roa não só realizaria seus sonhos de ir a um Mundial e ser titular: não sofreu nenhum gol na fase de grupos para então tornar-se um dos protagonistas em um dos jogos mais inesquecíveis de mundiais, o clássico com a Inglaterra nas oitavas. No tempo normal, empate por 2-2 e decisão nas penalidades. O primeiro a perder foi Hernán Crespo, parando em David Seaman, mas Roa tranquilizou a torcida alviceleste ao defender as penalidades de Paul Ince e David Batty, classificando a Argentina para as quartas de final.

Contudo, o talismã pouco pôde fazer para evitar a magistral eliminação decretada por Dennis Bergkamp (e pela cabeça incompreensível do expulso Ariel Ortega e do técnico Passarella em tirar de campo Gabriel Batistuta, então artilheiro da Copa) aos 45 do segundo tempo contra a Holanda. O goleiro voltou para o Mallorca e, como o Barcelona vencera La Liga e a Copa do Rei de 1997-98, permitiu-se que o time insular pudesse ter uma vaga na Recopa Europeia e também uma revanche na Supercopa da Espanha – ela foi aproveitada com triunfo por 3-1 sobre os catalães. Foi o primeiro título na história oficial do Mallorca, que passaria a contar com dois outros craques oriundos do Lanús; Ariel Ibagaza e Gustavo Siviero.

Já a Recopa Europeia teria sua última edição e o Mallorca também saboreou a experiência. Eliminou o Hearts escocês, o Genk belga, a surpresa croata Varteks e então um Chelsea já em grande fase mesmo antes da fortuna russa. Mas a colônia argentina nas Baleares (havia ainda Leonardo Biagini, que decretou a eliminação do Chelsea, o defensor Mauricio Pineda e outro goleiro, Leo Franco) não terminou párea para uma turbinada Lazio em Birmingham por 2-1, com um gol no final da partida marcado pelo tcheco Pavel Nedvěd.

Em paralelo, Roa e colegas exibiam desempenho bom não apenas em jogos copeiros, protagonizando a nova melhor colocação da equipe em La Liga – um terceiro lugar com recorde de pontuação para o clube (66 pontos) e inédita vaga para a pré-Champions League. Muito da campanha recorde deveu-se a Roa, premiado com o Troféu Zamora como goleiro menos vazado em La Liga. Embalo que o manteve na seleção no início do ciclo de Marcelo Bielsa e que faria o IFFHS, a Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol, calcular já em janeiro de 2000 o Mallorca como a oitava melhor equipe do mundo naquele momento. O que fazia sentido em junho de 1999, quando Roa estava no ápice de uma carreira que poderia ter saltado para o Manchester United. Clube que vivia simplesmente o auge de sua história.

Recém-campeão da Liga dos Campeões da UEFA de 1998-89 (marcada também pelos troféus da Premier League e a FA Cup, em tríplice coroa então inédita a qualquer time inglês), o United iria se desfazer do veterano ídolo Peter Schmeichel e ofereceu 10 milhões de libras por Roa – hoje parece pouco, mas a transferência mais cara da história até então ainda equivalia a 21 milhões de libras, valor correspondente ao que o pelo Real Betis pagara em dólares em 1998 para tirar Denilson do São Paulo. O Mallorca estava pronto para vender Roa, a ponto de contratar inclusive Germán Burgos como reposição. Porém, o goleiro que enfrentaria ao fim do ano o Palmeiras em Tóquio pelo Mundial Interclubes (e o Vasco no primeiro Mundial da FIFA, já em janeiro de 2000) seria o australiano Mark Bosnich. Pois, para espanto geral, El Lechuga não só recusou a transferência como decidiu se aposentar do futebol pela incompatibilidade de guardar o sábado, em anúncio feito ainda no dia 25 de junho de 1999, durante uma conferência de imprensa no Estádio Luis Sitjar.

Roa, citando convicções religiosas, falou que a causa do seu adeus ao futebol profissional foi a sua fé e a incompatibilidade de sua pertença à Igreja Adventista do Sétimo Dia: “o que eu vou fazer de agora em diante é mais importante do que aquilo que eu venho fazendo. Fiquei muito feliz jogando futebol, mas estou em busca de coisas melhores. Eu não estou tomando esta decisão com medo ou dúvidas. Para um cristão, nem tudo é maravilha. A fé deve ser forte. Eu pedi a Deus para me dar a oportunidade de jogar na Copa do Mundo, e Ele me deu. Pedi-lhe para ter a chance de jogar na Europa, e Ele também me deu. Quero cumprir minhas promessas para com Ele e me aposentar agora. A questão do sábado, o sétimo dia, é a principal razão pela qual eu estou deixando o futebol profissional. Para o povo de Deus e para aqueles que respeitam a Sua palavra, este é um dia muito especial, e futebol não permite que eu faça o que devo fazer nesse dia”.

Em produção humorística com seu apelido “Lechuga”, a palavra castelhana para alface – oriundo da dieta vegetariana e não por falhas em defender

O choque foi tamanho que rendeu até versões distorcidas, com a revista inglesa FourFourTwo chegando a divulgar que o goleiro acreditava que o mundo acabaria em 1999 e preferia recolher-se espiritualmente – Roa, de fato, tornou-se recluso com familiares em um povoado do interior argentino. Sem ele e o técnico Héctor Cúper (que havia se transferido para o Valencia para sucesso ainda maior), o Mallorca foi presa fácil e caiu na fase preliminar da Liga dos Campeões para o modesto Molde norueguês.

O Mallorca não deixou de exigir que o goleiro terminasse de cumprir o tempo restante de seu contrato e Roa desfez após nove meses sua aposentadoria, em abril de 2000, em acordo pelo qual não exerceria quaisquer atividades a partir do pôr-do-sol de sexta-feira até o pôr-do-sol dos sábado. Entretanto, fora de forma e sem uma sequência adequada de jogos, não conseguiu os desempenhos que tinha antes e o compatriota Leo Franco permaneceu na titularidade. O contrato de Roa com enfim se encerrou em junho de 2002. Nem foi cogitado para a Copa do Mundo, mas, pelo passado e histórico, esteve cotado para ser contratado pelo Arsenal, que se despedia do veterano David Seaman.

Novamente, o argentino surpreendeu o mundo ao anunciar que havia fechado com o Albacete, da segunda divisão espanhola, onde teria uma maior flexibilidade no calendário – sim, Marcos não foi o único goleiro a recusar os Gunners por um time de segunda divisão. No Queso Mecánico, Roa, na companhia do amigo Gustavo Siviero e com os gols do artilheiro Jesús Perera, alcançou a terceira colocação, com o acesso para La Liga. El Lechuga foi escolhido o terceiro melhor goleiro do Campeonato e seu clube conseguiu evitar o rebaixamento na temporada seguinte. Porém, novamente fatores extracampo brecaram uma maior ascensão ao goleiro: dessa vez, a descoberta de um câncer nos testículos…

Roa passou por cirurgia por quimioterapia e reabilitação sem assistência alguma do clube espanhol. Após se recuperar, estava sem contrato com nenhuma equipe, apenas treinando em clubes da terceira divisão espanhola, como o Atlético Baleares e o Constancia de Inca. Quando já pensava em se aposentar definitivamente e ficar morando em Mallorca, o presidente de Olimpo, Jorge Ledo, lhe fez uma proposta para jogar no clube de Bahía Blanca. Foi o epílogo do Tapa Penales de 1998; sem evitar o rebaixamento aurinegro na temporada 2005-06, Roa se aposentou definitivamente dos gramados (como jogador, pois chegaria a ser o treinador de goleiros do River na comissão técnica de Matías Almeyda) ao final daquele campeonato argentino, sem apagar boas memórias nas Baleares e na Argentina – sobretudo por aquela noite em Saint-Étienne no Mundial da França.

Roa voa para encaixar a cobrança de Batty e ali classificar a Argentina contra os ingleses
https://twitter.com/Jordi10Jimenez/status/1162025221014073344

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

2 thoughts on “Futebol e religião: os 50 anos de Carlos Roa, destaque de 1998

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

9 − oito =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.