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“Gato por lebre” pode estar na onda de contratações de argentinos e outros sul-americanos por clubes brasileiros

Temos observado o interesse e até as contratações de alguns nomes de argentinos e de outros sul-americanos por grandes clubes do Brasil. Em tempo; vale dizer. Ocorre, porém, que esse interesse ainda está permeado pela velha incompetência no trato com o futebol de nossos hermanos e também dos demais sul-americanos. Destacar a incompetência é chamar a atenção para muitas coisas. Entre elas, o fato de que tudo indica que nos clubes ninguém acompanha os jogos principalmente do campeonato argentino; de que o interesse por um ou outro jogador tem a ver diretamente com fato, o mais banal, de este atleta ter atuado bem frente a um clube brasileiro; de que a interferência de empresários nas sugestões e até intermediação desses atletas continua ser a receita, ainda que gasta, dessas aquisições. Então, em vez da contratação cirúrgica e acertada, aparecem as surpresas mais estapafúrdias, que devem fazer rir dos empresários que lucram fortunas a dirigentes de clubes que se livram de problemas e ainda ganham um bom dinheirinho por isso. Vejamos todas as últimas negociações e avaliemos se alguma delas foi acertada ou se algumas se encaixam em uma das hipóteses acima destacadas.

De dezembro para cá foram quase 20 as transferências de argentinos e outros a clubes brasileiros, se considerarmos apenas os participantes da Série A e B do futebol nacional. Figueirense e Vasco da Gama lideram a lista com três contratações cada. O clube de Santa Catarina acertou em apostar no atacante argentino Franco Niell; aquele que fez os dois gols do Argentinos Juniors contra o Fluminense na Libertadores de 2011. A proposta do Figueira para 2012 é a de ter uma equipe veloz e com jogadores leves e insinuantes. Niell se encaixa como poucos nesse perfil e ocupará o lugar de Wellington Nem, que retornou ao Fluminense. Contudo, dois outros atletas contratados pelo clube, o ala-direito paraguaio Mario Saldívar (que também pode atuar como volante pela direita) e o zagueiro argentino Ignacio Canuto, também não deixam a desejar e merecem destaque. E quem disse que pelo custo-benefício Niell não caberia no ataque de um Palmeiras, por exemplo?

Se por um lado, as aquisições do Figueira parecem acertadas, pois se encaixam bem em um planejamento, as do Vasco, por outro, parecem piada. A principal delas é a do volante argentino Matías Abelairas. Das canteiras do River Plate, o jovem atleta de 26 anos jamais demonstrou condição de envergar a camisa do clube. Fica a pergunta: se sentiu o peso da camisa millionaria não vai sentir a também pesada camisa vascaína? Este aspecto, e apenas este, já não seria um critério desfavorável na avaliação do atleta com vistas à sua contratação? Seis meses sem atuar, indeciso e com problemas de posicionamento, Abelairas tem tudo para ser a furada do ano em São Januário.

Outro que chega ao Gigante da Colina é o equatoriano Carlos Tenório, de 32 anos e longe de seu melhor momento, que foi entre os anos de 2003 a 2006. Trata-se da contratação típica de um clube de mediano a pequeno, da América do Sul, assim como de algum clube equatoriano, que contaria com a facilidade de readaptação do atleta. Inútil dizer que por estar a quase nove anos no “mundo árabe” não se pode ter uma noção aceitável da real condição técnica do atacante. Inútil porque ninguém se importaria. Nada contra o perfil de um atleta na casa dos trinta anos e bem experiente. Mas, se é assim, por que não trazer Rubén “Tito” Ramírez, do Godoy Cruz de Mendoza? Ampliaria a certeza de gols; seria de baixíssimo custo e seria uma sombra real para Alecsandro no ataque vascaíno.

Entre Abelairas e Tenório já está no elenco cruzmaltino Leandro Chaparro, o melhor dos três, disparado. No clube desde o início de 2011, o atleta de 21 anos é um exemplo de mau planejamento à recepção de jogadores jovens da América do Sul pelos clubes brasileiros. Trata-se de um volante canhoto extremamente habilidoso e que também pode atuar mais à frente. Poucos se recordam que o atleta se encontra no elenco vascaíno e sua contratação pouco a pouco fica sem sentido. Nesse caso, que lucro há em apostar em um jovem já presente no elenco? Melhor é apostar em um veterano, ainda que mais caro, mas com nome. É o caso de Jesús Dátolo, do Espanyol de Barcelona? O clube catalão oferece de graça o jogador, que teve o desplante de não se adaptar no melhor dos países possíveis para isso.

Dátolo não é propriamente um goleador, marcou três gols em 57 partidas no exterior: um por ano, já que há três se encontra fora da Argentina. Perdoável, se considerarmos que mesmo no Boca ele não anotava muitos gols. O problema é que ninguém se lembra de uma boa partida do atleta há pelo menos três anos. Depois de tentar sem sucesso depositá-lo na Grécia e na Itália, o Espanyol não vê a hora de fazê-lo aqui no Brasil. O Vasco se candidatou. Foi o primeiro. Só que, para tê-lo, precisará desbancar a recente concorrência do Internacional, que também quer o argentino.

Permeada de vários casos excepcionais, a regra diz que quando um time grande quer ser livrar de um jogador o “deposita” em um time pequeno. Muitas vezes tão pequeno quanto à própria personalidade ou o futebol desse jogador. Prova do desprestígio atual do futebol brasileiro é que os grandes daqui viraram os pequenos do mundo, no quais os mais diversos clubes ao redor do planeta depositam os seus jogadores-problemas. E isso piora a cada dia. Começou com os grandes europeus, depois passou para os médios e pequenos. Como os nossos clubes se revelaram uma lata de lixo eficiente, hoje em dia todo mundo quer depositar por aqui o que não presta. É o caso do zagueiro paraguaio Adalberto Román, do River Plate. Ao menos para o River não prestou. A torcida millionaria o odeia.

Se o rebaixamento do clube é da responsabilidade de suas péssimas administrações, do que o torcedor não se esquece é somente da horrorosa atuação do zagueiro no embate decisivo de sua equipe diante do Belgrano de Córdoba, pela “promoción”. Exageros à parte, fato é que Román é um zagueiro baixo (1,78m), confuso e péssimo nas bolas altas. Basta vê-lo em campo por uma única vez para se questionar se por um acaso ele não escolheu a posição errada para atuar. Isso porque seu deslocamento e cobertura são irregulares; seu primeiro combate, um desastre, além de sua notória dificuldade em atuar sem a companhia de outro zagueiro que lhe dê proteção. Em confidência, um torcedor do River nos disse: “como pode ser baixo e ao mesmo tempo tão lento?”. E deu a dica: “veja-o no vídeo em que o River perdeu do Tucumán” (River 0x2 Tucumán, pela segunda divisão). Por isso, claramente o zagueiro paraguaio se enquadra no conjunto dos atletas sul-americanos apresentados aos dirigentes brasileiros por aqueles que também desejam muito suas contratações: os empresários. Somente eles viram Roman jogar aquilo que nem mesmo os argentinos conseguiram ver.

Ainda na linha do descarte, o Grêmio abre suas portas para o boliviano Marcelo Moreno. Na conta do Shakhtar, quase 15 milhões de reais; na de Moreno, 320 mil reais por mês de salário. Sem destaque na Europa, o Shakhtar rezava para que algum clube brasileiro o fosse buscar. O Grêmio se candidatou e não teve dificuldades de trazê-lo. Na avaliação de sua contratação, de nada valeu se o atacante decepcionou ferozmente nos últimos dois anos (13 gols em 70 jogos no exterior), já que na memória dos dirigentes gaúchos estava impregnada a imagem das boas atuações do boliviano pelo Cruzeiro. E isso bastou.

Ainda que contente em ser o “depósito” para Damián Escudero, o Grêmio não pode suportar seus altíssimos salários e viu no Atlético Mineiro a lata de lixo ideal para descartá-lo. No foco dos dirigentes do Galo o que se visualiza é apenas o baixo valor do empréstimo junto ao Boca, R$1,2 milhão. No mesmo foco ninguém vê os salários “europeus” do meia-atacante e tampouco o fato de que nos últimos 89 jogos ele ter anotado apenas seis gols.

Na linha dos atletas que atuaram bem contra algum time brasileiro está o chileno José Rojas, destaque do Universidad de Chile na última Copa Sul-Americana, e acompanhado por todos nas partidas em que Rojas enfrentou Flamengo e Vasco com a camisa de “La U“. Não fosse por essas partidas e possivelmente não viria para cá. Se o risco é o do atleta ter atuado com brilho quase que apenas no torneio continental, e nas partidas contra os brasileiros, a aposta em Rojas seria ainda mais segura se ele fosse também acompanhado em suas atuações pelo campeonato chileno. O que não aconteceu.

Por fim, voltamos a lembrar de que em plena era do profissionalismo é raro se deparar com um clube com gente habilitada para acompanhar o desempenho dos sul-americanos em seus campeonatos nacionais. Tanto é assim que o grande meia argentino para vir para o Brasil ainda está em seu país e sequer goza de especulação sobre seu nome: Diego Valeri, do Lanús. Sobre as qualidades de Valeri e, de outros enganches, convém ler o ótimo artigo de Zanata Arnos sobre o assunto (http://bit.ly/z9hLY5). Para o Corinthians sairia bem mais barato que Montillo, e o clube de Parque São Jorge ainda ganharia com a maior versatilidade de Valeri em relação ao meia do Cruzeiro. Graças a essa versatilidade, o enganche do Lanús poderia atuar como volante. Um desperdício, a julgar pelo talento de Valeri, mas vale a lembrança do exemplo de Elias, adaptado à posição e com sucesso. Porém, para que se importar com Valeri se é possível gastar bem mais com Cristian: menos versátil, do meio para frente, e incomparável a Valeri no aspecto técnico?

Semelhante a Valeri são os casos de outros jogadores argentinos sonhando com a Europa, mas hoje também com o Brasil. Na fila, de atletas jovens como os excelentes Casto (Rafaela), Paulo Dybala (Instituto) e Rodrigo Bataglia (Huracán) a experientes como Paulo Rosales (Unión Sta. Fe), Luis “la Pulguita” Rodriguez (Tucumán) etc. Contudo, dificilmente desembarcarão nos gramados tupiniquins, pois ou não contam com “bons empresários”, ou não atuaram contra times brasileiros ou porque ninguém os viram jogar em seus campeonatos nacionais.

Outras aquisições:
Andrés Romero, 22 anos, argentino – Criciúma, origem: Argentinos Juniors.
Joe Bizera, 31 anos, uruguaio – Criciúma, origem: Bella Vista (Uruguai).
Sebastián Sciorilli, 22 anos – América Mineiro, origem: River Plate.
Mauricio Salcedo , 26 anos, boliviano – Bragantino, origem: Vitória de Guimarães (Por).
Felipe Caicedo, 23 anos, equatoriano – Boa Esporte, origem: Lokomotiv Moscou. (A negociação não se concretizou).
Diego Arias, 26 anos, colombiano – Cruzeiro, origem: PAOK (Grécia).

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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  • Ótima materia, como torcedor do Figueira fiquei muito animado com o que li.
    E sobre o Valeri, realmente parece ser um baita jogador, como anda o mercado argentino? um jogador como ele deve custar aproximadamente quanto?

  • Houve reviravolta no caso Caicedo, Coutinho, é fato. Russos dificultaram para tentar aumentar a oferta e negociação ficou improvável, pois já havia atingido limite do clube. Abraço e obrigado pela lembrança,. Ótimo ano.

    Quanto à pergunta do Schneider, é mais ou menos o seguinte, algo em torno de seis ou sete milhões de euros tirariam o Valeri da Argentina. Mas, com uma vantagem para o Brasil: o jogador já teve uma experiência no exterior muito ruim (não só por causa dele) e o meio-termo entre sair da Argentina e buscar experiência fora seria o Brasil. Se não for do Brasil, dificilmente ele hoje deixaria o Lanús. Esses valores são altos no caso do Valeri, em todos os demais, de que fala o texto, os valores seriam bem menores; alguns muito abaixo. Como você é torcedor do grande Figueira (que tem tudo para arrasar de novo em 2012) uma grande opção seria o Castro, do Rafaela; jogador que consegue ser cerebral e extremamente veloz ao mesmo tempo. Outro, para segurar mais o jogo e sair com um bom passe seria o Bataglia, do Huracán. Por esse jogador dois milhões de dólares resolveria a negociação. Abraço e obrigado pelo prestígio ao site.

  • Mais uma bela matéria, mas eu como fã e leitor diário do site e apaixonado pelo futebol sul americano, e acompanho de perto pelo menos 2 vezes por ano vou até uruguai e argentina assistir jogos. Senti falta de informações sobre o meia Sebastián Sciorilli, 22 anos – América Mineiro, já que sou torcedor fanático do Coelhão, que achaa da aposta? E também gostaria de opções para de Argentinos para o mercado da série B do Brasil, jogadores não muito caros!

    Abs e parabéns e sucesso sempre ao melhor site de futebol Argentino do Brasil!

  • Seguinte Lucas Prates, infelizmente para o futebol mineiro (e isso não é desprestígio ao Coelho, que a meu ver tem os melhores dirigentes de Minas) a melhor contratação de todas é a aposta no Sciorilli. Isso porque a aquisição do atleta de 22 anos por empréstimo de um ano, e com opção de compra de 50% do passe, é um negócio muito viável para o América, ao contrário das aquisições de seus rivais mineiros. Da base do River há muitos jogadores bons que estão saindo pelo momento do clube. A regra é mais ou menos a seguinte: na mesma medida em que não revela bons zagueiros o River revela bons meias. Este é um deles. Caso consiga se adaptar, será um dos destaque do clube em 2012. Abraço e obrigado pelo prestígio ao site.

  • O Canuto infelizmente perdeu o pai em um acidente e teve que voltar para a argentina, o que deve atrasar um pouco a adaptação.
    O Saldivar é a grande jóia do Uram, ele ta confiando demais nesse garoto e a torcida ta curiosa.
    Quanto ao Niell tomara q tenha mais q velocidade pois de velocidade tinhamos, Breitner e Rhayner q só sabiam correr.

  • Excelente e esclarecedora matéria. Como acompanho o futebol argentino, principalmente o meu River, e o site, alguns amigos me perguntaram sobre o Abelairas e não acreditaram muito no que eu disse. Estão se baseando em um vídeo de jogadas divulgado pelo Vasco. O tempo dará a melhor resposta.

  • Eu me lembro muito bem do Diego Valeri quando o Lanús enfrentou o meu Vasco em 2007 pela Sul-Americana. Eu mal entendia de futebol, mas vi muita qualidade nele e em outro jogador, que, posso estar enganado, era o Pelletieri. E o Vasco vem com Abelairas.

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